sexta-feira, novembro 03, 2006

De noite

Parador, 12 de Cheshvan 5767

Jerrez,

Lá fora há uma lua encoberta pelo véu das águas; uma claridade melancólica enche os céus enquanto ouço o silencio da noite, o silêncio de todas as coisas, o meu silêncio, o teu silêncio...Quantas palavras são ditas em silêncio? Quantas declarações de amor, de guerra ou de Adeus são feitas em silêncio? Silêncio solene como esse que se instaurou agora...Silêncio disfarçado em palavras, palavras vazias, perdidas no tempo, no espaço, no seu mais profundo significado...Apenas palavras!

Sento-me no jardim, sobre o colo estendo minha caixa de recordações: são tão belas as tuas! Aqui tenho um recorte de doces palavras e mais acá uma porção indescritível de prazer. Guardei essa pena de andorinha para não esquecer aquele dia em que eu tive medo e recebi seu abraço de apoio e força...Estendo a vista sobre a amurada e as rosas plantadas por ti vicejam lindas! Plantastes tantas flores no jardim de minha vida que por todo o resto dela seu perfume recenderá profundo nos ermos da minha alma.

Uma música doce e forte, semelhante em muito a tua voz, preenche os vazios do Universo, os caminhos da lua, essa mulher misteriosa e só, admirada, cobiçada mas só... A Lua é um pouco como você que chegou de repente, invadiu tudo, encheu de beleza e cor um espaço triste quase morto e quando podia, enfim, desfrutar de sua criação começa a sair devagarzinho...Mas, olha, a lua nunca diz que já vai ou que o dia está nascendo: Você olha e olha e parece que ela ainda está ali, e você vai olhando e a lua dentro dos seus olhos lhe deixa impressão que não se foi; você pisca e nesse átimo surgiu o sol e ninguém nem sabe como a lua desapareceu!

É uma forma elegante de dizer Adeus, é uma forma dolorida de sentir o adeus porque fica tudo pairando no ar: Já é dia mas parece que ainda há tempo para a madrugada; você já foi mais ainda diz que não e eu tonta quero sim acreditar que a cotovia ainda não cantou!

O perfume das tuas rosas enchem o ar com a fragrância da nostalgia e eu queria, mesmo, era te ver voltando pelo caminho das rosas plantadas, fresco e vivo trazendo sanduíches de ricota, suco e bombons...Queria ver seu cabelo voando ao vento e sua risada gostosa sempre presa entre as duas orelhas...Voltando com o perfume das madrugadas perfumadas de palavras doces, toques sutis de um céu azul que dançava com a lua um tango em plena noite de estrelas!

Jeux Interdits by Andre Rieu

sábado, outubro 14, 2006

Convite ...

Se quiser Tânia Mara Se quiser fugir, pra qualquer lugar que for Nem precisa me chamar, tão perto que eu estou Com esse medo de perder, não te deixa me olhar Esqueça o que passou, que tudo vai mudar Agora eu posso ser seu anjo, seus desejos sei de cor Pro bem e pro mal, você me tem não vai se sentir só Meu amor Sempre que quiser um beijo eu vou te dar Sua boca vai ter tanta sede de me domar Se quiser Sempre que quiser ir às estrelas me dê a mão Deixa eu te levar Eu penso te tocar, te falar coisas comuns E poder te amar, o amor mais incomum Não deixo o medo te impedir, de chegar perto de mim O que aconteceu ontem não vai mais repetir Me deixa então estar contigo, seus desejos sei de cor Pro bem e pro mal, você me tem não vai se sentir só Meu amor Se quiser Sempre que quiser um beijo eu vou te dar Sua boca vai ter tanta sede de me domar Se quiser Sempre que quiser ir às estrelas me dê a mão Deixa eu te levar Me deixa ser real e te ajudar a ser feliz Porque eu sou o seu fogo, tudo o que você quis Sempre que quiser um beijo eu vou te dar Sua boca vai ter tanta sede de me domar Se quiser Sempre que quiser ir às estrelas me dê a mão Deixa eu te levar

quarta-feira, outubro 11, 2006

Divagando

Parador, tishrei 5767

Encarapitado no último galho da goiabeira, o menino olha à sua volta: A mão estendida, prestes a aprisionar sua presa, é um imã para a fruta madura e reluzente ao sol do outono.

Uma ingênua malícia desenha-lhe no rosto sério um sorriso mordaz: terá a primeira fruta da estação! ...

