segunda-feira, dezembro 31, 2007

Icaro

Recordo-me perfeitamente do dia em que conheci Ícaro. Minha vida estava de ponta cabeça e nada fazia sentido com nada. Saí a esmo, como todas as noites, espiando aqui e ali, procurando uma alma inteligente disposta a dar-me alguns minutos de atenção numa conversa medianamente saudável. Muito embora minhas emoções estivesse desordenadas, meu cérebro permanecia íntegro e como tal minha curiosidade. Aventurei-me diversas vezes por ambientes novos, onde nunca havia estado e onde nunca mais voltei depois daquele dia. Espiei por varias janelas sem saber ao certo o que procurava, hoje sei que procurava Ícaro e sua inteligência brilhante, suas respostas rápidas, sua atenção solícita. Numa destas janelas em que me plantei a olhar o tempo, foi que o encontrei. Começamos a conversar despretensiosamente, quase a saber o que um e outro fazia ali.Não nos parecia que fosse o nosso ambiente e assim a conversa foi evoluindo e nos envolvendo e nos fomos tornando íntimos, amigos, trocando informações cada vez mais pessoais até que – perdida entre os ponteiros do relógio – tive que jogar meu endereço no ar e, como uma bailarina encantada, dar uma pirueta e sair de cena. Antes, agarrei , sem muita certeza, sua direção. Dia seguinte eu aguardavam-me compromissos de alta responsabilidade, mas meu último pensamento foi dele, assim como o primeiro do dia e o próximo logo após : queria falar-lhe, contar-lhe como foi, dividir, compartilhar! E assim os dias foram transcorrendo com nosso envolvimento maior a cada dia. Encontrávamos-nos furtivamente, entre um e outro café, fazíamos janelas nas escalas de trabalho e embora não houvesse uma presença física, real, foi a pessoa com quem mais compartilhei em toda a minha vida e que esteve, efetivamente, mais presente no meu cotidiano. Fiz planos que, hoje sei, não conseguiria jamais concretizar. Foram muitos os sonhos, mas eram apenas sonhos e como tal dissolveram-se no ar, embora algumas idéias ainda permaneçam. Em meados de novembro, sem mais nem menos, Ícaro enviou-me uma carta lacônica. Era imperioso que nos afastássemos para sempre. Havia pensado, discutido nossa situação com alguns amigos, e chegara a conclusão que nosso envolvimento era prejudicial a sua vida. Fiquei atônita. Busquei razões e não as encontrei. As interrogações cresceram, floresceram e morreram sem encontrar substrato. Não havia resposta para as minhas perguntas. Nada mais deveria existir, nem mesmo uma amizade, uma camaradagem. Perdi o rumo e fui salva, mais uma vez, pelo mesmo método. Anos antes, havia reencontrado um velho amigo, Jerrez, com quem restabeleci uma fraterna relação que aos poucos tomou um outro contorno. Eu e ele sofríamos de um mesmo mal, o qual apelidei de solidão dos fortes, e da solidariedade mútua surgiu uma relação também física onde buscávamos aplacar a sensação de sermos seres únicos, sem um par, nesse mundo dual. Por breves instantes nos sentíamos completos, acolhidos e entendidos e isso nos recarregava para a faina cotidiana. Ainda hoje participamos desse mesmo programa embora com contorno, agora, diversos. Seu abraço forte é o melhor esconderijo que alguém pode ter quando o mundo desaba e tudo que se enxerga a volta é o próprio caos das perguntas que não possuem resposta possível. Voltei à terapia. Se minha era, anteriormente, um grande quebra-cabeça desmontado, agora se rasgara a caixa e as peças voavam aleatoriamente pelo espaço infinito do Universo. Saí do emprego que já me sufocava, viajei em férias, ocupei-me de outras coisas, mas não o esquecia. Todavia, respeitei seu espaço e decisão e aos poucos fui acostumando - me a não ter com quem compartilhar, dividir, brincar... E meu porto seguro tornou-se, a cada dia, mais seguro. Na terapia evoluía lentamente. Não é fácil recolher mais de um milhão de peças soltas pela imensidão do nada...Um dia, discutindo minha relação com Ícaro e a dor que sua ausência me causara, utilizei-me de uma expressão que foi fundamental para o deslinde da situação: “Os braços fortes de Jerrez salvaram-me mais uma vez!, por quê?” Questionada fui por não haver utilizado outro verbo: porque não me saciou, aconchegou-me...porque me salvou?Estaria eu em perigo? Estaria fazendo algo que não me sentia preparada? Seria Ícaro uma fuga? Chegamos a conclusão que admirava em Ícaro, tal qual Narciso, o reflexo de mim mesma ... As peças foram se juntando pouco-a-pouco e tudo foi se acalmando. Colei a caixa deixando dentro algumas peças ainda sem montar – permanecem assim e creio que ainda vão ficar por lá algum tempo! Certo dia o telefone tocou e, ao atender, surpreendi-me que fosse Ícaro. Havia repensado e chegara a conclusão de que sua decisão não fora acertada. Conversamos, mas, agora , entendia todos os mecanismos da nossa relação. Delimitara o tema longamente e permaneci assim. Dizem os filósofos gregos que o amor se divide em três categorias, com gradações diversas: ágape – o amor transcendente, Eros – o amor físico e Phileos – o amor aos semelhantes. Ícaro é Phileos, é o reconhecimento das semelhanças entre duas almas, a perfeita identidade espiritual entre seres sem que haja a necessidade de uma aproximação física. Entendo suas batalhas, embora não compreenda algumas de suas reações, sei que me entende também, podemos nos apoiar e nos amar desta forma tão afastada de todo e qualquer outro impedimento, desta forma maravilhosa que o tempo não tem o condão de estragar e que os anos só fazem apurar a qualidade... Somo almas gêmeas no melhor sentido da expressão!

sábado, dezembro 15, 2007

Nada mais que refletir

Drª, boa noite!

