É fim de tarde e uma nesga de luz escorrega pela
janela morrendo na parede branca.
No lusco-fusco, estamos confortável
e saciadamente deitados. Perfeitamente encaixada em você sinto-me protegida,
acolhida. Seu peito largo é macio e protetor. Seus braços fortes, como alavancas
torneadas, pousam com elegância e leveza sobre mim. Suas pernas fortes, elegantes como colunas jônicas, parecem poder sustentar todo o meu cansaço de ser só quando flexionadas sob as minhas. Sua mão tamborila uma canção inaudível, mas
inteligível pela minha pele. Há sossego no ar. Paz perfeita. Às vezes sua mão
deixa de tamborilar e percorre meu dorso traçando seu desenho, como se
brincasse de escorrega. Lembro de uma vez em que me apontou no espelho chamando
atenção para o meu desenho...
Por um momento é como se nunca mais fosse sentir
frio, medo ou cansaço. Queria que o tempo parasse aqui e agora, mas
dolorosamente sei que em breves instantes você se erguerá ágil e partirá sem
olhar para trás e então um longo, denso e extenuante manto de silêncio se
estenderá entre nós até que novamente sinta vontade – necessidade? – de me
procurar. Então virá como se não me houvesse desterrado, relegado ao limbo de
um esquecimento confortável e eu lhe receberei, como sempre, sorrindo, de
braços abertos.
E você não entenderá que eu esteja chateada, triste
ou que meu desempenho não seja aquele a que está acostumado. E se por um
momento eu deixar escapar o que me aflige, certamente se defenderá com os
mesmos argumentos que sempre usa, sem entender que não está olhando pelo ângulo
correto, que apenas quero um pouco, um mínimo de atenção, de rega, como uma violeta,
para poder florir.
Já não quero discutir sobre isso. Já falamos tantas
e tantas vezes e ao final sempre me curvo porque não tenho forças suficientes
para lhe dizer não. Eu que nunca abri as portas de quem sou para ninguém, o fiz
para você e agora não as sei fechar... Já me fui e você também já foi tantas vezes e
tantas vezes voltamos que não mais acreditamos nesses artifícios. Resta-me
aguardar que em algum momento você volte a ser como antes e veja em mim uma
pessoa inteira, uma mulher cujo corpo só pode reagir à altura se tiver a alma
regada!
Encho os olhos d’agua no exato instante em que você
se levanta com a frase de sempre: hora de ir! Permaneço imóvel para não
desabar. Posso ver seu rosto sorridente e satisfeito. Ouço sua voz que inquire
sobre a toalha. Respiro fundo. Respondo e visto um sorriso.
Levanto e vou em sua direção.
- Água, suco ou café?
- Café!
Saio em busca de lhe atender e no caminho penso que
o melhor de mim você está perdendo, você parece que não mais consegue me ver!
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