Admiro seu dorso nu, estendo os braços e lhe envolvo pelas costas tentando abraçar toda a envergadura do seu tronco. Meus dedos deslizam pelo seu ventre num tamborilado divertido que lhe faz contrair a barriga e elevar o tórax como uma águia alçando vôo.

Encaixo o queixo no seu ombro e toda encanto faço minhas mãos moverem-se ascendentes. Passeiam pelos seus pelos macios, enrroscam-se no pescoço, desenham o contorno dos lábios mais suaves e generosos que já beijei!

Incrustada no seu ombro, escorro pelo seu corpo como fio d’água ; menina travessa, pés descalços desço suas serras, percorro suas planícies.

Meu beijo sôfrego busca sorver seu gosto no alvoroço dos sentidos e sigo percorrendo suas pernas, jônicos adereços sobre pés perfeitos.

Seu rosto em minhas retinas, suas meninas. Minhas mãos, precárias molduras para tanta beleza, transmitem ao meu corpo o seu vigor, chama ardente a incendiar-me: Sigo o comando que sua respiração exara, deslizo no vértice da inconsciência para aquietar-me exaurida e plena no seu abraço acolhedor, mas o sol do seu sorriso, ao saldar um novo dia, convida a retornar o estudo da sua geografia!

domingo, setembro 24, 2006

Sobre um menino

Naquele momento era apenas um menino assustado com os mistérios da noite e a mãe que segurava sua mão pequena e trêmula, nada mais havia e não poderia ser diferente: aconchegou-lhe o rosto entre as mãos em concha e secou-lhe as lágrimas com sorrisos-sol, beijando cada sulco com a suavidade de uma brisa vespertina!

Era apenas um menino diante da primeira perda, da dor primerva do desencontro e seus olhos escuros, costumeiramente brilhantes, eram poços de interrogações e espantos. Um menino assustado e com medo precisa de colo e amor e seus braços o envolveram como se fosse um grande cobertor tecido com as mais puras fibras do coração, trançados no tear do reconhecimento e acolhida, forrado de carinho e aceitação. Não era pequeno, nem fraco, só estava com medo, sozinho na noite escura da vida!

Sua vela, acreditara piamente nela, não fora forte o suficiente para clarear o caminho e a claridade bruxuleante projetara nas paredes da mente sombras assustadoras na noite fria. A trovoada, os relâmpagos e o ribombar dos trovões aumentaram o tamanho e a aterradora feição das sombras. Teve vontade de gritar, dizer que sentia medo, mas teve mais medo ainda de confessar tal fraqueza e calara. A alma aflita, presa no corpo calado, gritou mais alto, consumindo a energia vital, instalando a doença e a dor física porque a dor do corpo é aceitável , então gritou alto a dor que recendia pelo corpo mas que na verdade era da alma...

Ouvi seu grito. A princípio um murmúrio no meio da noite, um soluço abafado pelos travesseiros altos. Chegou-se pé-ante-pé e passou a mão em seus cabelos...Cabelos de menino, tão fino e suave como uma folha de grama dançando ao vento!

Alisou seu pêlo macio e, nunca soube ao certo se a ternura do seu toque ou apenas o medo da solidão, fez com que levantasse os olhos para ela. Olhos mudos e profundos, olhos brincalhões e brilhantes, olhos mutáveis como a cor do céu no correr do dia.

Continuou a acariciar-lhe o rosto porque o rosto é sempre a parte física da alma e tocar o rosto é como tocar a alma e cantou uma canção de heróis e fadas. Cantou uma música que nasceu do coração, do mar e do vento porque nesses elementos são forjados os heróis e o menino assustado era assim: um herói, um general que vencera muitas guerras mas que tinha medo na noite escura da fé.

Contou baixinho a história de heróis guerreiros e da tribo de vencedores da qual nascera e assim foi lembrando a sua alma que a glória dos heróis não consiste em não ter medo mas em ser capaz de enfrentá-lo. E enquanto sussurrava essa história, bem baixinho para não assustar ainda mais, tão baixinho que o medo nem percebeu que fora descoberto, se ouviu o grito profundo que ecoou meio da noite.

Fazendo um movimento suave mas firme, alargou os braços para poder conter tanto espanto e cobriu-lhe o corpo largo e grande com a extensão delicada dos seus pequenos braços e como em um milagre, que só a maternidade pode explicar, abarcou a imensidão do mundo em si... Naquele encontro havia medo e fé e a força do carinho fez do pequeno grande que se mostrou menor ainda para poder conter em si a imensidão.

