quarta-feira, maio 03, 2017

Paralelos



 Saio da Justiça Federal em direção a Sobradinho.
Na rua, uma tarde majestosa e fresca me espera. O sol emite uma luz dourada que se insere pela folhagem das arvores pouco densas do cerrado e pousa como um beijo sobre o gramado verde. Tudo parece um grande sorriso de Deus!
Do Torto vislumbro o engarrafamento que vou enfrentar. Estende-se, visivelmente, até o Taquari. Lembro de suas palavras: Estrada de Sobradinho só até 16:30...
Quantas vezes e em quantos diferentes horários já passamos por essa estrada ao longo dos anos que nos acompanharam? Muitas e muitas e durante muito tempo associei esse recorte topográfico a momentos de muita alegria e felicidade. Era-me quase impossível passar por aqui sem sorrir, sem lembrar daquele caminho entrelaçado de arvores de onde se avista Brasília como se as arvores se abraçassem para formar um túnel.

Já tem muito tempo que não fazemos esse percurso juntos e hoje não mais o associo a alegria prazerosa das pessoas felizes, mas às nostálgicas lembranças dos antigos quando lembram tempos que se foram. De repente me sinto muito velha!
Tudo que tenho nas mãos são lembranças! Dizem que isso é a velhice: Quando os sonhos se substituem gradativamente pelas lembranças e tendemos a nos refugiar no passado porque nada mais se vê à frente... Será?
Tenho sorrir. O engarrafamento é longo e terei bastante tempo para lembranças, mas também será necessária muita atenção. Chorar não convém. Embaça os olhos, diminui os reflexos, deixa o rosto inchado e estou em horário de trabalho...E afinal, se não for capaz de sorrir ao lembrar o que passou, para que serviu ter sido feliz? Não escutei de você mesmo que tudo na vida tem começo, meio e fim? Sorrio e penso: Mas não era esse o fim que eu queria...
                  Como todos os planos que fiz na minha vida, também isso não saiu da forma como almejei. Queria assim, uma tarde dourada, uma noite fresca, uma lua linda e um mar batendo na areia da praia. Tenho a noite escura, sem estrelas, no deserto do saara...
Enquanto manejo as pistas procurando os espaços que os motoristas menos hábeis deixam vagos, penso em como toda a minha vida foi assim: Sempre procurando espaços, sem nunca conseguir encontrar um que me coubesse, acolhesse, acomodasse.
Enfim, quando já havia, exatamente como acontece agora, na altura da policia rodoviária, me acomodado a um pequeno e chato espaço na fila, abriu-se uma vaga enorme, com vista para o nascente e renasci!
Lá estava eu bem crente que seguiria minha viagem assim, até o fim. Respirei feliz e agradeci ao destino – chamemos assim para numa respeitosa metáfora – por um lugar tão privilegiado. E lá pelo meio da estrada um caminhão me fechou e jogou para o acostamento. Nem consegui ver a placa ou entender o que aconteceu, mas, certamente a vaga era muito boa para ser minha! Também agora uma caminhonete enorme pressiona meu pequeno Pálio a sair da frente e lá vou eu, deixando novamente o lugar para outro!
Que amarga que é a ressaca do doce!
Atravessado o Colorado, a estrada flui livre. Aqui em cima, há um céu bonito e pesado de nuvens espessas. Será chuva ou frio? Não sei, mas penso em frio. Não me parecem as fofas nuvens cheias d’água. Novamente volto meu pensamento para a sua lembrança – agora você é quase apenas uma recordação, como se tivesse vivido há muito tempo – gostaria tanto que estivéssemos vendo toda essa beleza juntos! Talvez soubesse me falar algo sobre as nuvens e possivelmente teria um ou outro nome feio para elas. Existem tantos talvez, tantas coisas que gostaria de ter feito com você e todas elas ficaram no mundo das ideias, embora tivesse sido bem simples realiza-las!
Entro em Sobradinho e vou olhando o sol que se derrama sobre o gramado. Há um laivo rosa avermelhado no céu: fará frio a noite!
Quando eu voltar  estará tudo escuro. É a vida que se repete no cotidiano. 

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