terça-feira, novembro 09, 2021

Vácuo

 

VÁCUO

 

Em minha vida só lamento o que não vivi, o que, por medo ou covardia, deixei de experimentar, exceção feita à enorme distancia que você instalou entre nós. Há, agora, um universo que nos separa. Vivemos em galáxias diversas, universos distintos e eu que sempre me defendi, me escondi, me armei, conquistei, me apaixonei com palavras; eu que sempre me congratulei por vencer todas as coisas por meio da palavra, não consegui um único som capaz de atravessar o impenetrável muro que você ergueu entre nós!

Por toda a minha vida, nunca encontrei um homem mais homem que eu. Nunca vi, ouvi ou conheci alguém diante de quem – homem ou mulher – eu conseguisse me desnudar completamente. Mostrar minhas falhas, meus medos. Nenhum abraço nunca foi capaz de me conter, de me segurar, de me colar por dentro. Nenhum silencio foi capaz de quebrar, nenhuma ausência – nem mesmo as da morte – foram capazes de instaurar o vácuo semelhante ao seu.

Tanto tempo depois, acredito que entendo a real razão do seu afastamento – muito distinta da subtendida pelo desenrolar dos acontecimentos – mas entender não melhora nada, ao contrário, aprofunda a dor porque reduz a uma única as infinitas possibilidades que você ocupa em minha história .

Sempre fui muito só. Um bicho estranho que ninguém compreende e apenas que domar, sem entender que não sou domável, ao contrário, sou conquistável pelo respeito, carinho, entendimento. Só em você encontrei sempre, em todos os níveis em que nos relacionamos, essa capacidade de se não me entender, ao menos me respeitar. Um bicho estranho como eu. Outro sozinho, embora sempre rodeado. Alguém que segue em frente, mesmo quando todos param... E agora não tenho mais nada.

Meus dois pilares arriaram. Os únicos dois homens que foram capazes de conquistar minha confiança e admiração partiram. Um por decurso do tempo, o outro por escolha própria. Me sinto perdida, vagando no meio do nada...

 

Minha cabeça fervilha de interrogações sobre as quais gostaria de conversar, ouvir alguém, mas quem? Não há ninguém com quem possa comentar, dividir, a quem possa abraçar e sentir que tutto andrà bene!

 

Sinto-me imensamente só. Lembro-me de Jesus no monte das oliveiras e ninguém capaz de lhe fazer companhia... Claro que não sou Ele, mas é a imagem de maior solidão que conheço: as pessoas mais próximas não conseguem entender o que se passa e você segue só, contando apenas com Deus. Não que seja pouco, contar com D”s, mas que humanamente não é confortável esse apenas que é tudo, metafisicamente falando.

 

Tantas coisas sobre as quais gostaria de conversar, pedir uma opinião, ouvir o que você teria a dizer; tantas coisas, todas elas, impronunciáveis para outros ouvidos tanto pela certeza de que não entenderia, quanto pelo medo de demonstrar buracos, espaços vazios, fraquezas só admitíveis diante de quem é mais forte que você, todas elas fervendo dentro de mim, sem saída possível!

 

Lembro de um texto que lhe escrevi uma vez, a solidão dos fortes. Acho que só agora consigo entender exatamente o que significa esse título: Ninguém duvida, ninguém se preocupa, ninguém espera ou acha que você precisa de colo, de abraço, de carinho; a ninguém parece que vc tem medo, angustias, saudades e você é chamado a seguir sempre em frente, mesmo sangrando, sem dizer nada pelo simples fato de que não há quem ouça...

 

Nem mesmo sei se você vai ler, mas confio no que uma vez você me disse: “leio sempre, tudo que você mesma escreve”. Há outras falas não cumpridas, mas não importa, me importa contar que sinto muita falta do meu amigo, muito mais que do meu namorado, muito mais do que de qualquer outra coisa

 

Provavelmente estas palavras também não atMTravessarão o muro de silencio que você ergueu entre nós, mas ainda assim lanço-as com a esperança de que ao menos o eco delas ressoe nos seus ouvidos, reverberem no seu cérebro já que você diz que o coração é apenas um músculo.

 

Não sei que parte de mim sente sua falta, sei a que não sente e não sente não porque não tenha sido importante ou bom, mas porque essa é uma fase que já passou. Sei que levanto todos os dias e lhe pergunto: e aí o que temos para hoje e alguns dias o peso que tenho que levantar é tamanho que sequer consigo me erguer da cama... Queria guindastes para me levantar, mas não tem ninguém para com força suficiente para isso, então, voilá!, serei mais uma vez eu comigo mesmo!