E os seus braços de criança envolveram o tronco adulto com a ternura de uma brisa atravessando o bambu e suas mãos em concha guardaram o rosto cheio de susto e medo e sua barba era apenas um arminho macio a tocar-lhe as palmas das mãos.

Beijou-lhe a face para secar as lágrimas tentando achar a porta que traria luz na noite escura da fé!

sábado, setembro 09, 2006

Luz

Parador, Elul, 5766

O mês de Elul traz consigo um sol vermelho ao final da tarde. Sua beleza intensifica-se a medida em que uma névoa seca produz uma sensação de embaciamento da vista possibilitando olhar fixamente o disco fulgente que incendeia a barra do horizonte.

Será essa a razão deste mês ser chamado de mês das luzes? sinceramente não sei, mas deveria ser! O espetáculo é belíssimo embora poucos se dêem ao trabalho de apreciar. Em algum outro lugar, esse mesmo sol, desce a barra do horizonte enquanto seu reflexo passeia pelas águas do oceano, traçando um reflexo de dourada prata nas águas salgadas... Coisas maravilhosas que o homem perde de observar todos os dias!

Perdemos tantas coisas, deixamos de apreciar tantas belezas que gratuitamente a vida nos oferece, a cada dia, presos que ficamos em convenções de dever ser como se devêssemos ser algo mais que felizes...

Tomo meu baú de penduricalhos e resolvo organizar minhas lembranças. Suas cartas, amarradas com fita cor-de-rosa sol de Elul, repousam no lado esquerdo do baú. Acaricio-as como se fossem sua própria face, abro-as, uma-a-uma, e lhe escuto pronunciar cada palavra pensando ser capaz de adivinhar as inflexões, os sorrisos suspensos, o brilho astuto do olhar, a expectativa da espera.

quanto tempo nos correspondemos? Mais de ano, dizem as cartas e sei que não tenho todas: Algumas rasguei por uma pueril noção de perigo, como se houvesse jeito de se viver sem estar em perigo!

Um vento morno sopra nesse final de tarde e um calor intenso e interno me abrasa: Sinto sua falta, uma falta forte, ardente como o final da tarde. As palavras reacendem a lembrança do toque, do abraço... Seu cheiro puro, sem misturas químicas, seu porte, sua elegância, sua beleza quase helênica...

Lembro de uma “modinha”em que o cantor perguntava: “Por quem sonha Ana Maria?” Sinceramente eu não sei por quem ela sonha, mas espero que sonhe com alguém e que esse alguém tenha um rosto, um cheiro e um corpo porque os sonhos abstratos doem demais, bem sei eu.

Meu sonho tem um rosto, um toque e um cheiro específico e, agora sei, um desejo contido por muitos anos, um querer antigo sempre considerado inatingível ou eu não teria pequenos papéis guardados e lembranças tão fortes de cheiros, roupas, fatos, curiosidades. Depois de tantos e tantos acontecimentos a permear a memória, ainda ressoa o conselho só colocado em prática na sua companhia:

(..)Se um dia encontrar alguém que lhe respeite e que queira compartilhar com a senhora o seu carinho, aceite porque carinho e respeito são matérias muito escassas na humanidade!

Minha saudade tem um toque de pétalas de rosas e a segurança do melhor abraço já experimentado, tem a intensidade de um grito de guerra e a vontade sempre impossível de ficar um pouco mais. É feita da certeza de que a não proximidade excessiva popa nossos olhos de cegaram a luz dos nossos recíprocos defeitos, e assim seguimos unidos pelo desejo que a distancia aumenta e a saudade regula embalando meus sonhos e colorindo meus dias com sua palheta de arco-íris (e eu já tão acostumada com o cinza, sinto-me deslumbrada!).

O sol já se escondeu e Amelita Baltar me conta, em sua belíssima interpretação, que sus labios de fuego otra vez quiero besar enquanto eu sugiro:

Quereme así, piantao, piantao, piantao...Trepáte a esta ternura de locos que hay en mí, ponete esta peluca de alondras, ¡y volá! ¡Volá conmigo ya! ¡Vení, volá, vení!

Por una cabeza – tango de Gardel e Le Perra

Balada por un loco – tango de Piazzola e Ferrer

segunda-feira, setembro 04, 2006

Só saudade.

Jerrez,

Aos meus olhos, tua cartinha me dá conta de que estarás ausente por um tempo que, aos olhos da saudade, parece enorme!

