sábado, janeiro 04, 2020

Pour toujours le vôtre ou uma alegria triste

Gardez moi simplement
Sans parler, sans penser
Sans pleurer pour toujors
(Grandez Moi Simplement - Sylvia Telles)

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                              Recordo-me com exatidão da primeira vez que o vi!
                        O soco no estômago que senti, a admiração profunda pelo seu terno azul impecável, os ombros largos, a camisa de um branco alvíssimo. A majestade de um príncipe, a voz tonitruante e minha completa paralisia diante dele... A crise de idiotice de que fui tomada naquele dia, repetiu-se, e se repetirá sempre, todas as vezes em que estive em sua presença.
                        Recordo-me da primeira vez que saímos juntos: Não era, e nem pretendia ser, um encontro entre um homem e uma mulher. Eram dois velhos colegas de trabalho reunidos para um almoço.... Misteriosamente meus braços tornaram-se maiores que meu corpo, eu estava desconexa, como nunca fui em toda a minha vida. Derrubei comida no chão, quase virei o copo de suco, e não disse uma só palavra com nexo. Sequer consegui articular uma conversa inteligente, mas, ao chegar em casa, havia uma delicada mensagem agradecendo pelo almoço e perguntando se eu estava bem...O sorriso bobo que se abriu no meu rosto durou muitos dias, enquanto uma suave sensação de graça tomou conta de todo o meu corpo.
                        Tanta água passou por baixo da ponte até acontecer o nosso primeiro encontro e lá estava eu, ansiosa e com medo de errar. Como se erra em um encontro? Até hoje não sei responder essa pergunta, mas lembro do terror que me congelou quando descobri que a piscina a que nos dirigíamos não era exatamente a do clube... E agora? O que fazer? Um vulcão, um terremoto dentro de mim e não sei de onde apareceu aquela força suave que me inspirou e conduziu... E lá estava eu fazendo algo que jamais havia feito antes – e ouvindo depois, muitas e muitas vezes, que fora perfeito - ... E o medo da vulgaridade - que jamais chegou a se aproximar de nós dois durante o oitavo de século que nos uniu – desapareceu lentamente...
                        O medo sempre constante de não haver uma segunda, terceira, quarta, n vez. A tranquila segurança dos seus braços fortes, a alegria do seu sorriso luminoso, a certeza do seu conselho equilibrado. A primeira desavença e o seu olhar gélido me penetrando a coluna, partindo minha alma em duas, enchendo meus olhos de lágrimas sentidas. O desespero de me sentir perdida e sem saber o que fazer, como reagir... O medo de lhe perder, convertido hoje no desespero resignado de lhe ter perdido... O mesmo desnorteamento que sinto hoje, senti naquele dia!
              A alegria da sua volta – que durou uma eternidade – mas que chegou como a primavera chega aos campos gelados  trazendo renovo de vida...
        Todas estas lembranças são vívidas como se tivessem acontecido ontem, tudo enleva e dói, da mesma forma pungente, exigente, total.
        Na segurança do seu carinho eu cresci e floresci e me espalhei e cri que havia criado raízes!
                        O medo nunca desapareceu. As vezes colocava seu rosto feio na janela, mas seu sorriso franco e ensolarado afastava esse espectro terrível e eu voltava a sorrir.
                        Como posso esquecer que podia conversar sobre absolutamente tudo com você? Como me olvidar a absoluta segurança em me expor, em sentir, em perguntar? De sexo a política, passando por religião ou filosofia, que assunto não conversarmos? Era uma clareira de luz, poesia e encantamento.
                        Impulsionada por você, estudei mais, me aperfeiçoei, batalhei e venci muitas vezes e minha recompensa maior era seu sorriso orgulhoso. Era ouvir você dizer em qualquer contexto minha advogada e notar seus olhos brilhando e aquele sorriso, que poucas pessoas percebem, pendurado no canto dos seus olhos.... Esse era o melhor dos honorários!
                         Os amigos que diziam que a forma como você pronunciava minha advogada fazia com que qualquer um quisesse ter uma advogada, quisesse me ter por advogada.... Nada, nenhum prazer poderia ser suplantado por isso. Nenhum elogio melhor que esse. Era o meu pagamento perfeito, irretocável, melhor que milhões em alvarás, melhor que uma aliança, muito superior a um sobrenome porque me parecia real, você em essência. Único reduto do Universo exclusivamente meu e seu. Não precisava de público, não precisava ninguém saber...
                        A segurança do seu abraço e o calor do seu olhar, a luz do seu sorriso e o medo de um dia não ter nada mais disso caminharam ao meu lado durante todos estes anos, mas o medo foi ficando muito tênue a medida em que você me alimentava com uma confiança – que sempre li como lealdade – renovada a cada dia.
                        Até hoje não entendo como foi que um dia você se foi para voltar e nunca mais voltou e quando voltou apenas chegou, sentou e escutou, mas não ouviu, não explicou e não me acolheu, apenas foi embora sem olhar para tras... E hoje meu mundo é diferente e minha alegria é triste porque sem você nenhuma cor existe!
                        Não há abraços como o seu e nem sorriso que persista. Não há conversas ou canto coral, não há confidencias e nem ninguém maior e mais poderoso que eu a quem recorrer quando estou com medo. Ninguém capaz de segurar a pipa para ela voar, de apoiar o compasso para ele traçar o circulo perfeito que vai da morte a vida infinitamente.
                        Meus dedos miúdos tocaram, com suas pontas, as estrelas, grãos de eternidade, mas todo meu ser foi abruptamente precipitado no sétimo inferno onde nem luz e nem cor penetram.
                        Perdida no meio do nada, os abraços são nós que apertam e não laços que unem e no escuro que sua ausência me deixou, nunca mais vai haver outro sol, apenas a chuva contínua que corre pelo meu olhar...
Brasília, 04 de janeiro de 2020





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