Aqui estou a cumprir o prometido.Nada há que resguardar, uma vez que lhe permiti ler os escritos. Se a pagina é minha,pessoal, receptáculo das minhas reflexões – caso as possamos chamar assim – e se, ainda assim, lhe franqueei o acesso a ela é porque lhe permiti, tacitamente, fazer perguntas as quais deveria , por honestidade, responder-lhe.

Pedi-lhe um tempo para concatenar as idéias, verdade seja dita, porque falar de mim ou de minha circunscrição emocional é algo extremamente difícil,ainda que seja pela falta de hábito.

Poderia lhe dizer que o Jerez (ou Fino) é um vinho seco, um clássico produto espanhol, com um toque salgado, excelente para se tomar como aperitivo ou na companhia de frutos do mar, referindo-se ao qual Willian Shakespeare disse: Se eu tivesse mil filhos, o primeiro princípio humano que lhes ensinaria seria fazê-los abjurar das bebidas insípidas e se dedicarem ao Jerez"( Henrique IV, parte 2) ou, ainda, poderia lhe dizer que Jerez é uma região da Espanha onde o solo é marcado pela forte presença do calcário, numa forma apenas encontrada ali: a albariza, um tipo de carbonato de cálcio com estrutura esponjosa e profunda. A importância do solo é tão grande que há todo um vocabulário para designar os diferentes formatos das pedras bem como suas diferentes composições, por exemplo as lentejuelas são pedras soltinhas e misturadas com barro ou pelirones que são pedregulhos maiores. A região compreende um triângulo formado por três cidades: Jerez de la Frontera, Puerto de Santamaría e Sanlúcar de Barrameda, no sul da Espanha. As três cidades são banhadas por ventos cheios de maresia, vindos do sul e do sudoeste, que temperam (quase literalmente) suas terras e levam umidade suficiente para manter suas uvas frescas nas noites do quente verão. Estas mesmas brisas serão responsáveis pela formação dos microorganismos que formam a "flor" encontrada na elaboração do Fino.

Não teria, de todo, me esquivado de responder, mas, certamente, estaria fazendo pouco dos seus neurônios que, quando assim desejam, são turbinadíssimos! (risos),afinal quem escreveria cartas a uma região do mediterrâneo, verdade?

Jerez é o nome que escolhi , por analogia de qualidade, para designar uma pessoa que conheço há muitos anos.Acredito chegue perto de 17 anos o tempo transcorrido desde que nos vimos pela primeira vez. Então eu era uma menina assustada, embora igualmente altiva – para usar uma expressão do próprio a meu respeito – no alto dos meus 27 anos. Jamais vou esquecer a primeira vez que o vi: usava um terno azul marinho e uma camisa tão alva que por alguns momentos feriu-me os olhos! Tão pouco esquecerei a sensação de pânico, o frio no estômago, sentida no momento em que primeiro lhe escutei a voz...Naquela época, doce inocência, acreditei que sentia medo, um estranho e inexplicável medo, daquele homem, daquela beleza rara para qual jamais tive coragem de levantar os olhos, sequer imaginar-me capaz de tocar-lhe um dia!

Na verdade o meu primeiro pensamento foi o de sair correndo em disparada rumo à porta para não mais voltar, mas havia sido recomendada para trabalhar com ele e igualmente recebera excelentes referências a seu , dele, respeito, pelo quê dominei meus instintos de fuga e fiquei.

Não saberia ao certo, teria que consultar minha CTPS e não creio que seja necessário, por quanto tempo trabalhei com ele, mas sei que só quando ele mudou de setor foi que igualmente me transferi, nesse caso por questões políticas internas da empresa. Eu era um bom cabo de guerra entre duas de suas asseclas, embora,tenha absoluta certeza, do seu desconhecimento sobre o fato.

Durante esse tempo em que trabalhamos juntos, vi e ouvi inúmeras mulheres babarem por ele, brigarem por ele, digladiarem-se por sua atenção, forjando todo tipo de situação para lhe arrebatar um olhar, mulheres de todas as idades e posições na empresa, mulheres de todos os estados civis.Eu era, então, apenas uma menina assustada no meio daquele vespeiro, mas ele foi mais meu amigo que qualquer outra pessoa quando precisei de um!

Não,certamente não falo de amigo que ouve suas confidências, mas de alguém pronto a lhe acolher como você é, a acreditar e aconselhar você com uma sensibilidade incomum, mesmo não sabendo exatamente qual é o problema pelo qual você está passando. Ainda tenho um folheto que ele me deu, à época, recomendando que entregasse os meus problemas nas mãos de Deus! A cena é tão nítida na minha memória que poderia ter acontecido ontem, ao por-do-sol!

A vida seguiu seu curso, o tempo correu inexorável, e nos perdemos de vista, o que não significa que o tenha apagado da memória. É uma das poucas lembranças ternas que tenho deste período tão conturbado da minha vida! (como se em algum momento minha vida tivesse sido serena! risos...).

Há uns dois anos, eu era estagiária na Defensoria Pública da União, recebi de um colega comum um e-mail desses que enviam com todos os endereços em aberto. No corpo do e-mail o colega fazia menção ao fato desta pessoa, a quem chamei de Jerez, haver perdido uma filha recentemente. A notícia tocou-me profundamente pois me recordava perfeitamente do quanto era devotado aos filhos. Momento seguinte, mandei-lhe um e-mail cordial de carinhosa solidariedade.

Começamos a conversar, restaurando um diálogo gostoso mas bem despretensioso, ao menos de minha parte. Reativamos memórias antigas, trocamos fotos e, por incrível que pareça, ele mandou uma foto em muito similar a imagem que tenho indelével: terno escuro, camisa branca, um olhar maroto de quem sabe algo que os demais desconhecem...Sorri vendo diante de mim uma imagem tão familiar, tão preservada pelo tempo quanto pelas lembranças. Dias após ligou-me na Defensoria e nos falamos, assim como sem jeito – certamente, pensei – pelo longo tempo em que não nos víamos. Desta vez reconheci imediatamente o aperto no estômago, o tremor do corpo, o frio nas mãos: absolutamente não era medo!