Olhando o carimbo da expedição, descubro que me encontrava a frente do teu escritório quando a enviaste. Uma dessas interessantes coincidências a que Jung chamou de sincronicidade universal.

Sexta-feira, à tarde, após resolver algumas pendências na Medina, sentei-me na lanchonete da Gabi para tomar um sorvete e arrefecer o calor da tarde. Fiquei por horas a fio admirando os arabescos que o sol final desenhava nas paredes de espelho que te protegem do olhar curioso dos transeuntes. Foi quando me mandaste a notificação de ausência.

Estás em uma bela cidade, cravada no colo das montanhas. Estive aí anos atrás e, a mim moradora das planicies, fascinou-me seu horizonte sempre recortado de picos e nuvens.

Lembro com carinho da lagoa e seu conjunto arquitetônico e toda uma beleza singular fornecida pelas montanhas e seu clima peculiar.

Aqui, após aquele calor insuportável, tem chovido muito e com a caída abrupta da temperatura, a sensação térmica é de frio intenso...Dá vontade de ficar sob as cobertas com uma boa caneca de chocolate quente ou vinho tinto e uma ótima companhia que nos ajude a gastar essas calorias extras... risos...Não tendo, continua-se na rotina de sempre : trabalha-se e trabalha-se...

Aproveita bastante e não esqueças que sinto saudades desse abraço apertado, desse olhar moleque, de sua serena e segura companhia!

Sempre

Sh

Presente pra você

Aviv,1566
Jerrez, Em viagem ao litoral, e procurando um mimo que pudesse trazer-lhe, pensei que ...

Queria poder levar um raio de sol e a suave fragrância que impregna o vento;

A vida pulsante a cada momento nesta cidade sempre maravilhosa...

Queria poder levar as casas que sobem a encosta, a passarela cor-de-rosa e o trem azul no seu vôo solo!

A placidez do aterro e o burburinho do Saara, a imensidão que do bondinho se descortina e os meus olhos de menina...

Queria saber falar da beleza abobadada, dos monumentos, das colunas, dos sentimentos que dormitam na arquitetura centenária.

Levo, então, minha’lma alargada, olhos deslumbrados que ainda mais me ligam a D’us e a plenitude da saudade bordada com a beleza que entrevejo na cidade!

Sh

sexta-feira, setembro 01, 2006

Cotidiano

Parador, Elul, 5766

Querida Nur,

Sei que estou em falta contigo. Há dias não dou notícias, talvez meses, mas creia-me que não deixo de pensar em ti um só momento.

Tive alguns atropelos no empório. Problemas com faturas que voltaram e geraram grande transtorno. Graças a D’us Marcelo resolveu acordar do seu esplêndido sono e me ajudar. Ele é excelente nessas questões e creio que tudo acabará bem.

Nesse mesmo período estive adoentada com uma forte gripe que terminou reativando minha sinusite. Passei dias com ar de doida, uma dor correndo por todo o lado esquerdo do meu rosto fazia saltar lágrimas dos meus olhos...Não bastando tudo isso, minha mãe esteve adoentada também.

A criatura quase cantou para subir, acredita? Nossa, foi um susto e tanto que passamos! Não sei o que seria do meu pai sem ela. Vivem em uma simbiose tão perfeita que a ausência de um acarretará a perda do outro, não tenho dúvidas quanto a isso!

Agora já voltou tudo a calma natural. Ela já está em casa e como uma verdadeira troiana, quase pronta para outra! Reluta em fazer o repouso prescrito pelo médico e não entende que 7 décadas pesam sobre um organismo debilitado pelo excesso de medicamentos que sempre ingeriu...Coisas da vida.

Aqui em casa também já voltou tudo ao normal, embora Marcelo esteja tendo surtos de consciência. Tudo muito esporádico, mas tem dias que acorda e me abraça e beija e diz me amar...Em seguida tudo se acomoda novamente. Eu de tão calejada ouço sem emoção tais palavras que mais me parecem o grito de um náufrago a procura do cais!

Antes que você comece a se coçar de curiosidades, direi que Jerrez é uma pessoa maravilhosa, sim. Certamente tem seus defeitos, como eu mesma tenho os meus, mas é alguém muito especial. Sua textura é como a de uma seda pura que tanto serve para enfeitar quanto para trançar uma corda de execução forçada!

Essa tem sido a experiência mais incrível de minha vida – por si só já extraordinária! risos. Nunca me imaginei envolvida em igual situação e enredada nela, descubro uma beleza e uma sensação de plenitude e encantamento que nunca antes vivenciei.

