terça-feira, agosto 15, 2006

Viajando

Amazonas, 5766

Jerrez,

Eu não poderia ter pensado em algo melhor que vir ao Norte do Brasil. Uma experiência fascinante e de grande valia para a vida cotidiana, ao menos a minha.

Quando vivemos na cidade grande, mesmo não sendo Parador assim tão grande, vamos nos desvinculando de coisas simples, dos ritmos da natureza, e nos tornamos um pouco do concreto e do asfalto que nos cerca; voltar a por os pés, mesmo que calçados, em solo natural, respirar o ar produzido por árvores que não são o produto do jardineiro dedicado, mas a mão da criação, é algo que mexe profundamente conosco, ao menos comigo...

O rio Amazonas é fascinante e indescritível. É um mar de água doce e isso para mim era inimaginável até colocar meus olhos sobre ele e perder o fôlego, completamente tomada pelo encantamento da criação.

Ele, o rio, é como você : grande, poderoso, magnetizante, assustador mas ao mesmo tempo fascinante! Uma vez que se para em suas margens torna-se difícil ir embora, voltar a ser o mesmo de antes é impossível, esquecer o que foi visto e sentido está fora de qualquer possibilidade...

O verde das matas, o colorido das aves, a mansidão das águas, tudo remete ao infinito, ao momento mágico do fiat , ao começo do tudo quando éramos um com a terra, com a natureza, com o fogo criador.

As margens do Amazonas, com suas marés, fluxos e refluxos, nos remetem ao momento anterior ao Gênesis, ao silêncio primordial, antes do nada. É a ilustração do “Eu sou O que Sou” dito a Moisés. Não dá para falar, só sentir , aspirar e entender de uma forma singular que não passa pelo cérebro.

O grito primal sai dos igarapés e ressoa nas matas, repete-se nos raios de sol que teimam em filtrar-se pelas copas fechadas das altíssimas árvores,desliza no sabor exótico dos alimentos e na alegria simples do habitante nativo que jamais poderá pensar em água como recurso escasso e não renovável.

A sedução está latente em cada fruto saboroso e belo, na exuberância das cores da vegetação ou no perfume das flores. Nasce com as meninas, pequenas Yaras dessas terras Tupy.

A região amazônica é apaixonante, mas é mais que isso: é a vida pujante por si mesma!

Em tudo isso, faz falta não lhe ter por perto para compartilhar, conversar, brincar e olhar o dia se esvaindo na barra do rio...

Sempre,

Sh

domingo, agosto 13, 2006

A cidade e os ipês.

Parador, 5766

Querida Nur,

Parador parece uma noiva ataviada com todos os seus Ipês floridos... É impressionante pensar que isso significa, exatamente, que a seca chegou ao seu auge e que a chuva nem se sabe quando voltará a nos visitar, ou por outra, só virá quando esses milhares de pequenas flores fenecerem e ainda há muitas delas por nascer!

O Ipê é uma árvore espantosa. Penso que temos muito a aprender com ela pois é no auge da seca, exatamente quando toda outra vida vegetal se acaba, e até mesmo a grama fica marrom, que suas flores atingem o máximo de beleza e vigor. Parece dizer que não devemos acreditar na desolação da superfície, que, haja o que houver, sempre há lugar para a vida e para o encantamento.

A alameda dos beirais é um luxo só com suas ruas bordadas em amarelo, lilás e rosa. Os gramados, antes marrons pela seca, encontram-se um verdadeiro arco-íris de pequenas flores que se deslocaram dos galhos para substituir a forragem que morreu. Tudo cheira a vida e a beleza apesar desse céu de brigadeiro não ter a menor intenção de mandar uma só gota da miraculosa chuva.

Passeando pela alameda dos Ipês – chamo-a assim, agora – percebi que foi exatamente isso que aconteceu comigo: O comandante Jerrez teve um efeito Ipê em minha vida fazendo nascer flores e beleza onde antes havia devastação e dor. De cada uma de minha feridas vem florescendo um buquê e cada um parece ser mais bonito que o outro.

Eu estava tão morta quanto a natureza na época das secas. Tão distante da vida que até mesmo dos ciclos vitais me havia afastado e nem mesmo a lua, a grande e primordial mãe, eu observava... Murchando lentamente, minha casca ficava, pouco-a-pouco, impermeabilizada a toda e qualquer manifestação da vida pulsante...

Então Jerrez surgiu e modificou tudo isso. Voltei a sentir em mim a vida e a pulsar como a própria natureza. Agora abro o armário e, novamente, busco uma roupa como uma árvore escolhe uma flor; lanço mão de um perfume como se fosse um dia de sol ou uma noite de estrelas e os sonhos fluem, as palavras vicejam, as velas do barco da vida estão novamente enfurnadas e o mar do infinito pode ser singrado!

Sei que tudo isso seguirá exatamente o mesmo ciclo do Ipê: chegará a época da chuva e as flores não mais existirão; Jerrez seguirá seu caminho e eu o meu. Terá que ser assim, um dia, mas então não mais serei um galho nu clamando piedade aos céus, terei, ao menos, a lembrança das flores para honrar e me sentir viva.

Imagino que possa ter respondido a seus questionamentos, mas se algo resta de dúvidas, se em algum ponto não fui suficientemente clara, pergunte, sinta-se à vontade para esquadrinhar minha alma: as portas e janelas estão completamente abertas para você!

Beije os meninos por mim e fique com todo o amor dessa sua irmã

Sh