Combinamos de ir almoçar e , acredite se quiser, tive o maior dos surtos de loirice que se pode imaginar uma pessoa ter.Minhas sinapses ficaram circulares, completamente, se é que consegui realizar alguma sinapse! Não sabia o que conversar, não sabia onde por as mãos, os olhos, o prato, enfim, não cabia em mim e nem ali: queria sair correndo, me esconder debaixo da primeira mesa, cama, cadeira...Sumir! Senti-me a mais idiota das pessoas, suando frio, abobalhada, com braços e pernas muito maiores que o normal.Fiasco total,ou como a drª gosta de chamar, um King Kong fenomenal.

Para minha surpresa, os e-mails,como eu esperava depois de tanto mico, não cessaram, ao contrário recebi vários elogios e galanteios que perduraram até o ultimo momento que nos vimos e que não faz lá todo esse tempo.

Foi um dos encontros mais maravilhosos e o maior de todos os presentes que os céus me deram. Uma verdadeira marquise onde pude me abrigar dos vendavais que assolaram meu território no ultimo ano! Sua força silenciosa e terna, seu carinho austero, seu sorriso suspenso e sempre enigmático cativaram-me ainda mais do que eu já era, mas também me deram força para seguir adiante, incentivo para tornar-me melhor como pessoa e como profissional.

Se me consideram encrenqueira e destemida, até mesmo ousada, JAMAIS tive coragem de levar-lhe a voz, de contradizer-lhe, recebendo com atenção,e, não poucas vezes, lágrimas contidas, as admoestações que me fez. Senti sempre em suas palavras o desejo sincero de extrair de mim o que poderia haver de melhor e a justa compreensão do momento.

Assim foi que tive a oportunidade, nunca imaginada, de apreciar esse finíssimo vinho espanhol, cujo buquê perfeito espalha-se por 1,84 ou 87 – não sei ao certo – da mais bela estrutura física que jamais contemplei. Um sorriso inenarrável, cabelos tão finos e macios quanto os de um bebê e uma voz tronante, soman-se a um toque tão leve que mais se parece a brisa do mar quando nos despenteia os cabelos...Não saberia dizer –lhe mais sobre quem seja Jerez a não ser que é o mesmo moço da motocicleta, aquele que me atropelou com sua beleza num final de tarde corriqueiro.

Antes que me pergunte qualquer outra coisa, digo-lhe que nas curvas da vida, cheguei atrasada uns quarenta anos, mais ou menos, razão pela qual tudo que me cabe é tão somente uma prova desse finíssimo vinho sem almejar possuir a garrafa ou mesmo a vinícola. Acredito, mesmo, que no presente momento nem mesmo a prova me será ainda franqueada...

Alonguei-me por demais Drª, desculpe-me. Isso não é uma resposta a uma pergunta, mas um verdadeiro artigo acadêmico, muito embora não tenha cumprido com as suas tão queridas regras ABNT...Não gosto das regras, ela me roubam tudo que mais gosto...

No aguardo de suas considerações, fraterno beijo

TH

sábado, dezembro 08, 2007

20nov2007





" Aprendi com as primaveras a me deixar podar...E voltar sempre inteira"
Cecília Meireles





É, Jerez, haveria tanta coisa a ser dita que não acabaria mais,então prefiro silenciar esperando que o tempo possa ter a eloqüência que me foi negada pelo vazio que repentinamente se instalou em mim.
Tenho muito a agradecer pela muitas bênçãos recebidas e uma delas, a mais preciosa delas, a sua presença em minha vida – ainda que de uma forma furtiva, passageira – com todas as novas cores que me apresentou.
Se é verdade que as noites serão bem mais frias e as semanas mais longas sem a sua presença física, também é verdade que a recordação de tantos momentos luminosos me assegurarão a tepidez necessária para não morrer de frio durante a nova hibernação.
Não, não vou esquecer o brilho dos seus olhos,como pontas de estrelas, olhando dentro dos meus, ou seu rosto emoldurado entre as conchas de minhas mãos, como se houvessem sidos feitos um para o outro: rosto e mãos.
Assim vou juntando pedacinhos tão bons, cores brilhantes de um tempo tão encantando como uma barra de chocolate que desmancha na boca deixando seu cheiro impregnado no hálito de quem a degustou,lembranças de Avalon antes que o tempo do mundo cerrasse as cortinas para sempre, e vou colando fotos no álbum dos sentires.
Sem magoas, sem dores para não embaçar as cores, sigo agradecendo por sua existência, por ter do que me lembrar, por ter conhecido a luz e a haver tatuado em mim como uma marca que nunca sairá ainda que o tempo e a distancia a desvaneçam paulatinamente.
Se é verdade que a garra da tristeza vem me visitar e enche os meus olhos com as gotas da saudade, também é certo que o brilho da espuma, o calor do abraço, a força terna e a lembrança de uma envergadura capaz de me abrigar inteira correm ao meu socorro e sorrio lembrando de tantos sucos e chocolates, de tantos sorrisos e abraços e novamente é sol e não estou mais só porque você faz parte de mim...Canto baixinho a mesma canção que na rua diz: “Eu, não vim aqui para entender ou explicar ou pedir nada para mim...vim pelo que sei e pelo que sei você gosta de mim é por isso que vim!...”

segunda-feira, novembro 12, 2007

Mais noticias - sobre um sonho.

04 cheshvan 5768 Parador
Jerrez,

São os teus lábios que abrem o portal mágico e suspendem a barra do tempo.

Mergulhamos na Terra das Fadas, nossa Avalon, o mundo perdido de magia e ternura que vibra em outra dimensão.

Aqui dentro, sentado a beira do riacho que assobia a musica das almas, o tempo pára sua corrida insana para nos apreciar .

Lá fora, as pessoas correm apressadas sem dar-se conta dos flamboyans em flor que engalanam a cidade, dos ipês em sua riqueza e do perfume que exala a dama da noite. Todos correm apressados não sabem de onde, tão pouco para onde. Cá dentro, apenas nós e o tempo parado em corredeiras de prazer e carinho.

Mergulho nos seus olhos profundos, mergulhas nas entranhas do meu ser, e teus cabelos em desalinho conformam-se perfeitamente nas conchas de minhas mãos.