Certamente não é o deslumbramento que nos acompanha nas paixões que colorem a nossa adolescência deixando-nos incapazes para qualquer coisa ou cegos a realidade. É, sim, um encanto como o das tardes tépidas que ocorrem ao final do outono quando somos capazes de admirar toda a beleza presente no deserto e na luz difusa que, sem clarear completamente, é capaz de nos aquecer e espantar o frio!

Jerrez é divertido com seu jeito sério e quase carrancudo. Muito educado e carinhoso, demonstrando sempre uma atenção cheia de cuidados e mimos sem pieguices. Gosto do seu jeito direto, sereno e firme. Sinto-me segura e capaz de ser eu mesma com a certeza de que não vou ferir suscetibilidades: somos objetivos, somos claros... Não há necessidade de rodeios, mas também gostamos e precisamos de carinho, de acolhimento e procuramos trocar isso.

Acho que seja essa uma associação certa, perfeita!

Assim que é muito bom me perder entre seus braços fortes e me afogar em seus beijos carinhosamente exigentes de uma entrega total...

No mais não há novidades além do dia nublado e quente que faz hoje nessa grande e bela ilha de Parador.

Escreva-me, querida, conte-me das suas novidades.

Que os Deuses lhe abençoem

Sh
P.S. foto de http://www.flickr.com/photos/tiagocastro/

sexta-feira, agosto 25, 2006

Sobre pérolas e outras...

Parador, 5766

Jerrez,

Enquanto escrevo, a lua passeia majestosa pelas águas da enseada distribuindo sua luz argêntea pela imensidão do firmamento.

Um vento tépido, anunciando a proximidade da primavera, sopra suavemente pondo meus cabelos em desalinho, arrepiando suavemente a pele, trazendo a memória do seu toque e recordando a sua ausência...

Sinto saudades de você. Do seu sorriso matreiro sempre pendurado no canto dos lábios; da luz brincalhona e travessa que existe no fundo dos seus olhos: luz de menino moleque que rouba goiabas no quintal vizinho... Do fogo suave que recende da sua pela, terra molhada sob os primeiros raios do sol!

Adorei sua cartinha...

Claro que muito me agradam todas as formas de comunicação que utilizamos, mas na carta havia uma coisa em especial: havia uma pérola e eu sou apaixonada por pérolas!

A maioria das mulheres ama o ouro e as pedras preciosas, principalmente os diamantes – eternos, segundo James Bond – eu não, eu amo as pérolas com sua discrição clássica, seu refinamento, seu conteúdo de transformação. A peróla é a alma da ostra que venceu um desafio!

É tão gostoso receber carinho e carinho em palavras, quando vem de alguém objetivo como você, tem um sabor de sorvete no final da tarde! Definitivamente querida tem um som especial se escrito pela sua pena! risos

Bem, agora já escrevi demais.

Agradeço imensamente pela luz com a qual tem iluminado a minha vida que agora tem outras cores e matizes.

Espero que nos vejamos breve.

Deixo beijos, muitos beijos e saudades,

Sh

segunda-feira, agosto 21, 2006

Desejos

Zabror, 5766

Jerrez,

Espero encontrar-lhe em paz !

Enquanto escrevo, o sol vai lançando laivos vermelhos pelo céu e tingindo de dourado as nuvens macias que brincam de correr pelo infinito!

Observo, encantada, os reflexos do sol nas fachadas das casas, dos edifícios, das pessoas...Tudo tem um ar de magia e mistério, de beleza e singularidade, que me intriga e fascina.

Gostaria que você estivesse aqui para podermos compartilhar este momento. Queria lhe mostrar que o céu, e o sol, sangram e há muita beleza nesse sangrar de vida!

Sinto, é verdade, falta de ficarmos assim, às vezes, somente olhando a vida passar, abraçados, compartilhando idéias, momentos, calor, companheirismo...

Há pouco nos falamos ao telefone e esta é outra coisa intrigante: embora estivesse morrendo de saudades de lhe ouvir, saber de você, falar-lhe ao telefone é muito desconfortante, parece-me, sempre, que nos falta naturalidade. Na verdade, o que acontece é que uma de suas peculiaridades é a de ter uma voz completamente isenta de inflexões emocionais e isto faz com que dizer “saudades” ou “traga-me a fatura 232” soa exatamente da mesma forma. É indispensável, ao falar-lhe, que se tenha o seu rosto ao alcance dos olhos para que por meio de uma análise atenta se vá lendo nas entrelinhas do olhar, da expressão dos lábios, do conjunto facial, as inflexões que as frases não contêm.

