terça-feira, março 26, 2013

Movimento

Aos poucos minha alma vai voltando ao corpo, recuperando a densidade que a prende a terra, ao corpo, retomando consciência dos sentidos. Seu cheiro vai se reinstalando em mim, mas agora sem o afã anterior. É algo suave, um Andante, segue o compasso marcado pelos seus dedos no ritmo da minha pele.
                Abro os olhos e sua imagem descansada me causa encanto: sobre o braço reclinado à guiza de travesseiro, sua cabeça descansa suave, relaxada, olhos fechados em semissono. Tem uma expressão serena, uma criança feliz repousa aqui!
                Sorrio mansamente para não lhe perturbar. E, intimamente, me surpreende que esteja realmente aqui e não seja um mero sonho de menina... O pensamento se desloca na velocidade da luz, recua anos, décadas, pousa nos devaneios infantis dos contos de fada e avança mais um pouco para encontrar uma menina-mulher extasiada diante de um sonho inalcançável. Meus dedos se movimentam para tocar seu rosto concretizando a certeza de que é você mesmo, mas meu cérebro é rápido na lembrança do mito de psique: se  tocar sua face romperei o encanto e voarás incontinente, então aconchego-me a ti, mais um pouco, em busca do aconchego cálido que tua pele transmite.
                Meu carinho é tímido, mas minha alma se derrama pela ponta dos meus dedos. Meu coração anseia por reter esse momento mais um pouco, por deixar-te aqui ainda uns segundos, muito embora minha razão saiba quanto é vã tal esperança...
                Num Moderato perfeito ouço sua voz como um comando suave de volta a realidade, mais algumas poucas palavras e as cordas do tempo se romperão, fechar-se-á o livro até que se possa saborear o próximo capítulo, permanecendo, sempre, as gravuras que podem ser revistas a qualquer momento!
                Observo-te e uma alegria boba, infantil, me expande o peito. Não a saberia explicar, mas é composta, em grande parte, pela tua beleza pura e despojada, pela forma como me olha, por todas as coisas que compõem você. A bordo de todo o medo, não me falta a confiança no timoneiro e a esperança de atracar de forma suave no melhor porto possível.
                Teu andar elegante lembra uma peça perfeita. Presto, te observo partir e, enquanto somes na curva da esquina, me pergunto: quando voltarás? Prestíssimo, espero...