Teus olhos e o céu do verão. Abismal profundidade, misteriosa e encantadora escuridão. Sorriso suspenso como as águas de abril!

Teu corpo contra o meu. Aríete poderoso quebrando uma gélida superfície, desenterrando o fogo por tanto tempo adormecido, arremetendo sucessivamente com carinhoso vigor.

Teus braços no enlace sagrado construindo muralhas de proteção, contenção das marés voluptuosas das minhas vontades, segurança sempre sonhada, jamais alcançada.

Ondas crescentes de prazer extremo e teus olhos mergulhados nos meus – mesmo não os vendo – meu rosto escondido no teu peito, teu cheiro embriagador conduzindo-me em valsa alucinada – meu braços tentando reter a tua força no mergulho final onde somos um quando a maré estronda deixando livres as sementes, fagulhas de tua força viril.

Nossos corpos cansados e o descanso do teu abraço. Dedos que percorrem gentis as costas nuas, teclas imaginárias de um piano vertebral. Teu gosto na minha boca e teu rosto no fundo das retinas. Teu cheiro na minha pele e o corpo leve como se feito de nuvens.

A alma desliza pelo arco-íris refrigerando a vida que necessita seguir adiante.

Cronos suspende seu descanso...

A realidade toma-me pelos cabelos. Sorrio, na minha pele seu cheiro é uma tatuagem permanente que embalará meus sonhos até que nos encontremos novamente!

segunda-feira, outubro 15, 2007

Sonho



Tishrei 5767

Quem pode dizer aonde vai a estrada ?
Para onde vão os dias? Só o tempo...
(Only Time -Enya)


Fecho os olhos buscando conciliar o sono reparador de um dia agitado. O vento chega pela janela e brinca com meus cabelos, percorre o meu corpo, agita, levemente, a barra do lençol parecendo querer imitar a doçura dos seus dedos quando tocam minha pele como se fosse cordas de uma delicada harpa.
Na sua ausência, abraço o travesseiro procurando no contato das plumas o doce carinho da sua pele. Respiro profundo buscando no ar o seu cheiro. Escorrego para o mundo dos sonhos e para lá de todas as fronteiras damos-nos as mãos alegremente.
Num espaço onde não há proibições ou limites para todas as formas de querer, somos alegremente livres enquanto as paisagens matizadas em amarelos, lilases e brancos se sucedem com o vento acariciando nosso rosto trazendo o cheiro das rosas silvestres, cheiro de primavera.
Acompanho atenta o traço que seus dedos traçam no ar, em direção ao céu, mostrando-me algo, descrevendo um fenômeno qualquer que já não me lembro o que era para encontrar-me, a seguir, encaixada entre seus joelhos partilhando um sanduíche,um suco, um beijo.
Do alto, onde a roda gigante parou, a cidade é linda com seus milhares de olhos luminosos, estrelas terrestres que os homens acendem para não esquecer que pode existir um paraíso de claridade e harmonia. Faz frio e seu abraço me puxa para perto, me aquece enquanto sorrio, moleca, a lambuzar-me com um róseo algodão doce.
O carrossel e sua música mágica, o perfume das flores, os carrinhos bate-bate e novamente o ar da noite a nos brindar com seu perfume e frescor enquanto a lua ilumina a estrada, as ruas, o seu rosto que não vejo mas imagino sorrir, divertindo-se ao me observar tão criança na felicidade de sua companhia...Assim é, a felicidade exige que nos tornemos crianças e brinquemos com bolhas de sabão pois deste material é ela feita: contas de contar lembranças!
Abraço seu tronco firmemente, aconchego-me a você sentido seu calor quando os primeiros raios do sol, suavemente, tocam minha retina.
Acordo com os olhos marejados de saudades!

domingo, outubro 14, 2007

15 Tishrei 5767

"Creio que foi o sorriso, sorriso foi quem abriu a porta. Era um sorriso com muita luz lá dentro, apetecia entrar nele, tirar a roupa, ficar nu dentro daquele sorriso. Correr, navegar, morrer naquele sorriso."

(Eugênio de Andrade)

O calor está insuportável, decido tomar um banho para ver se melhora. Minha imagem refletida no espelho abre uma janela no tempo e cola sua lembrança, como se me olhasse refletida nos seus olhos.

Sorrio à lembrança da confissão de que o encabulo. Como posso encabular você? Logo eu que me dispo a sua frente sem qualquer tipo de pudor! Mostro-me inteira, numa infinidade de nuances que fazem de mim criança e mulher, doce e voluntariosa – rebelde, como você diz, convicta como me entendo ser – brincando com a espuma ou me perdendo na imensidão aconchegante do seu abraço. Sou eu, apenas eu, frágil como uma libélula pousada na sua mão, necessitando tão somente ser aquecida pela intensidade do seu olhar.

Como pode a verdade ser constrangedora? A verdade é apenas a verdade e a beleza que vejo em você não se restringe às colunas jônicas a que chamas, modestamente, pernas ou ao talhe que em nada desmerece uma estátua renascentista. Tão pouco me refiro aos olhos vivazes, buliçosos, sempre em observação ou ao sorriso escondido nas extremidades dos lábios cerrados. É tudo isso, mas é muito mais...

Sua beleza, cariño, é tudo isso, mas é muito mais e este mais não é só a sua elegância ao andar; ao vestir, com a mesma majestade, um jeans ou um terno; não está só na forma correta e discreta de falar ou no som de trovão que desce macio pelos seus lábios. Sua beleza vai além, além da forma firme e doce como me repreende, me acarinha, me denga; vai além do desejo com o qual se apresenta para o banquete dos corpos e da ternura com que me recebe em seu colo, abraçando-me e sorrindo como fazemos quando observamos crianças brincando; sua beleza é muito mais que isso e tudo isso também.

Nada tão belo quanto o seu abraço que se desmancha num sussurro de prazer para recompor-se no aconchego que tanto aprecio e onde observo seu rosto sereno, olhos fechados, emergindo, lentamente, do êxtase em que mergulhamos.