Um bom observador verá que ao dizer “senti saudades” brilha no fundo dos seus olhos uma luz suave e doce, já ao dizer “traga a fatura 232!” a luz cortante não admite réplica!

Ocorre-me que isso seja conseqüência de sua alto-disciplina, o que o torna um homem muito amoroso mas nada afetivo, ao contrário de Marcelo que é uma pessoa muito afetiva mas pouco amoroso!

Entendo-me melhor com as pessoas amorosas e não afetivas que ao contrário, talvez pelo f ato de meu pai ser assim, alguém extremamente presente mas incapaz de uma palavra doce, de um gesto de afeto expresso...Foi e é a pessoa mais presente em toda a minha vida, embora estivéssemos sempre às turras, quando eu era adolescente...risos

Assim é que sinto saudades de lhe olhar e observar bem de perto, ao alcance não só dos meus olhos como também de meus dedos e lábios! Coisa maravilhosa que é fazer-lhe cócegas na barriga e ver seu peito elevar-se com a contração dos músculos abdominais...risos...Abraçar você por tras, sentindo toda a largura da sua caixa toráxica como um convite velado a uma longa viagem de exploração, enquanto vou beijando devagarinho seu pescoço bem desenhado...

Sinto saudades de você, aqui nesse desterro que momento presente me impõe mas que espero cessar logo, logo.

Finalmente, escrevi apenas para lhe dizer que sinto saudades, muitas saudades de você e lhe enviar um beijo terno e vários outros bem sapecas

Sempre,

Sh

terça-feira, agosto 15, 2006

Viajando

Amazonas, 5766

Jerrez,

Eu não poderia ter pensado em algo melhor que vir ao Norte do Brasil. Uma experiência fascinante e de grande valia para a vida cotidiana, ao menos a minha.

Quando vivemos na cidade grande, mesmo não sendo Parador assim tão grande, vamos nos desvinculando de coisas simples, dos ritmos da natureza, e nos tornamos um pouco do concreto e do asfalto que nos cerca; voltar a por os pés, mesmo que calçados, em solo natural, respirar o ar produzido por árvores que não são o produto do jardineiro dedicado, mas a mão da criação, é algo que mexe profundamente conosco, ao menos comigo...

O rio Amazonas é fascinante e indescritível. É um mar de água doce e isso para mim era inimaginável até colocar meus olhos sobre ele e perder o fôlego, completamente tomada pelo encantamento da criação.

Ele, o rio, é como você : grande, poderoso, magnetizante, assustador mas ao mesmo tempo fascinante! Uma vez que se para em suas margens torna-se difícil ir embora, voltar a ser o mesmo de antes é impossível, esquecer o que foi visto e sentido está fora de qualquer possibilidade...

O verde das matas, o colorido das aves, a mansidão das águas, tudo remete ao infinito, ao momento mágico do fiat , ao começo do tudo quando éramos um com a terra, com a natureza, com o fogo criador.

As margens do Amazonas, com suas marés, fluxos e refluxos, nos remetem ao momento anterior ao Gênesis, ao silêncio primordial, antes do nada. É a ilustração do “Eu sou O que Sou” dito a Moisés. Não dá para falar, só sentir , aspirar e entender de uma forma singular que não passa pelo cérebro.

O grito primal sai dos igarapés e ressoa nas matas, repete-se nos raios de sol que teimam em filtrar-se pelas copas fechadas das altíssimas árvores,desliza no sabor exótico dos alimentos e na alegria simples do habitante nativo que jamais poderá pensar em água como recurso escasso e não renovável.

A sedução está latente em cada fruto saboroso e belo, na exuberância das cores da vegetação ou no perfume das flores. Nasce com as meninas, pequenas Yaras dessas terras Tupy.

A região amazônica é apaixonante, mas é mais que isso: é a vida pujante por si mesma!

Em tudo isso, faz falta não lhe ter por perto para compartilhar, conversar, brincar e olhar o dia se esvaindo na barra do rio...

Sempre,

Sh

domingo, agosto 13, 2006

A cidade e os ipês.

Parador, 5766

Querida Nur,

Parador parece uma noiva ataviada com todos os seus Ipês floridos... É impressionante pensar que isso significa, exatamente, que a seca chegou ao seu auge e que a chuva nem se sabe quando voltará a nos visitar, ou por outra, só virá quando esses milhares de pequenas flores fenecerem e ainda há muitas delas por nascer!

