domingo, novembro 23, 2014

Sonhos


Há quem diga que todas as noites são de sonhos.
Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão.
No fundo, isso não tem muita importância.
O que interessa mesmo não é a noite em si, mas os sonhos.
Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares,em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.
(Sonhos de uma noite de verão – Willian Shakespeare)


            A primeira vez que lhe vi foi na minha imaginação infantil. Deitada na calçada da varanda, brincando de casinha, contava para minha amiga sobre o pai das minhas filhas e a imagem que descrevi – nunca esqueci – era exatamente você, nos mínimos detalhes, até no cheiro.
            O tempo passou. Mudei muitas vezes de cidade, escola e amigos. De vida. Os projetos começaram a aparecer, a vida começou a pulsar e um dia vi você na tela do cinema. Meu coração parou: lembrei da imagem que descrevia nas minhas brincadeiras infantis e ela estava lá, na tela... Mas era só uma imagem, não era uma pessoa! Meu sonho de criança se tornou meu artista favorito e sempre que possível assistia os seus filmes.
            A roda da vida girou mais uma vez em sua volta completa e um dia me deparei com você. Meu sonho fora  personificado em corpo e alma, mas embora estivesse ao alcance do meu braço estendido estava muito mais distante que o ator das telas do cinema! Pude observar, malgrado a distancia que nos era imposta que você era exatamente como eu imaginava. Possuía todas as características que idealizara nos meus devaneios pueris.
            Meu coração que sempre esteve aberto para um sonho, encontrou, finalmente a concretização impossível do seu querer. Guardei com carinho nos recônditos de minha alma a certeza de um segredo que me recusei a conhecer.
            A vida tem seu próprio ritmo e suas próprias regras e pouco ou nada nos adianta tentar intervir. Rodou seu giro mais uma vez e novamente estávamos ali, frente a frente: eu, com as pernas trêmulas, sentia o coração a  sair pela boca,  arrebentando o peito, insuflando o medo de que se ouvisse de fora, me deixando atordoada... Foi quando senti o sabor do seu beijo, a textura da sua pele e o calor do seu corpo abrindo o céu para mim!

"Quebre-me os selos!
Deixe-me em pêlos!
Meu Imperador!
Mate minha sede!
Subo as paredes por seu amor..."*

            Hoje, nessa noite chuvosa e fria, folheio nosso álbum de recordações contemplando as fotos de cada fugaz momento que passamos juntos e me admiro com a simetria dos nossos corpos perfeitamente encaixados um no outro: encontro-me exatamente no espaço compreendido entre seu queixo e metade da palma dos seus pés! Ah, seus pés... Pés que acariciam os meus num carinho novo e tranqüilo, numa suavidade acolhedora como se fossem pequenas mãos extras e bem treinadas a prolongar a serenidade acolhedora daquele momento mágico em que seus braços me acolhem e guardam na amplitude de um abraço capaz de parar o tempo, o mundo e afastar de mim todos os problemas e medos.
             Meu sonho de menina tem hoje um rosto, um corpo, um cheiro e um nome. Tem o melhor abraço do mundo e enquanto cai a chuva eu o chamo simplesmente de meu amor!

Beije minha boca!
Rasgue minha roupa!
Faça o que quiser!
Esqueça meu nome!
Seja meu homem! (...)
Roube-me os trilhos!
Lance-me o brilho desse seu olhar!
Quebre as correntes!
Crave-me os dentes!
Faça-me voar!
Tire minhas selas!
Solte minhas velas!
Ligue o meu motor!
Pise bem fundo!
Somos o mundo, meu grande amor!
Cantar, viver pra você tudo que eu sempre quis...
(Luiza Fittipaldi – Sede)*