Entende o que quero lhe dizer? Alcança a dimensão da sua beleza? Vai além do que Michelângelo conseguiria entalhar no Carrara, pois ultrapassa a beleza helênica com que desenharam seu rosto; vai além de tudo para ser você , sua essência, sua natureza.

E tentar definir tudo isso é como tentar descrever o mar para quem nunca o viu: assustadora, magicamente belo, indescritível pois como diria o aviador do Pequeno Príncipe:

“ ...quer se trate das casas, das estrelas ou do deserto, o que lhes empresta beleza é invisível, pois o essencial é invisível aos olhos!...”

ou

“... e eu me pergunto: haverá algo de assim tão errado em se procurar a beleza no que não se vê? Se não, então porque continuarão as pessoas sempre em busca dela só no que os olhos captam?”(SmallHeaven blogspot .com – Lisboa, Portugal)

Sua beleza? É tudo isso e muito, muito mais!

Sonhei acordada

11 Tishrei 5767

Nossa, fui atropelada por uma moto com o homem mais lindo que já vi! Será efeito dos novos óculos? Se for, realmente eu estava precisando deles, mas não é,não, fui atropelada mesmo e ainda agora, recostada no vão da janela, a pele arrepia só de lembrar!

Estou na mesma varanda de sempre, a sentir o vento no rosto, observando o mar longinquamente, sentindo o cheiro da vida e catalogado as boas coisas, contando as bênçãos que recebo, admirando, extasiada, a maior delas que é a sua presença na minha vida!

Você chegou de jeans, o rosto lindo escondido pelo capacete que deixou a mostra apenas e tão somente estes olhos que falam mais que mil palavras juntas e sintaticamente ordenadas; o corpo firme, bem torneado, exarando toda o charme másculo que possui, através do jeans; os pés perfeitos encobertos pelo tênis; a moto elegante, seu nome de guerra em vermelho para contrastar com a carenagem branca, com os detalhes pretos...Cores que revelam sua essência de paz, sabedoria e muita energia! Eu ali, parada, a querer arrancar cada uma daquelas proteções que lhe mantinham afastado do meu toque, do meu olhar, embora completamente envolto pelo meu querer que explodiu como um objeto submetido a pressões extremas...

Seus olhos sorridentes entregando-me o mimo, pedindo desculpas incabíveis – era eu quem tinha que me desculpar por fazer pedidos tão extravagantes, por lhe incomodar, por perturbar a sua rotina, por lançar os olhos sobre coisas que não são minhas – e eu, estática, com um sorriso bobo, completamente paralisada, hipnotizada pela sua presença como uma criança diante do que ela imagina ser Papai Noel...

As vezes sou tão absurdamente idiota! Porque não pulei na garupa e disse: vamos dar uma volta, aqui mesmo na rua já que não temos capacetes extra! Abraçaria seu corpo bem junto ao meu para não cair, será que não cairia? Ái, adoro cair mas para que me levante rápido e forte como sempre faz. Cair extenuada de cansaço após a batalha deliciosa dos corpos , cair na gargalhada como criança feliz a desembrulhar presentes adivinhando pelas ranhuras o que tem dentro do pacote.

Vem cá e me toma pela cintura – certamente não precisarás de mais que dois dedos tão pequenina sou diante da sua estatura – e me joga na garupa. Vamos correr um pouco sentindo o vento, olhando os ipês floridos, ouvindo as corujas piando em pleno dia...Vem, me leva neste sonho porque adoro sonhar tendo você como pano de fundo.

Vamos ser crianças novamente ? Ao menos por um pequeno espaço de tempo infinito onde ondas passam pela praia sem quebrar, desdobrando-se em lençóis sucessivos de prazeres pequeninos para que façamos com eles colares brilhantes de felicidades.

Não falei nada, fiquei ali parada como o primeiro homem a observar o raio,a chuva o nascimento de alguma criança. Meti algo no bolso de trás da calça, mecanicamente, nem sei exatamente o que era. Não dava para saber, não dava para saber nada a não ser você. Um abraço assim, sei lá – diria um adolescente – um beijo furtivo no pescoço que eu queria mesmo era lamber, mordiscar, beijar e beijar infinitamente e a moto fez a curva levando você que fiquei olhando sumir no horizonte enquanto sumia também todo o ar dos meus pulmões e a descarga de adrenalina faria meu coração pulsar forte até muito mais tarde.

domingo, setembro 09, 2007

27 de Elul de 5767

Parador, 27 de Elul de 5767

Querida Nefertiti,

Tuas letras brilham insistentes sobre a escrivaninha,a exigir-me uma resposta urgente e completa como é de praxe entre nós...Hesito, sem saber por onde começar!

Determinas, e tens esta liberdade, que te fale mais alongadamente sobre Jerez: como o vejo e o que realmente significa passado todo este tempo que nos conhecemos e fomos nos enliando um na vida do outro...

Verdade seja dita, creio que criamos uma vida paralela para nós, cuidando, ambos, para não nos alinhavarmos em nossas respectivas vidas do outro! ( Não sei se a construção te parece lógica, mas quis dizer que cuidamos de não nos misturar com as vidas particulares que ambos possuimos).

Jerez é um homem muito belo, porque bonito seria uma expressão muito pobre que lhe ficaria muito a dever. Não é belo somento no fisico, mas de um tipo excepcional de beleza, algo que transcende a sensação ótica, ao prazer visual e se mistura ao cheiro, ao pensamento, ao sabor!

Ainda hoje o observava ao longe: Usava uma camiseta simples, de malha verde escura e debruns pretos. Pareceu-me ter também calças pretas. De onde estava apenas lhe avistava meio corpo mas era tão belo, mesmo ao longe, e tanto se destacava dos demais que por várias vezes pareceu-me não haver outro mais a minha frente!

Mesmo a impaciência em estar por tanto tempo na mesma posição – pois mudou muitas vezes a postura apoiando-se ora nos braços, ora nos pulsos ou mesmo mudando o angulo das pernas – tem uma imponência própria que o faz sempre ser diferente.

