domingo, novembro 23, 2014

Sonhos


Há quem diga que todas as noites são de sonhos.
Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão.
No fundo, isso não tem muita importância.
O que interessa mesmo não é a noite em si, mas os sonhos.
Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares,em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.
(Sonhos de uma noite de verão – Willian Shakespeare)


            A primeira vez que lhe vi foi na minha imaginação infantil. Deitada na calçada da varanda, brincando de casinha, contava para minha amiga sobre o pai das minhas filhas e a imagem que descrevi – nunca esqueci – era exatamente você, nos mínimos detalhes, até no cheiro.
            O tempo passou. Mudei muitas vezes de cidade, escola e amigos. De vida. Os projetos começaram a aparecer, a vida começou a pulsar e um dia vi você na tela do cinema. Meu coração parou: lembrei da imagem que descrevia nas minhas brincadeiras infantis e ela estava lá, na tela... Mas era só uma imagem, não era uma pessoa! Meu sonho de criança se tornou meu artista favorito e sempre que possível assistia os seus filmes.
            A roda da vida girou mais uma vez em sua volta completa e um dia me deparei com você. Meu sonho fora  personificado em corpo e alma, mas embora estivesse ao alcance do meu braço estendido estava muito mais distante que o ator das telas do cinema! Pude observar, malgrado a distancia que nos era imposta que você era exatamente como eu imaginava. Possuía todas as características que idealizara nos meus devaneios pueris.
            Meu coração que sempre esteve aberto para um sonho, encontrou, finalmente a concretização impossível do seu querer. Guardei com carinho nos recônditos de minha alma a certeza de um segredo que me recusei a conhecer.
            A vida tem seu próprio ritmo e suas próprias regras e pouco ou nada nos adianta tentar intervir. Rodou seu giro mais uma vez e novamente estávamos ali, frente a frente: eu, com as pernas trêmulas, sentia o coração a  sair pela boca,  arrebentando o peito, insuflando o medo de que se ouvisse de fora, me deixando atordoada... Foi quando senti o sabor do seu beijo, a textura da sua pele e o calor do seu corpo abrindo o céu para mim!

"Quebre-me os selos!
Deixe-me em pêlos!
Meu Imperador!
Mate minha sede!
Subo as paredes por seu amor..."*

            Hoje, nessa noite chuvosa e fria, folheio nosso álbum de recordações contemplando as fotos de cada fugaz momento que passamos juntos e me admiro com a simetria dos nossos corpos perfeitamente encaixados um no outro: encontro-me exatamente no espaço compreendido entre seu queixo e metade da palma dos seus pés! Ah, seus pés... Pés que acariciam os meus num carinho novo e tranqüilo, numa suavidade acolhedora como se fossem pequenas mãos extras e bem treinadas a prolongar a serenidade acolhedora daquele momento mágico em que seus braços me acolhem e guardam na amplitude de um abraço capaz de parar o tempo, o mundo e afastar de mim todos os problemas e medos.
             Meu sonho de menina tem hoje um rosto, um corpo, um cheiro e um nome. Tem o melhor abraço do mundo e enquanto cai a chuva eu o chamo simplesmente de meu amor!

Beije minha boca!
Rasgue minha roupa!
Faça o que quiser!
Esqueça meu nome!
Seja meu homem! (...)
Roube-me os trilhos!
Lance-me o brilho desse seu olhar!
Quebre as correntes!
Crave-me os dentes!
Faça-me voar!
Tire minhas selas!
Solte minhas velas!
Ligue o meu motor!
Pise bem fundo!
Somos o mundo, meu grande amor!
Cantar, viver pra você tudo que eu sempre quis...
(Luiza Fittipaldi – Sede)*


quinta-feira, julho 10, 2014

Serenidade

Estas as armas são com que me rende
E me cativa Amor; mas não que possa
Despojar-me da glória de rendido. 

