segunda-feira, janeiro 20, 2020

Afogada em limitações


                Hoje acordei afogada na superficialidade limitante das pessoas à minha volta. Minha alma, num esgar desesperado, gritou basta! Sinto falta de você, dos nossos compartilhamentos, das suas poucas palavras tão cheias do universo...
                        Não há ninguém que entenda o envio da lua em seu esplendor no céu, uma orquestra sinfônica, a imagem de um campo florido, uma peça de Schubert, um seriado intrigante, um filme emocionante, uma doce canção de ninar. Ninguém sabe me falar dos mistérios das estrelas ou conhece seus caminhos.... Sem a delicadeza de um café sorvido com gosto, toda e qualquer outra coisa resta supérflua e deslocada.
                        Para quem dizer me abrace, tenho medo ou me lance para que eu desça pelo arco-íris, se não há braços capazes de me conter? Quem pode me segurar se ao final e a cabo, todos são tão menores que eu??? Só você era maior, capaz e forte suficiente para me suster nesse delicado bordado da vida onde agora voo como uma folha solta ao vento...
                        Seguro-me nas lembranças e enquanto jogam pedras de descaso no meu oficio, seus olhos brilhantes repetem na minha memória a frase curta, quase simplória, mas que me alenta a cada dia: minha advogada! E no meio de uma imensidão de tantos faz, ainda julgo escutar um homem que dizia nunca pensei em namorar uma advogada, a minha advogada... E os braços que me elevaram acima da espuma macia, transmitiram, à minha alma, uma confiança que ainda me segura.
                        Sem sua ponta seca, inútil é meu compasso. Não sabe mais traçar os arcos de uma vida que ficou sem cor, sem sabor, como um sal que já não salga, apenas seca.
                        A quem ainda posso perguntar qualquer coisa, perscrutar qualquer assunto sem jamais me encabular, envergonhar ou me sentir menor? Com quem falar sobre sexo, politica, esportes, estrelas e música, medos, desejos sem medo? Apartada da sua inesgotável profundidade já não sou uma das meninas de Renoir: Não há tela capaz de me refletir, como não há braços capazes de me abraçar porque não basta ter envergadura física, mister Ser Capaz de o fazer.
                        Hoje acordei cansada das superficialidades das palavras vãs e desejei vê-lo tocar a companhia e entrar, sentar-se para um café e apenas degustar o suave prazer de lhe olhar.... Se tivesse coragem – será que teria? – Apenas pedir: Me abraça? Nada mais...
                        Talvez estendesse, tímida, a ponta dos dedos para tocar seu cabelo macio – sinto tanta falta de acaricia-lo, sentir-lhe o perfume, o cuidado – mas a vontade mesmo seria de beijar sua boca macia e quente que costumava tocar-me a alma...
                        Já nem ouso imaginar como seria ter novamente seus dedos tamborilando aquela suave canção, mas ainda sinto o cheiro fresco de sua pele sobre a minha quando enterro o rosto entre os travesseiros tentando, inutilmente, encontrar a barba, o peito e o olhar ...
                        O que eu não daria para o ter de volta? Não sou capaz de imaginar nada que eu não pudesse trocar: anos de vida, qualquer tipo de fortuna, tudo eu entregaria se o pudesse novamente reconquistar.
                        Nem bem me lembro das conjunções porque ao evocar tais imagens, ao ver seu corpo projetado na tela da memória, sempre paro nos seus olhos que iam se apertando, as pupilas pequeninas como se abraçassem forte a imagem que refletiam e meus olhos turvos, nesses momentos, chamam seu nome sem conseguir se conformar.
  A ausência dói como jamais imaginei que algo doeria. Não ter você é como se faltasse uma parte essencial de mim, como se o próprio Deus – à guisa do que fez a Jó – me estivesse testando a resistência e sanidade: cada dia de uma vez e uma esperança louca e desarrazoada de que um dia eu vou acordar e ao abrir os olhos novamente lhe ver...