A princípio, antes que arrumes a mala a vir conhecê-lo, devo dizer-te que vivo algo completamente diferente e inusitado, algo que se me contassem não acreditaria ou pensaria que a pobre louca perdera para sempre o juízo...Não te assustes, o meu continua integro! Ao menos no tanto que se pode esperar que eu o possua...

Tantas e tantas vezes li as estórias de Merlin e Morgana e só agora as entendo perfeitamente, pois embora não nos vejamos tão amiúde quanto gostaria, sempre que nos vemos é como se nos tivessemos separado ha pouquissimas horas e ao mesmo tempo ha séculos. Não sei lhe explicar e , sabendo da rapidez com que elabora deduções, lhe advirto que não estou sofrendo de paixonite aguda, ao menos não destas que assolam e destroem os adolescentes e , até mesmo, alguns adultos incautos.

Não saberia, minha amada irmã, explicar-lhe a sensação de estar entre seus, dele, braços. E não falo da sensação de uma mulher ser abraçada por um homem, falo de muito mais: falo da sensação de uma pessoa ser abraçada por outra pessoa, de sentir-me novamente uma fagulha da Mãe, um pedaço do Universo indivisível, do Todo a que se chama Ser.

Nada jamais me trouxe tanto a sensação do sagrado, a vibração mística das celebrações de Beltrane como estar entre seus braços, perdida nos seus lábios, refém de suas lindas e fortes pernas (chamo-as de colunas Jônicas!!!).

Jerez me encanta, me fascina, torna-me dócil a mim mesma e isto é um verdadeiro feito, o qual muito me admira. Encanta-me como um domador de serpentes egípicias, embora não seja alguém de muitas palavras ou elogios. Seus maiores elogios, suas palavras mais doces foram sempre ditas nas entrelinhas de um comentário, de um afago, de um e-mail formal ou tão direto que me deixou ruborizada horas a fio!

Ainda assim, jamais me senti tão acolhida e aceita como me sinto em sua companhia. Muitas vezes penso que tudo isso é fruto de ser pisciano e possuir na sua alma um reservatório que contém todo o amor do mundo pela humanidade. Inacreditável que aquele tipo “brabo” seja tão doce e terno, tão acolhedor que seu beijo transmite a impressão de sermos inundados por petálas de rosas que não param de chover.

Gosto de olhar para ele, mesmo ao longe, pois sua visão transmite uma paz que eu não havia ainda conhecido, embora, de alguma forma, pressentisse em outros tempos quando o conheci pela primeira vez.

Assim é que o vejo e sinto.

Tenho absoluta certeza do necessário, do imprescindivel que é mantermos alguma distancia entre nós. Temos temperamentos fortes que em algum momento colidiriam, embora não tenha dúvidas que facilmente cederia ao seu comando que é – já o experimentei profissionalmente, recorde-se – determinadamente suave.

Assim, não sei por quanto tempo ainda poderei desfrutar da sua companhia, do aconchego do seu abraço, de um banho tépido com espumas fartas e muito riso, do seu sorriso cheio de uma fina ironia quando me chama de rebelde, mas sei dizer que ele me trouxe de volta a vida, a mim mesma e restituiu-me a dignidade de Ser .

Não sei se te respondi a tudo que me perguntaste, espero que sim.

Alonguei-me tanto que não perguntei pelos teus os quais espero que estejam bem e em harmonica paz!

Eu te saúdo,minha irmã, desejando que as Mãos que construíram o mundo te protejam sempre!

Sh

sábado, agosto 18, 2007

Respondendo a tua pergunta...

A pergunta sobre o meu desejo soa direta, sem rodeios .

Respiro fundo e abraço as costas extensas, escondendo meu rosto na dobra do pescoço enquanto murmuro palavras ininteligíveis que transformam explicações em beijos.

Sorvo longamente teu cheiro, percebo tua pele, tua força transformando em inundações as batidas descompassadas do meu coração, o ofegar da respiração.

Materializo a resposta que me parece impossível verbalizar.

Como se pode explicar o calor que percorre o corpo e o afogueia ao simples lembrar de um toque, um odor, um nome... Como se fala da ânsia que arrepia a pele, intumesce os nervos e faz nascer uma vontade quase insana de um abraço, da pressão de um corpo sobre o seu? O calor de uma virilidade madura, sensível, terna...

Não, não saberia falar sobre esses sentires. São sensações demais para serem traduzidas em palavras, então te beijo com sofreguidão oferecendo-me como resposta a qualquer outra pergunta que deseje formular.

Fecho os olhos e tua imagem está nitidamente gravada no fundo das minhas retinas. Respiro lentamente pressentindo o momento em que nos fundiremos confundindo os corpos numa insana tentativa de sermos um só.

Tuas mãos deslizam percorrendo meu contorno.São carinhosas, fortes, firmes, tomam posse de toda a extensão que percorrem. Deixam sua marca, imprimem seu cheiro em toda a minha extensão,invadem-me fixando, no mais profundo de mim, uma tatuagem indelével.

A essência do que sou sai do seu invólucro e atravessa o espaço tentando mergulhar no mistério do seu olhar: noite plúmbea de estrelas incandescentes.Pairo além dos tempos, flutuo no quase êxtase de estar em mim e em ti, em todos os lugares ao mesmo tempo, preparo-me para compartilhar do momento exato em que o sol explode com todo o vigor e beleza na manhã nascente.

Peenches-me com a força da tua libido. Percebo-te no mais intimo de mim e o teu desejo produz exudações ainda mais profusas preparando o terreno para receber a semente que virá em deliciosos jorros, espalhando a certeza de que somos co-criadores do momento em que a luz se fez verbo pela primeira vez.

Agora tens estrelas no fundo dos teus olhos que, aos poucos, se apequenam na exata medida em que te movimentas com mais vigor.

Trocamos palavras que não deciframos, mas passam pelos nossos corpos, ouvimos em outra esfera de entendimento. Pulamos juntos nesta viagem delirante que comandas com perfeição.

Sorrimos. Crianças felizes, traduzimos no abraço a cumplicidade do nosso folguedo e fechamos os olhos deliciados com nós mesmos.

