Cerca de
93% das pessoas que tem um membro amputado sentem dor fantasma, fenômeno
definido pela ciência pela sensação de dor, formigamento, frio ou calor em um
membro ou órgão que foi amputado ou extirpado cirurgicamente.
A
neuroplastia é a capacidade do sistema nervoso em amoldar-se a fisiologia do
corpo e detectar corretamente os estímulos, mas quando uma parte do corpo é
retirada do seu corpo, em grande parte das vezes, o sistema nervoso não
consegue assimilar essa perda e continua a produzir sensações como se recebesse
estímulos do vácuo...
E se
você está me perguntando porque estou falando sobre isso em um blog feito para
falar sobre o quanto o amor me envolveu, vai entender o sentido quando ler que
transcorridos cerca 1.371 (mil trezentos e setenta e hum) dias – 45,7 meses ou
3,8 anos – desde que vi você descer as escadas sem olhar para trás, essa
lembrança ainda dói como se tivesse acontecido ontem.
Nem no
mês ou na semana passada, mas ontem...
É como
se minha alma tivesse sido privada de uma parte sua que ela se recusa a
aceitar, mandando constantemente estímulos e produzindo vontades como se as
pudesse saciar.
Ainda
arrumo a cama com lençóis claros e dois jogos de travesseiros; ainda durmo na
parte mais interna da cama e coloco duas xicaras na mesa quando tomo o café da
tarde; ainda levanto a cada dia aguardando, com o coração em suspense quando a companhia
toca, que esse seja o dia em que vou lhe ver novamente, ainda que apenas para
dizer olá!
E se
você me perguntar do que sinto saudades vou ser muito sincera ao lhe responder
com um pronome indefinido que para mim parece mais um adjetivo de quantidade
absoluta: sinto saudades de tudo!
Do seu
sorriso que acende mil sois no dia, da sua cara de bravo, do seu olhar capaz de
congelar a alma ou acender labaredas infinitas; da sua expressão instintiva de desconcerto
encolhendo o corpo – com o tempo aprendi a entender, me desculpar e abaixar a
voz que facilmente se alteia com a empolgação -, da sua palavra firme, mas
doce; da sua resposta incisiva, da sua correção amorosa.
Só
alguém que nunca viu a grandiosidade do seu sorriso quando se espalha pelo
corpo inteiro, pode dizer que você era ausente; Só quem nunca contemplou a grandiosidade
de Deus ao ver-se refletida no seu olhar pode dizer que fui usada, manipulada e
descartada. Não. Todas essas hipóteses refutei-as veementemente porque nunca
ninguém foi tão presente.
_ O
que faço com esse contrato?
_ O
que digo a meu pai? A meu filho?
_ Como
lido com esse problema?
-
Socorro, minha vida está fora dos trilhos!
E suas
mãos enormes e delicadas, firmes e seguras se estenderam para ajustar tudo,
recolocar as situações nos seus devidos lugares, em qualquer dia ou hora em que
chamei e muitas vezes até sem saber.
Só
quem não conhece a amplitude desse abraço único, que me cabe inteira, e nunca
experimentou a magia de ver o mundo estacionar em um cantinho só seu pode falar
em ausência ou distanciamento, não eu que ainda escuto a melodia que seus dedos
tamborilavam nas minhas vertebras e as vezes acordo lembrando dos seus pés
deslizando na sola dos meus.
De que
sinto saudades? Sinto saudades de lhe ver dando um nó na gravata elegante, escanhoando
o contorno da barba perfeita; olhar você silenciosamente estirado na cadeira da
sauna e passear por tantos mundos pelos quais seus olhos me levaram.
Não se pode falar de ausência quando se compartilhou engarrafamentos e semáforos, cactos e violetas, pores-do-sol, luas e estrelas, sorrisos, lagrimas, trabalhos, desejos, oceanos e areias, desenhos, cantatas, corais, segredos, saudades e desejos.
Ah! Sua
beleza diante da qual me ajoelho, tão imensa e intensa quanto sua inteligência,
não é dessas que se desfará quando os anos finalmente lograrem lhe tirar o
tônus muscular e a elasticidade da pele. Não! A sua
beleza vem de dentro, é dessas que brilha no olhar e ressoa na voz de tal forma
que envolve tudo o mais. É reflexo de um caráter firme, de uma vontade
disciplinada, de alguém que venceu,
vencendo primeiramente a si mesmo!
Ocorre-me
que sua beleza é como seu cheiro e sua elegância natural: resplandecem limpeza,
integridade, comando, como deveriam ser – hipoteticamente – os reis, os
comandantes, e eu, a menorzinha entre todos os seus súditos, sinto falta da sua
majestade na minha vida.
É a
dor fantasma da minha alma, o encanto dos meus sentidos, o pulo no escuro que
eu repetiria todos os dias e novamente até não mais respirar!