O Ipê é uma árvore espantosa. Penso que temos muito a aprender com ela pois é no auge da seca, exatamente quando toda outra vida vegetal se acaba, e até mesmo a grama fica marrom, que suas flores atingem o máximo de beleza e vigor. Parece dizer que não devemos acreditar na desolação da superfície, que, haja o que houver, sempre há lugar para a vida e para o encantamento.

A alameda dos beirais é um luxo só com suas ruas bordadas em amarelo, lilás e rosa. Os gramados, antes marrons pela seca, encontram-se um verdadeiro arco-íris de pequenas flores que se deslocaram dos galhos para substituir a forragem que morreu. Tudo cheira a vida e a beleza apesar desse céu de brigadeiro não ter a menor intenção de mandar uma só gota da miraculosa chuva.

Passeando pela alameda dos Ipês – chamo-a assim, agora – percebi que foi exatamente isso que aconteceu comigo: O comandante Jerrez teve um efeito Ipê em minha vida fazendo nascer flores e beleza onde antes havia devastação e dor. De cada uma de minha feridas vem florescendo um buquê e cada um parece ser mais bonito que o outro.

Eu estava tão morta quanto a natureza na época das secas. Tão distante da vida que até mesmo dos ciclos vitais me havia afastado e nem mesmo a lua, a grande e primordial mãe, eu observava... Murchando lentamente, minha casca ficava, pouco-a-pouco, impermeabilizada a toda e qualquer manifestação da vida pulsante...

Então Jerrez surgiu e modificou tudo isso. Voltei a sentir em mim a vida e a pulsar como a própria natureza. Agora abro o armário e, novamente, busco uma roupa como uma árvore escolhe uma flor; lanço mão de um perfume como se fosse um dia de sol ou uma noite de estrelas e os sonhos fluem, as palavras vicejam, as velas do barco da vida estão novamente enfurnadas e o mar do infinito pode ser singrado!

Sei que tudo isso seguirá exatamente o mesmo ciclo do Ipê: chegará a época da chuva e as flores não mais existirão; Jerrez seguirá seu caminho e eu o meu. Terá que ser assim, um dia, mas então não mais serei um galho nu clamando piedade aos céus, terei, ao menos, a lembrança das flores para honrar e me sentir viva.

Imagino que possa ter respondido a seus questionamentos, mas se algo resta de dúvidas, se em algum ponto não fui suficientemente clara, pergunte, sinta-se à vontade para esquadrinhar minha alma: as portas e janelas estão completamente abertas para você!

Beije os meninos por mim e fique com todo o amor dessa sua irmã

Sh

quinta-feira, agosto 10, 2006

Navegando

Parador, 9 Av 5766

Querida Nur,

Estejam as bênçãos de todos os Deuses sobre você e sua família!

Sua carta encheu meu coração de alegria e meu espírito de profundas reflexões. Como sempre, você é minha melhor terapeuta e mais eficiente preceptora: aprendo, sempre, muito com você e se o aprendizado não torna o caminho mais fácil, certamente torna mais colorido porque é muito melhor entender a paisagem pela qual navegamos a navegarmos no desconhecido. Até mesmo as tempestades são mais amenas se entendemos seu mecanismo.

Por aqui não há novidades tão significantes no nosso dia-a-dia. Os meninos seguem bem e eu levo minha vida pacata de entressafra comercial. Sempre se vende alguma coisa, mas nunca no ritmo normal. Marcelo cada dia mais isolado, verdadeiramente je aller planter ses choux, o que torna a convivência familiar uma obra de ficção social ou um mero referencial psicológico...Seria isso possível? Não sei, já não sei mais nada no presente momento!

Os questionamentos feitos por você foram muito profundos e pertinentes, porém extremamente difíceis de serem respondidos! Eu diria que se assemelham a perscrutar o inicio do Universo ou a insondável substância da alma.

Como traduzir em palavras as sensações, como entender o pano de fundo das emoções, das relações, da magia – muitas vezes efêmera – que abraça um homem a uma mulher? Muitas vezes penso na imagem da lua que é um espetáculo maravilhoso quando e, tão somente quando, na noite escura o sol se escondeu. Ela precisa da luz solar mas não da presença do sol para sua existência irradiante!

