Gardez moi simplement
Sans parler, sans penser
Sans pleurer pour toujors
(Grandez Moi Simplement
- Sylvia Telles)
Recordo-me com exatidão
da primeira vez que o vi!
O soco no estômago que
senti, a admiração profunda pelo seu terno azul impecável, os ombros largos, a
camisa de um branco alvíssimo. A majestade de um príncipe, a voz tonitruante e
minha completa paralisia diante dele... A crise de idiotice de que fui tomada
naquele dia, repetiu-se, e se repetirá sempre, todas as vezes em que estive em
sua presença.
Recordo-me da primeira
vez que saímos juntos: Não era, e nem pretendia ser, um encontro entre um homem
e uma mulher. Eram dois velhos colegas de trabalho reunidos para um almoço....
Misteriosamente meus braços tornaram-se maiores que meu corpo, eu estava
desconexa, como nunca fui em toda a minha vida. Derrubei comida no chão, quase
virei o copo de suco, e não disse uma só palavra com nexo. Sequer consegui
articular uma conversa inteligente, mas, ao chegar em casa, havia uma delicada
mensagem agradecendo pelo almoço e perguntando se eu estava bem...O sorriso
bobo que se abriu no meu rosto durou muitos dias, enquanto uma suave sensação
de graça tomou conta de todo o meu corpo.
Tanta água passou por
baixo da ponte até acontecer o nosso primeiro encontro e lá estava eu, ansiosa
e com medo de errar. Como se erra em um encontro? Até hoje não sei responder
essa pergunta, mas lembro do terror que me congelou quando descobri que a
piscina a que nos dirigíamos não era exatamente a do clube... E agora? O que
fazer? Um vulcão, um terremoto dentro de mim e não sei de onde apareceu aquela
força suave que me inspirou e conduziu... E lá estava eu fazendo algo que
jamais havia feito antes – e ouvindo depois, muitas e muitas vezes, que fora
perfeito - ... E o medo da vulgaridade - que jamais chegou a se aproximar de
nós dois durante o oitavo de século que nos uniu – desapareceu lentamente...
O medo sempre constante
de não haver uma segunda, terceira, quarta, n
vez. A tranquila segurança dos seus braços fortes, a alegria do seu sorriso
luminoso, a certeza do seu conselho equilibrado. A primeira desavença e o seu
olhar gélido me penetrando a coluna, partindo minha alma em duas, enchendo meus
olhos de lágrimas sentidas. O desespero de me sentir perdida e sem saber o que
fazer, como reagir... O medo de lhe perder, convertido hoje no desespero
resignado de lhe ter perdido... O mesmo desnorteamento que sinto hoje, senti
naquele dia!
A alegria da sua volta –
que durou uma eternidade – mas que chegou como a primavera chega aos campos
gelados trazendo renovo de vida...
Todas estas lembranças
são vívidas como se tivessem acontecido ontem, tudo enleva e dói, da mesma
forma pungente, exigente, total.
Na segurança do seu
carinho eu cresci e floresci e me espalhei e cri que havia criado raízes!
O medo nunca
desapareceu. As vezes colocava seu rosto feio na janela, mas seu sorriso franco
e ensolarado afastava esse espectro terrível e eu voltava a sorrir.
Como posso esquecer que
podia conversar sobre absolutamente tudo com você? Como me olvidar a absoluta
segurança em me expor, em sentir, em perguntar? De sexo a política, passando
por religião ou filosofia, que assunto não conversarmos? Era uma clareira de
luz, poesia e encantamento.
Impulsionada
por você, estudei mais, me aperfeiçoei, batalhei e venci muitas vezes e minha
recompensa maior era seu sorriso orgulhoso. Era ouvir você dizer em qualquer
contexto minha advogada e notar seus
olhos brilhando e aquele sorriso, que poucas pessoas percebem, pendurado no
canto dos seus olhos.... Esse era o melhor dos honorários!
Os amigos que diziam que a forma como você
pronunciava minha advogada fazia com
que qualquer um quisesse ter uma advogada, quisesse me ter por advogada....
Nada, nenhum prazer poderia ser suplantado por isso. Nenhum elogio melhor que
esse. Era o meu pagamento perfeito, irretocável, melhor que milhões em alvarás,
melhor que uma aliança, muito superior a um sobrenome porque me parecia real,
você em essência. Único reduto do Universo exclusivamente meu e seu. Não
precisava de público, não precisava ninguém saber...
A segurança do seu
abraço e o calor do seu olhar, a luz do seu sorriso e o medo de um dia não ter
nada mais disso caminharam ao meu lado durante todos estes anos, mas o medo foi
ficando muito tênue a medida em que você me alimentava com uma confiança – que
sempre li como lealdade – renovada a cada dia.
Até hoje não entendo
como foi que um dia você se foi para voltar e nunca mais voltou e quando voltou
apenas chegou, sentou e escutou, mas não ouviu, não explicou e não me acolheu,
apenas foi embora sem olhar para tras... E hoje meu mundo é diferente e minha
alegria é triste porque sem você nenhuma cor existe!
Não há abraços como o
seu e nem sorriso que persista. Não há conversas ou canto coral, não há
confidencias e nem ninguém maior e mais poderoso que eu a quem recorrer quando
estou com medo. Ninguém capaz de segurar a pipa para ela voar, de apoiar o
compasso para ele traçar o circulo perfeito que vai da morte a vida
infinitamente.
Meus dedos miúdos tocaram,
com suas pontas, as estrelas, grãos de eternidade, mas todo meu ser foi
abruptamente precipitado no sétimo inferno onde nem luz e nem cor penetram.
Perdida no meio do nada,
os abraços são nós que apertam e não laços que unem e no escuro que sua
ausência me deixou, nunca mais vai haver outro sol, apenas a chuva contínua que
corre pelo meu olhar...
Brasília, 04 de janeiro de 2020
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