Existe na tradição popular um adágio
que diz que Deus não escolhe os capacitados, mas capacita os escolhidos. Não é
uma passagem bíblica, embora muitos acreditem que seja, e a origem desse adágio
tem variadas lendas.
Eu, pessoalmente, acredito que possa,
inconsciente, proceder - talvez até
tenha sido um comentário feito por algum pregador, em algum lugar - em Êxodo 4:10-12. Não importa a origem do
adágio, o fato é que assim acontece.
Sempre
que ouço a música Humano amor de Deus me lembro de você porque ela fala
exatamente como, a partir de um amor humano, no sentido mais humano possível,
Deus pode falar com alguém, porque por seu intermédio Ele falou e agiu em
minha vida com uma força e uma potência que jamais me será possível
esquecer.
Tens o dom de ver
estradas
Onde eu vejo o fim
Me convences quando falas:
Não é bem assim!
Se me esqueço, me recordas
Se não sei, me ensinas.
E se perco a direção
Vens me encontrar
Onde eu vejo o fim
Me convences quando falas:
Não é bem assim!
Se me esqueço, me recordas
Se não sei, me ensinas.
E se perco a direção
Vens me encontrar
Nessa
primeira estrofe, o poeta/compositor fala de alguém perdido que tem uma mão que
o guia, que o encontra, que o conduz. Alguém que acalma seu coração, mostra
outras saídas e tem o poder de ser escutado, amorosamente obedecido pelo dom do
convencimento.
Não
foi sempre assim entre nós? Você não me corrige, não me mostra a direção
correta – muitas vezes até de uma forma bastante dura – não me traz de volta
aos trilhos sempre que descarrilho?
E sempre é sempre mesmo, desde que
nos conhecemos, há muitos anos...
O compositor segue dizendo:
Tens o dom de ouvir
segredos
Mesmo se me calo
E se falo me escutas
Queres compreender
Mesmo se me calo
E se falo me escutas
Queres compreender
Tenho absoluta certeza
de que não sou a única pessoa que acha que você tem o dom de ouvir segredos!
E aí é engraçado
constatar que essa cara dura, fechada, esse vozeirão de trovão, possa ao mesmo
tempo despertar toda essa confiança e acolhimento, essa certeza de que se você
falar será compreendido, aceito e orientado.
“Não me interessa o
que a senhora faz da porta desta sala para fora. É sua vida privada. Da porta
da sala para dentro não tenho nenhuma restrição à sua conduta. Não tem que ir
embora, não se quiser ficar! ”
Não posso jurar que as
palavras foram exatamente essas, que estão reproduzidas ipsis litteris, mas certamente estão no contexto exato, pois é
assim que ressoam nos ecos da memória de um tempo tão sofrido quanto solitário.
Desse tempo guardo um
folhetinho sobre confiar no amor de Deus. Era um primeiro sinal de que Ele se
utilizava de você, uma linguagem que eu poderia entender, para falar comigo.
E os anos se passaram,
e a vida tomou seus rumos. E nos perdemos de vista e passamos por tantas
coisas, cada um de nós, necessárias, todas elas, para sermos quem somos hoje, e
então, num certo dia:
Se pela força da
distância
Tu te ausentas
Pelo poder que há na saudade
Voltarás!
Tu te ausentas
Pelo poder que há na saudade
Voltarás!
E entre milhões de
endereços de e-mails, eu achei o seu e tomei coragem, e me atrevi a lhe escrever.
Precisava dizer o que não tinha como ser dito, mas queria de alguma forma estar
perto, abraçar você, como você me abraçou um dia. E eu que nem sou de ter essas
coragens e atrevimentos todos, eu que sempre me senti muito tímida na sua
presença, muito criança, muito pequena – sem nem saber se você ainda sabia quem
eu era – me atrevi a bater na porta da sua tela e dizer: oi, pode contar
comigo!
E mais uma vez, a vida
e seus mistérios, você veio ao meu encontro, em meu socorro, quando deveria ser
eu a lhe acalentar:
Quando a solidão
doeu em mim
Quando o meu passado não passou por mim
Quando eu não soube compreender a vida
Tu vieste compreender por mim
Quando o meu passado não passou por mim
Quando eu não soube compreender a vida
Tu vieste compreender por mim
Nem sei quantas vezes
ao longo desses anos eu olhei para você, para sua vida, para me entender
melhor. E quantas vezes você mesmo me mostrou quem eu sou ou porque tenho essa
ou aquela reação.
No meio daquele
redemoinho em que eu estava, perdida na mata escura de um passado/presente mal
resolvido, você me resgatou, me limpou, curou e restaurou: Quando eu não soube compreender a vida, tu vieste compreender por mim!
Quando os meus
olhos não podiam ver
Tua mão segura me ajudou a andar
Quando eu não tinha mais amor no peito
Teu amor me ajudou a amar
Tua mão segura me ajudou a andar
Quando eu não tinha mais amor no peito
Teu amor me ajudou a amar
Caminhei e caminho
segura sobre seus passos porque sempre que a neblina se espalha – desde aquele
dia, já distante no tempo, até hoje – seus olhos são faróis potentes que me
mostram o caminho e entre seus braços, que possuem o melhor e mais seguro
abraço, encontro a paz perfeita dos grandes e protetores portos.
Você encheu minha vida
de luz, abriu as janelas para entrar o sol, me devolveu as letras, a cor, o
sonho e com esses a vontade de experimentar viver.
“Teu amor me ajudou a
amar”. Muita pessoa tem medo desse verbo (amar) porque fazem uma projeção
romântica dele, sem entender que o amor tem formas diferentes de se manifestar,
mas certamente não tira o fôlego ou causa insônia. O amor só é amor de verdade se lhe constrói,
se lhe faz melhor, se lhe dá alegria, liberdade e segurança. E essas palavras –
alegria, liberdade, segurança – aprendi com você, então, foi, sim, o seu amor
que me ensinou a amar!
Quando os meus
sonhos vi desmoronar
Me trouxeste outros pra recomeçar
Quando me esqueci que era alguém na vida
Teu amor veio me relembrar
Me trouxeste outros pra recomeçar
Quando me esqueci que era alguém na vida
Teu amor veio me relembrar
E você foi catando os
cacos da mulher que eu poderia ter sido e que estavam submersos nos escombros
da minha existência atribulada.
Montando esse imenso
quebra-cabeça, com uma paciência monástica, fez de mim alguém muito melhor do
que eu já fui um dia. Pintou-me com cores vibrantes, poliu minhas estruturas,
colou as rachaduras sem deixar vestígios e finalmente insuflou em mim vida e
novos sonhos, anseios, desejos. Me deu asas para voar e hoje, cada vez que olho
nos seus olhos, que vejo o seu sorriso, me lembro:
Que Deus me ama
Que não estou só
Que Deus cuida de mim
Quando fala pela tua voz
E me diz: coragem!
Que não estou só
Que Deus cuida de mim
Quando fala pela tua voz
E me diz: coragem!
E
quando me vejo dentro dos seus olhos, quando suas mãos deslizam pelas minhas
costas, ritmando uma canção que a minha pele conhece de cor ou numa carícia
sensual reconhecendo a mulher que dorme ali, eu me recordo:
Que Deus me ama
Que não estou só
Que Deus cuida de mim
Quando fala pela tua voz
E me diz: coragem!
Que não estou só
Que Deus cuida de mim
Quando fala pela tua voz
E me diz: coragem!
· * Humano amor de Deus é uma canção do
Pe. Fábio de Melo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário