Aos poucos minha alma vai voltando
ao corpo, recuperando a densidade que a prende a terra, ao corpo, retomando consciência
dos sentidos. Seu cheiro vai se reinstalando em mim, mas agora sem o afã
anterior. É algo suave, um Andante,
segue o compasso marcado pelos seus dedos no ritmo da minha pele.
Abro
os olhos e sua imagem descansada me causa encanto: sobre o braço reclinado à
guiza de travesseiro, sua cabeça descansa suave, relaxada, olhos fechados em semissono.
Tem uma expressão serena, uma criança feliz repousa aqui!
Sorrio
mansamente para não lhe perturbar. E, intimamente, me surpreende que esteja
realmente aqui e não seja um mero sonho de menina... O pensamento se desloca na
velocidade da luz, recua anos, décadas, pousa nos devaneios infantis dos contos
de fada e avança mais um pouco para encontrar uma menina-mulher extasiada
diante de um sonho inalcançável. Meus dedos se movimentam para tocar seu rosto
concretizando a certeza de que é você mesmo, mas meu cérebro é rápido na
lembrança do mito de psique: se tocar sua
face romperei o encanto e voarás incontinente, então aconchego-me a ti, mais um
pouco, em busca do aconchego cálido que tua pele transmite.
Meu
carinho é tímido, mas minha alma se derrama pela ponta dos meus dedos. Meu
coração anseia por reter esse momento mais um pouco, por deixar-te aqui ainda
uns segundos, muito embora minha razão saiba quanto é vã tal esperança...
Num
Moderato perfeito ouço sua voz como
um comando suave de volta a realidade, mais algumas poucas palavras e as cordas
do tempo se romperão, fechar-se-á o livro até que se possa saborear o próximo capítulo,
permanecendo, sempre, as gravuras que podem ser revistas a qualquer momento!
Observo-te
e uma alegria boba, infantil, me expande o peito. Não a saberia explicar, mas é
composta, em grande parte, pela tua beleza pura e despojada, pela forma como me
olha, por todas as coisas que compõem você. A bordo de todo o medo, não me
falta a confiança no timoneiro e a esperança de atracar de forma suave no
melhor porto possível.
Teu
andar elegante lembra uma peça perfeita. Presto,
te observo partir e, enquanto somes na curva da esquina, me pergunto: quando
voltarás? Prestíssimo, espero...