O que me uniu ao Marcelo? Que tipo de expectativa animava meu coração, quais valores estavam ou estão envolvidos nessa relação? Tudo muito simples e muito complexo também. Lembra aquele provérbio rabínico que diz que as coisas mais profundas encontram-se na superfície, todavia necessita-se mergulhar ao fundo do mar para o descobrir!

Escrevo para você aqui do meu refúgio. A vista da enseada tranqüila me traz o sossego necessário para pensar e meditar sobre todos esses complexos temas. Quando a lua surge na linha do horizonte e o espelho negro do mar a reflete em sua plenitude, todos os humanos problemas tornam-se grãos de areia nas praias da vida!

Ocorre-me a estorinha do Barba Azul e da análise Jungiana dela que remete a falta de atenção que as mulheres costumam ter para com seus pressentimentos...Por muito tempo resisti a esse relacionamento mas ao final capitulei diante da solidão do discurso fraterno e amigo que ele tinha. Na verdade penso que a solidão nos uniu, bem como a solidariedade em tempos de adversidade. Acabamos nos unindo aos nossos sentimentos e expectativa ao invés de nos unirmos às pessoas, acho que esse é o fio de Ariadne e assim nos encontramos enrolados em nosso próprio nó!

Quanto ao Capitão Jerrez, bem isso é assunto para um outro dia , com mais vagar e uma alma mais leve e menos orvalhada!

Beijo-te e aos teus

Sh

quinta-feira, agosto 03, 2006

Em casa

Parador, Av 5766

Querida Nur,

Muito bom saber de vocês!

Uma deliciosa sensação de aconchego ouvir a voz familiar e amiga que chegou por telefone. Quando nos encontramos desterrados em terras estranhas não há nada de mais confortável que ouvir o familiar idioma de nossa terra...

É verdade que o telefone não nos deixa tanta liberdade no falar como nos permitem as cartas ou a conversa familiar, mas sempre serve para mitigar as saudades sempre tão grandes! Apareçam quando puderem!

Sim, é verdade que há uma nota diferente em minha voz. Ao menos deve ser verdade já que você foi capaz de o constatar sem que lhe dissesse nada e, fique calma, vou lhe contar tudinho, em detalhes.

Por aqui nada há de expressivamente novo: Marcelo continua ausente e a cada dia mais distante! Isola-se progressivamente em seu mutismo, sua ilha de silêncio e intransponível solidão, chego a pensar que um dia não saberá mais falar.

Assim vamos seguido: eu e os meninos e ele. Conjuntos distintos com pontos de rara interseção.

Dia desses, fazia muito calor, fechei o empório e sai para dar uma volta pela beira da praia. Desci pela alameda dos beirais – aquela dos Ipês, caso você não se lembre – pois a vista ali é especialmente bela e sempre sopra uma brisa fresca e agradável. Ia absorta em meus pensamento, o mundo gravitava em torno do meu umbigo, quando esbarrei em um homem alto e forte. Tomei um susto ainda maior ao perceber que era o comandante Jerrez.

Não sei se você se recorda dele, fomos ao seu escritório algumas vezes, logo no início do Empório, quando eu ainda fornecia coisas diversas e fui sua fornecedora de material de escritório.

Jerrez tem quase dois metros de altura e uma estatura larga. Como dizíamos em criança, é um verdadeiro armário. Justiça seja feita é um homem muito elegante e conserva seu belo porte ainda hoje.

Cumprimentei-o cortesmente sem imaginar que ele poderia lembrar-se de mim e para minha surpresa aconteceu exatamente o contrário: o comandante Jerrez parou e com um luminoso sorriso cumprimentou-me enfaticamente. Convidou-me para um hortelã aromático na taberna do Esquisito e conversamos longamente.

Conversamos, na verdade, é uma forma elegante de dizer que fui tomada por um acesso de retardamento e fiquei quase que totalmente muda. Há coisa mais besta que um acesso de adolescência em plena idade adulta? (risos).

Bem, ficamos assim, a saborear a menta aromatizada e colocar em ordem as notícias, até que o sol escorreu pela barra do horizonte.

Em casa lamentei não ter me portado de forma mais equilibrada e ter entabulado uma bela conversar! Para minha surpesa, no dia seguinte, um mensageiro trouxe um cartão em que o comandante agradecia a companhia durante o chá e protestava por uma outra oportunidade de estarmos juntos para um café.

Ainda me sinto abobalhada e feliz...Há tanto tempo que nada de novo acontece nessa minha vida!

São essas as novidades

Beije a todos por mim

Sh