Eu
tinha cerca de 13 anos quando recebi uma carta do meu tio-avô Augusto Tenório
onde ele me dizia que as ideias de passado e futuro são meras ilusões que
criamos para suportar a ansiedade do fluir das horas, na verdade só existe o
presente e tudo mais são projeções que nossa mente cria para suportar a pressão
do tempo que se esvai.
Foi
a primeira vez em que ouvi falar de Proust e sua obra Em busca do tempo
perdido. Sete longos volumes em que o autor buscou alcançar a substancia do tempo para poder escapar à sua lei a fim de apreender a essência de uma realidade escondida no inconsciente e recriada pelo pensamento, para ao final descobrir que só existe o agora.
Para
que meu cérebro incipiente alcançasse o que ele me explicava, tio Augusto me
fez uso de uma imagem alegórica que consistia em servir o prato para almoçar, situação
singela e de muita pedagogia para meu entendimento infantil de algo tão
complexo quanto nossa relação com o tempo. Em seu exemplo ele me dizia que só
existe o movimento de servir o prato enquanto o servimos depois tudo acabou e
ninguém nos garante que almoçaremos, por outro lado, enquanto enchemos o garfo
só isso existe pois entre enche-lo e levá-lo a boca o mundo gira 360º e tudo
pode mudar, por essa razão devemos sempre saborear cada garfada como sendo
única e a ultima, pois verdadeiramente só existe aquela que se encontra em
nossa boca e tudo mais são expectativas. Não compreendi, embora tenha entendido,
mas tio Augusto era um homem sábio e culto e guardei a lição.
Passaram-se
os anos e um dia, diante de um problema no trabalho, meu chefe me disse com
toda convicção que o que lhe importava era minha conduta da porta de nossa sala
para dentro, para fora não lhe dizia respeito, era minha vida particular e,
desde que não afetasse o meu trabalho não era da sua alçada. Acrescentou ainda,
com um carinho que na ocasião não fui capaz de mensurar pelo vexame da
situação, que se um dia eu encontrasse alguém disposto a dividir comigo carinho
e ternura e essa pessoa estivesse disposta a me respeitar e considerar, não
hesitasse, pois respeito, carinho e ternura eram as coisas mais raras na face
da terra. Fiquei muito agradecida àquele homem grande e de voz gutural, mas que
tinha tanta ternura no falar. Eu tinha
muito medo dele, mas naquele dia me senti como se tivesse sido colocada
no seu colo e protegida como um bebe!
É
certo que não entendi completamente o que ele me disse: como respeito, carinho
e ternura poderiam ser as coisas mais raras da terra? Eu era mãe há pouquíssimo
tempo e estava plena de tudo isso, mas guardei a informação. Ele me pareceu ser
alguém que sabia das coisas...
Hoje,
aqui, metaforicamente segurando suas mãos entre as minhas, recordo essas lições
para dizer-lhe que o tempo que existe é o agora: nem o ontem e nem o amanhã!
O
que realmente me importa é o momento em que você atravessa o portão
da minha casa, casa cujas chaves lhe entreguei por livre e espontânea vontade,
tudo o mais, tudo o que fica para além desses portões é sua vida particular e
desde que não interfira aqui dentro, não é da minha alçada, a menos que seja
seu desejo compartir.
Quando
sento nos seus joelhos e cavalgo suas pernas excitantemente másculas, mantendo
seu rosto entre minhas palmas, e sinto suas mãos que deslizam pelas minhas
costas é que a vida começa a acontecer!
O que importa realmente é o cheiro que que você exala quando saciado se estende sobre o mim, o perfume de que fica impregnada minha casa, minha pele, meu corpo...
O
presente, a garfada da qual meu tio falava, é aquele momento exato onde seu
cérebro percebendo, por mecanismos atávicos, o desejo que se acende no meu
corpo, dilata sua pupila, acelera seu coração e nos une num só ritmo. É nesse
átimo, enquanto nossa consciência se transporta aos imemoriais tempos das
cavernas, quando sua mão me segura como posse e propriedade reais, que o
amor se derrama sem censuras ou culpas e a vida existe plena e ilimitada.
Não
há ontem e nem amanha, apenas o agora e ele deve ser aproveitado como se não
fosse possível repeti-lo sob pena de lamentarmos, como Proust fez, o tempo
perdido, o tempo que não existe e nem pode ser recuperado.
Perdemos
uma semana inteira, talvez percamos outra, e quantas temos guardadas em nosso
alforje de vida? Não sabemos, o taifeiro da vida nos é inacessível e só ele
sabe o que colocou em nossa sacola de suprimentos de dias. Amanhã poderemos,
olhando o corpo inerte do outro, lamentar por não termos estado por mais tempo
com ele/ela, por não termos beijado mais, abraçado mais, dito palavras
carinhosas, deixado a vida fluir sem nos preocuparmos com as mazelas
cotidianas...Será tarde nesse momento: o tempo não volta, não temos uma segunda
chance para passar a vida a limpo!
Seu
rosto entre minhas mãos, sua mão nas minhas costas, seu corpo entrelaçado ao
meu é a realidade palpável, “real”, para nós. Degustemos – la como crianças que
descem pelas curvas do arco-íris!