Brasilia, 09/11/2021

19:50

            MTA/mta

sábado, setembro 18, 2021

Quase primavera

 

                        Sou uma apaixonada pela obra criativa de Deus de uma forma geral, mas as diversas capacidades do ser humano me espantam a cada dia... Como somos capazes de incorporar fatos, sabores, odores, acontecimentos, pessoas, a nós mesmos sem sequer percebemos o processo!

                        Dias atrás, tentei, inutilmente, diga-se de passagem, lembrar seu cheiro. Lembrava-me perfeitamente do nome do seu perfume, das sensações que o contato com sua pele me provocava, mas a forma como meu cérebro identificava essa mistura única e peculiar formada, de uma forma exclusiva, pela química do seu corpo ao reagir aos compostos odoríferos do seu perfume, isso a que chamamos de cheiro, não consegui lembrar!

                        Deveria ser possível guardar os aromas em potinhos bem fechados para que pudéssemos aspirar em momentos de saudade extrema, assim como posso recorrer às 
fotos quando a vontade de lhe ver bate os píncaros da vontade ou nos assalta o medo de ver o registro da sua amada face ser sobreposta por tantos outros registros diários.. Guardo, com ciúme infantil, pequenos e raros áudios por meio dos quais posso sempre verificar que ainda sei exatamente como é a sua voz, mas o cheiro, ah! O cheiro não tem como guardar...

 Ontem, era final de tarde eu andava lentamente apreciando as maravilhas da luz nessa já quase primavera que se aproxima, quando, repentinamente, meu coração disparou como uma criança assustada e todo o meu corpo se voltou em uma direção que não entendi de imediato, mas que em fração de segundos pude entender do que se tratava.

                        O fantástico foi que entendi tudo de forma instintiva, sem passar pelo entendimento, pela mente, pelo racional... Foi o coração disparado, o corpo trêmulo, os joelhos duvidosos em sua capacidade de suster o corpo que me explicaram que reconheci pairando no ar sua assinatura olfativa!

                        É. Eu pensava ter esquecido o seu cheiro, aquele verdor leve e forte, fresco e limpo, como uma água cristalina no seio da floresta, mas identifiquei, como se pudesse sentir  uma parte de mim mesma que se perdera, quando atravessou o meu caminho algo muito próximo ao que meu cérebro reconheceu como sendo você!

                        O mais interessante foi que não havia ninguém por perto, não passou de uma ilusão olfativa, um delírio de saudades, diriam alguns, que teve o efeito potencializador de aumentar ainda mais a falta que sinto de você!

                        Em tudo isso, surpreende-me observar que transcorridos mais de quatro anos desde que você decidiu afastar-se de mim, tudo ainda é perfeitamente atual: recordo-me de você como se houvéssemos nos visto semana passada e a saudade dói como se tudo acontecera ontem... A regra de que o tempo é o pai do esquecimento não se aplica a mim: levo você por onde vou!

         Cada pôr-do-sol, luar, paisagem ou momento emocionante, ainda são compartilhados com você, muito embora minha mente me obrigue a, na esmagadora maioria das vezes, fazer esse compartilhamento de forma telepática.

Quantas saudades  eu sinto do meu melhor e maior amigo e, claro, do meu namorado e do seu sorriso e do seu cheiro gostoso e do seu abraço enorme onde sempre me coube tão perfeitamente

           Sujeito-me ao respeito que devo a sua decisão, mas insurjo-me face ao desconhecimento dos seus fundamentos – talvez essa a dor mais profunda, a de não saber porque – e a consequente impossibilidade de corrigir um eventual erro meu.

                     A angustia inicial transmutou-se em resignação e agora apoia-se na esperança de uma possível reconsideração, algum dia, afinal, tudo sempre pode mudar!

   


          Sigo descendo a rua. O sol mergulha no horizonte tingindo o céu de um gradativo negrume. As lágrimas também se recolhem enquanto me dirijo à condução.

No meu ser existe um lugar, cuja porta nunca se fecha, e que tem por nome saudade. Bem na entrada há uma placa onde se lê: você!


segunda-feira, abril 05, 2021

DOR FANTASMA, QUANDO O CORPO NÃO ACEITA A PERDA DE SUA INTEGRIDADE

Cerca de 93% das pessoas que tem um membro amputado sentem dor fantasma, fenômeno definido pela ciência pela sensação de dor, formigamento, frio ou calor em um membro ou órgão que foi amputado ou extirpado cirurgicamente.