Toco teu rosto com toda a ternura que ainda possa existir dentro de mim: és tão mansamente belo, suave na tua força...Observo-te encantada comigo mesma.

Queres saber do meu desejo? Não sei falar sobre tais assuntos, sinto-me pejada!

A

quarta-feira, agosto 15, 2007

Zeus e Afrodite

Ao longe, os ipês começam sua floração pintando a paisagem em vibrantes tons de amarelo, lilás e rosa enquanto pela barra da janela o final da tarde se faz anunciar no céu cinzento que escorrega dos galhos desnudos do arvoredo.

A escultura grega, entalhada no teto, mostrava Zeus e a Madona em um abraço aconchegantemente sensual. Suas pernas bem talhadas e semi-flexionadas fundiam seu corpanzil anguloso a delicada estrutura feminina, enlaçando-a com um braço que lhe envolvia o tronco conservando o busto ao largo dos olhares curiosos.

Perdeu-se em abstrações enquanto observava o quadro à luz difusa de uma tarde outonal. Reminiscências rondavam seu espírito, como raios de um sol que exita em ir-se.

Vieram, primeiro, as sensações táteis: o toque suavemente firme, o calor que emanava da pele. Em seguida, os cheiros e o gosto, para , finalmente, tornar-se um quadro com sons inaudíveis de palavras sussurradas de espírito para espírito.

Destes encontros saía sempre com a sensação misteriosa de haver mordiscado uma beirada do infinito, um encontro com o mais sensível e incógnito que existe no ser humano: a profundidade de um céu enluarado.

Uma memória assomou-lhe a mente, sorrateira e forte: desde que, em criança, contraíra determinada moléstia, passara a ter verdadeiro horror aos aromas sulfúricos e no entanto, agora, eles lhe chegava aos sentidos com uma suavidade deliciosa, misturando-se a outros perfumes sem os macular ou impor sua presença. Sorriu percebendo que o caminho que se percorre interiormente nem sempre se casa ao mundo externo. Para cada momento da vida há impressões compostas de odores e sabores próprios, atos e pensamentos singulares.

Olhou para o teto no exato momento em que Zeus abriu os olhos!

sexta-feira, julho 13, 2007

Lugares Sagrados

Há alguns lugares onde eu recordo toda minha vida,
embora alguns tenham mudado,
alguns para sempre, não para melhor
Alguns se foram, e alguns permanecem.
 
Todos estes lugares têm seus momentos
com amantes e os amigos que eu ainda posso recordar
algum estão mortos e alguns vivem em minha vida,
e eu amo todos eles.
 
Mas se todos estes amigos e amantes lá fossem
Ninguém se compararia à você
e estas memórias perdem seu significado
quando eu penso no amor como algo novo
 
Embora eu saiba que nunca perderei o afeto
Pelas pessoas e as coisas que existiram antes
Eu sei e  paro frequentemente e penso nelas
Em minha vida, eu amo você ainda mais
 
Em minha vida eu amo você ainda mais.
 (There Are Places I Remember  - Beatles
Tradução livre)

domingo, maio 20, 2007

Escultura

5 Yjar 5767

Dá-me de beber de tuas mãos

Chega-as em concha aos lábios meus

molhando-os com a terna doçura que elas guardam

Umedece minha boca com teus beijos

Sufoca-me em pétalas de rosas ardentes

Insuflando-me vida com teu desejo

Acende em mim o fogo que alimenta

Faz-me derramar em cachoeiras

Ampara-me na amplitude do teu abraço

Âncora tépida de carinho pleno

Deixa-me descansar no teu amplexo

os meus cansados pés pequenos

Derrama sobre mim a sombra benfazeja

que ao caminhante refresca o dia

pois o sol escaldante da caminhada

muitas vezes nos arrelia

Que a brisa do teu respirar me embale

voem livres os meus cabelos

possam meus olhos suavemente descansar

na harmonia grega da tua beleza

E quando finde o dia, preenchendo de dourando o horizonte

Possa eu voltar a estrada onde moram os andarilhos

e refeita a refrega retomar, guardando a suavidade no peito...

sexta-feira, maio 04, 2007

Jerrez,

Parador, 5 Yjar 5767

Uma lua cheia majestosamente bela reflete-se na placidez das águas do lago, enquanto na vastidão dos céus cata estrelas dispersas como pequenos vaga-lumes do infinito.

A brisa suave vem brincar em terra, acariciando as folhas das altas árvores, balançando as palmeiras imperiais, abrandando o calor dos corpos, espalhando o perfume das flores. Tento achar resquícios do teu cheiro entranhado em minha pele, misturado a mim como tua imagem ainda refletida em meus olhos ou teu gosto ainda residente em minha boca.

A suavidade das corolas rosáceas a tocar-me o rosto, os lábios, brindando-me com esse vinho doce e maduro que faz o sangue correr tépido pelas estepes quase desertas de minhas veias. As imagens se sucedem acordando em mim a exata extensão da palavra saudade, a profundidade de um querer que se vê liberto e capaz de respirar então.

Lembro-me da primeira vez em que o vi e da imponência que transmitia em seu impecável dólmen azul marinho. A camisa alvíssima era apenas um detalhe mas golpeou minha retina de tal forma que ainda hoje o quadro permanece impresso, desenhado em filigranas de cores e cheiros. O tremor das minhas mãos, e a súbita sensação de pânico, não era, como pensei à época, uma extrema reverência a alguém muito maior, mas o desejo contido com a força de todas as represas...O reconhecimento de algo sempre sonhado mas nunca encontrado e que agora – sem passado, presente ou futuro – se solta preenchendo meus dias com a luz e a cor da poesia tênue dos sonhos adolescentes.

Sorrio embevecida por minhas próprias lembranças e seu perfume me envolve docemente. Queria-te aqui nesse momento, em mais momentos, com mais freqüência e vagar, mas sei que não é possível então abro minha caixa de recortes debruçando-me sobre teu retrato, sentindo em mim o teu abraço forte que já é uma coisa sua que ficou em mim e adormeço iluminada pela claridade e beleza de minutos atrás.

