segunda-feira, abril 05, 2021

DOR FANTASMA, QUANDO O CORPO NÃO ACEITA A PERDA DE SUA INTEGRIDADE

Cerca de 93% das pessoas que tem um membro amputado sentem dor fantasma, fenômeno definido pela ciência pela sensação de dor, formigamento, frio ou calor em um membro ou órgão que foi amputado ou extirpado cirurgicamente.

A neuroplastia é a capacidade do sistema nervoso em amoldar-se a fisiologia do corpo e detectar corretamente os estímulos, mas quando uma parte do corpo é retirada do seu corpo, em grande parte das vezes, o sistema nervoso não consegue assimilar essa perda e continua a produzir sensações como se recebesse estímulos do vácuo...

E se você está me perguntando porque estou falando sobre isso em um blog feito para falar sobre o quanto o amor me envolveu, vai entender o sentido quando ler que transcorridos cerca 1.371 (mil trezentos e setenta e hum) dias – 45,7 meses ou 3,8 anos – desde que vi você descer as escadas sem olhar para trás, essa lembrança ainda dói como se tivesse acontecido ontem.

Nem no mês ou na semana passada, mas ontem...

É como se minha alma tivesse sido privada de uma parte sua que ela se recusa a aceitar, mandando constantemente estímulos e produzindo vontades como se as pudesse saciar.

Ainda arrumo a cama com lençóis claros e dois jogos de travesseiros; ainda durmo na parte mais interna da cama e coloco duas xicaras na mesa quando tomo o café da tarde; ainda levanto a cada dia aguardando, com o coração em suspense quando a companhia toca, que esse seja o dia em que vou lhe ver novamente, ainda que apenas para dizer olá!

E se você me perguntar do que sinto saudades vou ser muito sincera ao lhe responder com um pronome indefinido que para mim parece mais um adjetivo de quantidade absoluta: sinto saudades de tudo!

Do seu sorriso que acende mil sois no dia, da sua cara de bravo, do seu olhar capaz de congelar a alma ou acender labaredas infinitas; da sua expressão instintiva de desconcerto encolhendo o corpo – com o tempo aprendi a entender, me desculpar e abaixar a voz que facilmente se alteia com a empolgação -, da sua palavra firme, mas doce; da sua resposta incisiva, da sua correção amorosa.



Só alguém que nunca viu a grandiosidade do seu sorriso quando se espalha pelo corpo inteiro, pode dizer que você era ausente; Só quem nunca contemplou a grandiosidade de Deus ao ver-se refletida no seu olhar pode dizer que fui usada, manipulada e descartada. Não. Todas essas hipóteses refutei-as veementemente porque nunca ninguém foi tão presente.

_ O que faço com esse contrato?

_ O que digo a meu pai? A meu filho?

_ Como lido com esse problema?

- Socorro, minha vida está fora dos trilhos!

 

E suas mãos enormes e delicadas, firmes e seguras se estenderam para ajustar tudo, recolocar as situações nos seus devidos lugares, em qualquer dia ou hora em que chamei e muitas vezes até sem saber.

Só quem não conhece a amplitude desse abraço único, que me cabe inteira, e nunca experimentou a magia de ver o mundo estacionar em um cantinho só seu pode falar em ausência ou distanciamento, não eu que ainda escuto a melodia que seus dedos tamborilavam nas minhas vertebras e as vezes acordo lembrando dos seus pés deslizando na sola dos meus.

De que sinto saudades? Sinto saudades de lhe ver dando um nó na gravata elegante, escanhoando o contorno da barba perfeita; olhar você silenciosamente estirado na cadeira da sauna e passear por tantos mundos pelos quais seus olhos me levaram.

Não se pode falar de ausência quando se compartilhou engarrafamentos e semáforos, cactos e violetas, pores-do-sol, luas e estrelas, sorrisos, lagrimas, trabalhos, desejos, oceanos e areias, desenhos, cantatas, corais, segredos, saudades e desejos.

Ah! Sua beleza diante da qual me ajoelho, tão imensa e intensa quanto sua inteligência, não é dessas que se desfará quando os anos finalmente lograrem lhe tirar o tônus muscular e  a elasticidade da pele. Não! A sua beleza vem de dentro, é dessas que brilha no olhar e ressoa na voz de tal forma que envolve tudo o mais. É reflexo de um caráter firme, de uma vontade disciplinada, de alguém que venceu,
vencendo primeiramente a si mesmo!

Ocorre-me que sua beleza é como seu cheiro e sua elegância natural: resplandecem limpeza, integridade, comando, como deveriam ser – hipoteticamente – os reis, os comandantes, e eu, a menorzinha entre todos os seus súditos, sinto falta da sua majestade na minha vida.

É a dor fantasma da minha alma, o encanto dos meus sentidos, o pulo no escuro que eu repetiria todos os dias e novamente até não mais respirar!