A neuroplastia é a capacidade do sistema nervoso em amoldar-se a fisiologia do corpo e detectar corretamente os estímulos, mas quando uma parte do corpo é retirada do seu corpo, em grande parte das vezes, o sistema nervoso não consegue assimilar essa perda e continua a produzir sensações como se recebesse estímulos do vácuo...

E se você está me perguntando porque estou falando sobre isso em um blog feito para falar sobre o quanto o amor me envolveu, vai entender o sentido quando ler que transcorridos cerca 1.371 (mil trezentos e setenta e hum) dias – 45,7 meses ou 3,8 anos – desde que vi você descer as escadas sem olhar para trás, essa lembrança ainda dói como se tivesse acontecido ontem.

Nem no mês ou na semana passada, mas ontem...

É como se minha alma tivesse sido privada de uma parte sua que ela se recusa a aceitar, mandando constantemente estímulos e produzindo vontades como se as pudesse saciar.

Ainda arrumo a cama com lençóis claros e dois jogos de travesseiros; ainda durmo na parte mais interna da cama e coloco duas xicaras na mesa quando tomo o café da tarde; ainda levanto a cada dia aguardando, com o coração em suspense quando a companhia toca, que esse seja o dia em que vou lhe ver novamente, ainda que apenas para dizer olá!

E se você me perguntar do que sinto saudades vou ser muito sincera ao lhe responder com um pronome indefinido que para mim parece mais um adjetivo de quantidade absoluta: sinto saudades de tudo!

Do seu sorriso que acende mil sois no dia, da sua cara de bravo, do seu olhar capaz de congelar a alma ou acender labaredas infinitas; da sua expressão instintiva de desconcerto encolhendo o corpo – com o tempo aprendi a entender, me desculpar e abaixar a voz que facilmente se alteia com a empolgação -, da sua palavra firme, mas doce; da sua resposta incisiva, da sua correção amorosa.



Só alguém que nunca viu a grandiosidade do seu sorriso quando se espalha pelo corpo inteiro, pode dizer que você era ausente; Só quem nunca contemplou a grandiosidade de Deus ao ver-se refletida no seu olhar pode dizer que fui usada, manipulada e descartada. Não. Todas essas hipóteses refutei-as veementemente porque nunca ninguém foi tão presente.

_ O que faço com esse contrato?

_ O que digo a meu pai? A meu filho?

_ Como lido com esse problema?

- Socorro, minha vida está fora dos trilhos!

 

E suas mãos enormes e delicadas, firmes e seguras se estenderam para ajustar tudo, recolocar as situações nos seus devidos lugares, em qualquer dia ou hora em que chamei e muitas vezes até sem saber.

Só quem não conhece a amplitude desse abraço único, que me cabe inteira, e nunca experimentou a magia de ver o mundo estacionar em um cantinho só seu pode falar em ausência ou distanciamento, não eu que ainda escuto a melodia que seus dedos tamborilavam nas minhas vertebras e as vezes acordo lembrando dos seus pés deslizando na sola dos meus.

De que sinto saudades? Sinto saudades de lhe ver dando um nó na gravata elegante, escanhoando o contorno da barba perfeita; olhar você silenciosamente estirado na cadeira da sauna e passear por tantos mundos pelos quais seus olhos me levaram.

Não se pode falar de ausência quando se compartilhou engarrafamentos e semáforos, cactos e violetas, pores-do-sol, luas e estrelas, sorrisos, lagrimas, trabalhos, desejos, oceanos e areias, desenhos, cantatas, corais, segredos, saudades e desejos.

Ah! Sua beleza diante da qual me ajoelho, tão imensa e intensa quanto sua inteligência, não é dessas que se desfará quando os anos finalmente lograrem lhe tirar o tônus muscular e  a elasticidade da pele. Não! A sua beleza vem de dentro, é dessas que brilha no olhar e ressoa na voz de tal forma que envolve tudo o mais. É reflexo de um caráter firme, de uma vontade disciplinada, de alguém que venceu,
vencendo primeiramente a si mesmo!

Ocorre-me que sua beleza é como seu cheiro e sua elegância natural: resplandecem limpeza, integridade, comando, como deveriam ser – hipoteticamente – os reis, os comandantes, e eu, a menorzinha entre todos os seus súditos, sinto falta da sua majestade na minha vida.

É a dor fantasma da minha alma, o encanto dos meus sentidos, o pulo no escuro que eu repetiria todos os dias e novamente até não mais respirar!