Lá fora a lua canta uma canção que diz assim: É só pensar em você/ Que muda o dia/ Minha alegria dá pra ver /Não dá pra esconder/ Nem quero pensar se é certo querer/ O que vou lhe dizer/ Um beijo seu / E eu vou só pensar em você/ Se a chuva cai e o sol não sai/ Penso em você/ Vontade de viver mais/ Em paz com o mundo e comigo/ Se a chuva cai e o sol não sai/ Penso em você/ Vontade de viver mais/ Em paz com o mundo e consigo

Poema - Cazuza

Pensar em Você – Chico César

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Observando

Parador, 18 Shevat, 5767

Sentada a varanda observo o sol mergulhar no horizonte. Na rua fronteiriça as vidraças enchem-se de um dourado intenso enquanto o céu toma para si uma infinitude de tons que passeiam do chumbo ao vermelho apaixonado: Tendo por regente o vento do entardecer, o firmamento executa uma sinfonia de cores!

Meu olhar vagueia a esmo a procura de uma âncora. Gostaria de dividir essas impressões com alguém, comentar o momento, os matizes, as delicadas tessituras com que se tinge o horizonte nesse instante de lusco-fusco...Há anjos tocando harpas silenciosas e dolentes, a nostalgia da música escorre pelas vidraças em reflexos multicores realçando o branco e preto em que me vejo imersa!

A sensação de um abraço forte e acolhedor percorre meu corpo reproduzindo a calidez de momentos fugidios; lapsos temporais em que tento construir uma outra realidade.

Uma voz profunda, firme e doce, conta historias passadas, discorre sobre recordações próprias projetando no olhar um tempo de lembranças...O braço que me segura a cintura permanece túrgido a guardar-me rente enquanto, acomodada na envergadura macia e alva, repouso minhas mãos sobre colunas dóricas cuja solidez desafia a possibilidade de um andar silencioso.

A espuma, menina caprichosa, brinca com meu rosto; brincamos juntos resgatando a criança que fomos um dia, libertando-nos – por segundos – das lides cotidianas.

É assim que se constrói a felicidade: pedaços brilhantes de estrelas cadentes soldados com o fio da recordação, embalados pela brisa vespertina que nos devolve a realidade!

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Retornando

Parador, Shevat,5767

Nefertiti, querida amiga,

Enfim volto a Parador!

Definitivamente precisava e merecia as férias que me impus.

Deixei Tambaquiá sob um belo e escaldante sol... Sair da claridade e força solar para encontrar uma Parador coberta de chuva e frio é, sem dúvida, um choque do qual custo a me recuperar, não obstante ame Parador e ache complicado viver em qualquer outro lugar!

Em Tambaquiá deixei todos bem, muito embora tenha voltado preocupada com a saúde de minha mãe que se apresenta fraca, quase deprimida. Tenho constantemente a impressão de que se cansou de viver, como um soldado que abandona as armas e senta-se no meio da batalha a esperar o que os céus lhe aprouverem...Tal pensamento não deixa de causar-me espanto pois minha mãe sempre foi uma pessoa batalhadora e perseverante. Sua saúde frágil e debilitada nunca foi um empecilho a qualquer coisa que desejasse fazer, fato é que não mais deseja nada que não sejam suas linhas e agulhas de crochê! Seria o peso da idade? Não creio, afinal muitas pessoas mais velhas que ela levam uma vida saudável e construtiva, ainda.

Meu pai está bem. Continua com a mesma vitalidade de sempre. Acresceu-lhe um certo bom humor e uma posição mais relaxada em relação ao que não pode mudar, mas tudo isso sem abrir mão de sua posição de liderança. Desta vez não nos desentendemos, ao contrário, promoveu-me a posição de amigo e confidenciou-me coisas variadas as quais jamais imaginei que me contaria!

De alguma forma, e por algum processo que não entendo, o meu envolvimento com Jerrez aproximou-me de meu pai e facilitou meu entendimento sobre seus mecanismos afetivos e mentais. A recíproca também é verdadeira e creio que minha maior proximidade de meu pai me levará ainda mais para perto de Jerrez e me possibilitará trazer-lhe maior satisfação. Estranhos os mecanismos da alma humana!

Em Tambaquiá sua lembrança, lembrança de Jerrez, foi uma constante a cada dia, a cada raiar do sol ou marear de ondas. Não me refiro a lembranças melancólicas ou adolescentes do tipo “seria lindo se você estivesse aqui!”, mas lembranças como as que temos de algo que estudamos ou lemos, de uma boa companhia ou de um bom livro! Of course Jerrez é uma excelente companhia e poder ficar todo um mês tranqüilamente ao seu lado teria sido maravilhoso, mas essas são divagações que se faz à luz do luar e que não cabem bem na vida prática!

Aqui da varanda vejo observo um céu cinzento e pesado e fico pensando nas semelhanças entre o firmamento que se apresenta e como me sinto no momento.

A distancia existente entre mim e Marcelo cresce a cada dia. Ousaria dizer que habitamos não mundos, mas universos diversos e sem pontos de contato... A cada dia me sinto mais e mais desvinculada dele e de suas indiosincrazias.

Imagine alguém para quem tudo é absolutamente desinteressante, maçante e complicado, alguém que desconhece qualquer tipo de prazer que não seja o de enrolar a cabeça num lençol e dormir em profunda escuridão a qualquer hora do dia ou da noite...E eu sou a vida e vida pulsante.Você sabe disso!

Meus pais ficaram horrorizados com o comportamento dele, com sua inércia, seu desânimo generalizado e crônico.Sua verve sempre causticante e incapaz de uma palavra de elogio sincero. Sua excessiva melosidade, diagnosticada pelos “velhos” como uma forma de embuste para cegar-me a realidade, como o chocalho das serpentes que hipnotizam as vítimas com seu barulho e as tornam presa fácil...

Estive ontem com Jerrez e isso foi como encontrar o sol em todo o seu esplendor, mas também é assunto para outra carta pois que essa já encontra por demais longa e sequer perguntei-lhe pelos seus.

Dê-me noticias breve.

Receba meu beijo

Sh