Ao longe, os ipês começam sua floração pintando a paisagem em vibrantes tons de amarelo, lilás e rosa enquanto pela barra da janela o final da tarde se faz anunciar no céu cinzento que escorrega dos galhos desnudos do arvoredo.
A escultura grega, entalhada no teto, mostrava Zeus e a Madona em um abraço aconchegantemente sensual. Suas pernas bem talhadas e semi-flexionadas fundiam seu corpanzil anguloso a delicada estrutura feminina, enlaçando-a com um braço que lhe envolvia o tronco conservando o busto ao largo dos olhares curiosos.
Perdeu-se em abstrações enquanto observava o quadro à luz difusa de uma tarde outonal. Reminiscências rondavam seu espírito, como raios de um sol que exita em ir-se.
Vieram, primeiro, as sensações táteis: o toque suavemente firme, o calor que emanava da pele. Em seguida, os cheiros e o gosto, para , finalmente, tornar-se um quadro com sons inaudíveis de palavras sussurradas de espírito para espírito.
Destes encontros saía sempre com a sensação misteriosa de haver mordiscado uma beirada do infinito, um encontro com o mais sensível e incógnito que existe no ser humano: a profundidade de um céu enluarado.
Uma memória assomou-lhe a mente, sorrateira e forte: desde que, em criança, contraíra determinada moléstia, passara a ter verdadeiro horror aos aromas sulfúricos e no entanto, agora, eles lhe chegava aos sentidos com uma suavidade deliciosa, misturando-se a outros perfumes sem os macular ou impor sua presença. Sorriu percebendo que o caminho que se percorre interiormente nem sempre se casa ao mundo externo. Para cada momento da vida há impressões compostas de odores e sabores próprios, atos e pensamentos singulares.
Olhou para o teto no exato momento em que Zeus abriu os olhos!
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