sábado, setembro 09, 2006

Luz

Parador, Elul, 5766

O mês de Elul traz consigo um sol vermelho ao final da tarde. Sua beleza intensifica-se a medida em que uma névoa seca produz uma sensação de embaciamento da vista possibilitando olhar fixamente o disco fulgente que incendeia a barra do horizonte.

Será essa a razão deste mês ser chamado de mês das luzes? sinceramente não sei, mas deveria ser! O espetáculo é belíssimo embora poucos se dêem ao trabalho de apreciar. Em algum outro lugar, esse mesmo sol, desce a barra do horizonte enquanto seu reflexo passeia pelas águas do oceano, traçando um reflexo de dourada prata nas águas salgadas... Coisas maravilhosas que o homem perde de observar todos os dias!

Perdemos tantas coisas, deixamos de apreciar tantas belezas que gratuitamente a vida nos oferece, a cada dia, presos que ficamos em convenções de dever ser como se devêssemos ser algo mais que felizes...

Tomo meu baú de penduricalhos e resolvo organizar minhas lembranças. Suas cartas, amarradas com fita cor-de-rosa sol de Elul, repousam no lado esquerdo do baú. Acaricio-as como se fossem sua própria face, abro-as, uma-a-uma, e lhe escuto pronunciar cada palavra pensando ser capaz de adivinhar as inflexões, os sorrisos suspensos, o brilho astuto do olhar, a expectativa da espera.

quanto tempo nos correspondemos? Mais de ano, dizem as cartas e sei que não tenho todas: Algumas rasguei por uma pueril noção de perigo, como se houvesse jeito de se viver sem estar em perigo!

Um vento morno sopra nesse final de tarde e um calor intenso e interno me abrasa: Sinto sua falta, uma falta forte, ardente como o final da tarde. As palavras reacendem a lembrança do toque, do abraço... Seu cheiro puro, sem misturas químicas, seu porte, sua elegância, sua beleza quase helênica...

Lembro de uma “modinha”em que o cantor perguntava: “Por quem sonha Ana Maria?” Sinceramente eu não sei por quem ela sonha, mas espero que sonhe com alguém e que esse alguém tenha um rosto, um cheiro e um corpo porque os sonhos abstratos doem demais, bem sei eu.

Meu sonho tem um rosto, um toque e um cheiro específico e, agora sei, um desejo contido por muitos anos, um querer antigo sempre considerado inatingível ou eu não teria pequenos papéis guardados e lembranças tão fortes de cheiros, roupas, fatos, curiosidades. Depois de tantos e tantos acontecimentos a permear a memória, ainda ressoa o conselho só colocado em prática na sua companhia:

(..)Se um dia encontrar alguém que lhe respeite e que queira compartilhar com a senhora o seu carinho, aceite porque carinho e respeito são matérias muito escassas na humanidade!

Minha saudade tem um toque de pétalas de rosas e a segurança do melhor abraço já experimentado, tem a intensidade de um grito de guerra e a vontade sempre impossível de ficar um pouco mais. É feita da certeza de que a não proximidade excessiva popa nossos olhos de cegaram a luz dos nossos recíprocos defeitos, e assim seguimos unidos pelo desejo que a distancia aumenta e a saudade regula embalando meus sonhos e colorindo meus dias com sua palheta de arco-íris (e eu já tão acostumada com o cinza, sinto-me deslumbrada!).

O sol já se escondeu e Amelita Baltar me conta, em sua belíssima interpretação, que sus labios de fuego otra vez quiero besar enquanto eu sugiro:

Quereme así, piantao, piantao, piantao...Trepáte a esta ternura de locos que hay en mí, ponete esta peluca de alondras, ¡y volá! ¡Volá conmigo ya! ¡Vení, volá, vení!

Por una cabeza – tango de Gardel e Le Perra

Balada por un loco – tango de Piazzola e Ferrer

segunda-feira, setembro 04, 2006

Só saudade.

Jerrez,

Aos meus olhos, tua cartinha me dá conta de que estarás ausente por um tempo que, aos olhos da saudade, parece enorme!

Olhando o carimbo da expedição, descubro que me encontrava a frente do teu escritório quando a enviaste. Uma dessas interessantes coincidências a que Jung chamou de sincronicidade universal.

Sexta-feira, à tarde, após resolver algumas pendências na Medina, sentei-me na lanchonete da Gabi para tomar um sorvete e arrefecer o calor da tarde. Fiquei por horas a fio admirando os arabescos que o sol final desenhava nas paredes de espelho que te protegem do olhar curioso dos transeuntes. Foi quando me mandaste a notificação de ausência.

Estás em uma bela cidade, cravada no colo das montanhas. Estive aí anos atrás e, a mim moradora das planicies, fascinou-me seu horizonte sempre recortado de picos e nuvens.

Lembro com carinho da lagoa e seu conjunto arquitetônico e toda uma beleza singular fornecida pelas montanhas e seu clima peculiar.

Aqui, após aquele calor insuportável, tem chovido muito e com a caída abrupta da temperatura, a sensação térmica é de frio intenso...Dá vontade de ficar sob as cobertas com uma boa caneca de chocolate quente ou vinho tinto e uma ótima companhia que nos ajude a gastar essas calorias extras... risos...Não tendo, continua-se na rotina de sempre : trabalha-se e trabalha-se...

Aproveita bastante e não esqueças que sinto saudades desse abraço apertado, desse olhar moleque, de sua serena e segura companhia!

Sempre

Sh

Presente pra você

Aviv,1566
Jerrez, Em viagem ao litoral, e procurando um mimo que pudesse trazer-lhe, pensei que ...

Queria poder levar um raio de sol e a suave fragrância que impregna o vento;

A vida pulsante a cada momento nesta cidade sempre maravilhosa...

Queria poder levar as casas que sobem a encosta, a passarela cor-de-rosa e o trem azul no seu vôo solo!

A placidez do aterro e o burburinho do Saara, a imensidão que do bondinho se descortina e os meus olhos de menina...

Queria saber falar da beleza abobadada, dos monumentos, das colunas, dos sentimentos que dormitam na arquitetura centenária.

Levo, então, minha’lma alargada, olhos deslumbrados que ainda mais me ligam a D’us e a plenitude da saudade bordada com a beleza que entrevejo na cidade!

Sh