A
situação foi, como sempre, pitoresca!
Estou
no balcão despachando um processo e vem lá de dentro um serventuário
sorridente. Passa por mim e interrompe minha prosa de trabalho com um efusivo
boa tarde seguido de um largo sorriso. Surpresa, e, como sempre, sem graça,
abro um esboço de sorriso e retribuo a saudação.
Certamente
meu desconcerto foi evidente. Sempre é!
O
serventuário, cujo nome desconheço, para a poucos passos de mim e diz: Você não
está lembrada de mim? Estudamos juntos, dois semestres. Começamos a faculdade
juntos, turno da tarde, e depois cursamos um semestre no turno da noite,
novamente juntos.
Sorrio
mais desconcertada ainda! Não tenho a menor lembrança nem dele e nem de todas
as demais pessoas que ultimamente, de forma recorrente, me param na rua e dizem
me conhecer.
É
mais um dos paradoxos da minha vida. Mais uma das contradições porque se não
houvessem miríades de contradições não seria eu...
Sorrio
e brinco para amenizar o desconcerto de ambos – parece-me que ele tinha certeza
de eu o reconhecer: Espero que a lembrança não seja ruim, já que minha memória
é horrível e fica pior a cada dia!
Meu
interlocutor abre um sorriso iluminado e me responde: Jamais! Se lembrasse de
você de forma negativa teria passado reto. Coisas ruins devem ser ignoradas! O
elogio atravessado me pega de surpresa.
Ele
se vai. Volto aos assuntos de trabalho que findos me deixam livre para pensar
nesse e em outros inusitados encontros que à miúde tem acontecido.
Ao
que parece passei minha vida sendo mais ou menos marcante, de alguma forma,
para as pessoas que me circundavam, embora elas não tenham marcado presença em
mim. Porque, me pergunto, se eu era tão interessante ao ponto de vinte anos
depois lembrarem-se de mim, não me chamaram para um lanche, para uma conversa,
um café? Porque não trocamos telefones, não formamos grupos de estudos, nunca
me convidaram para nada, nem o mais comezinho evento social da turma? ...
Atravessei
minha vida sem me importar com dinheiro, vida social, influencia ou sucesso.
Preocupei-me apenas em ser eu, em ser leal aos meus princípios, a cuidar da
minha casa, a viver corretamente sem jamais me meter em fofocas e tanto quanto
possível não as permitir a meu respeito.
Transcorrido
bem mais que 50% dessa estrada observo que de alguma forma impactei muitas
pessoas menos a única que me interessava impactar.
Minha
inabilidade social é gritante. Não tenho muitos amigos e não sinto falta de
tê-los. Os poucos que tenho, cuido-os. São preciosos e leais. Respeitam minha
forma reservada e minha necessidade de espaço e silencio, mas reconhecem quando
preciso de colo e chegam.
Os
parceiros foram acidentes, exceto um e exatamente esse nunca consegui alcançar.
Um
fruto doce de sabor encantado, mas com uma casca impenetrável.
Nunca consegui arrancar-lhe uma única lasca. Bebi do que gotejou, do que
sobrou, debalde todo e qualquer esforço que tenha feito, nunca consegui
sequer arranhar, que dizer marcar sua casca protetora...
Contraditoriamente
foi o único que sempre me interessou marcar. Despretensiosa que sou, não sonhei
com marcas grandes. Sem trombetas ou cavalos brancos. Queria apenas ter sido
como uma cerveja gelada no final de uma tarde quente, com amigos reunidos em
volta da mesa. Como um jogo do seu time predileto, como uma prática desportiva
da qual muda-se a modalidade conforme o corpo pede, mas nunca se abandona.
Não
queria muito, só queria ter me tornado algo mais. Uma referência, um sorriso,
um habito querido, um desejo permanente, mas a minha inabilidade social é tão
grave que nunca consegui conquistar – nem mesmo convivendo amiúde – a única
pessoa que realmente me interessou!
Palmas
pra mim! Eu poderia ganhar na loto dos mais inábeis, se ela existisse, mas aí,
é claro, só para contrariar, haveria alguém ainda mais inábil que eu e,
certamente, eu perderia novamente.
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