Luís Vaz de Camões (1524-1589)


                Um halo doce e suave me envolve, um como pisar em nuvens. Não me inebria uma felicidade avassaladora, mas antes me preenche uma calma, um acolhimento de tranqüilidade e aconchego.
            Em nossa vida diária, ao sermos apresentados as pontes que temos pelo caminho, temos que saber quais ultrapassar, quais contornar e quais explodir. Creio que ultrapassamos uma ponte importante embora não saiba seu nome ou para qual direção nos leva. Apenas sei que precisávamos ultrapassá-la e ela foi vencida com êxito.
            Ao meu lado seu rosto sereno repousa, seu braço poderoso me cinge ao seu corpo gostoso, nossas pernas se encaixam na simetria de compassos semi-abertos.
            Sua voz começa calma a falar de contos de contar lembranças. Retroceder, apresentar quadros, desenhos, imagens. Desloco-me com você, caminho pelos fatos, tento sentir, entender. Viro-me lentamente e seu rosto está à altura do meu.
            Uma boca linda, uma voz encantadora, narra fatos como se escorregasse por plumas. Meus olhos se enchem de admiração silenciosa e reverente.
            Escorrego no seu abraço que me lembra que é hora de soltar os ponteiros do tempo, maldito tempo que sempre me leva você! Será que um dia ele me deixará saciar da sua companhia?
            Em meus sonhos durmo na curva do seu braço, ao enlace do seu abraço, na maciez do seu peito largo... Será um dia?
            Por agora voltamos ao mundo dos homens e a cidade nos recebe de braços abertos a exibir seu lindo colar de luzes. Descemos pelas ruas, viadutos, avenidas. Não vá ainda!
            Em casa há festa, musica e juventude. Forço o sorriso, brinco, mas meu coração partiu junto com você, embora pela primeira vez, de alguma forma, sinta que parte do seu ficou no lugar dele...
            Levo às mãos ao rosto e você ainda está nelas. Seu cheiro está pelo meu corpo, sua serenidade impregnou minha alma. Te quiero, mucho, mucho!
            Já é noite. Faz frio. A lembrança do seu abraço me aquece e embala. Quero sonhar com você, quero você, ao meu lado, sempre.

            Fica?

segunda-feira, junho 16, 2014

Súplica de Inverno

Deita aqui, ao meu lado, amor, e aquece o meu corpo com a doce tepidez da tua pele. Aconchega meu corpo ao teu para que me sinta amparada pela envergadura dos teus ombros, ao encontro do teu peito.
            Deixa que minha cabeça cansada pelas lutas insanas penda descuidada na curva do teu pescoço enquanto teus braços me enlaçam na suave e silenciosa promessa de proteção.
            Que eu possa ouvir a canção do seu coração ressoando através do teu peito macio, como um acalanto de ninar, como se eu fora uma criança com medo de dormir.
            Vem, eu te rogo, e encaixa-me de encontro a ti. Deixa que nossos corpos se emparelhem e descansem juntos por alguns momentos até que as nossas forças se recomponham e possamos encetar novas batalhas.
            Prende-me entre teus braços, com a suavidade das cordas ternas, a fim de que eu saiba, sem que seja necessário que digas, que nada humano nos separará, que nenhum mal se abaterá sobre mim, pois esses braços são muralhas fortificadas que me manterão a salvo para sempre.
            Fica ao meu lado até que o sol renasça e toda a escuridão desapareça e se vá o frio com os primeiros raios do sol. Temo a noite e a escuridão. O frio e o orvalho poderão encrestar-me a pele, tirando-me o viço e a beleza e então não me reconhecerás. Segura-me, de encontro a ti para que teu calor me mantenha viçosa como uma flor do campo que renasce a cada raio de sol.
            Deixa que meu sexo repouse suavemente de encontro ao teu, quando chegar a hora que devemos dormir. A doçura do descanso deve ser igual à alegria da festa, pois um e outro são partes da vida como a noite e o dia.
            Que se sucedam as estações sem que nos apartemos, pois os caminhos são longos e desertos e o caminhar sozinho é penoso à alma.
            Abraça-me forte, amor, e não me deixes sentir frio ou medo. Sou pequenina e teu regaço é grande e forte para abrigar-me. Teus braços são o porto mais seguro entre todos onde jamais aportei.
            O que te peço é pouco, quase nada: abraça-me forte para que eu não sinta medo, deita-te aqui, ao meu lado, para que eu não sinta frio e aguarda comigo que chegue o alvorecer.

            Adormeçamos juntos, pois o teu hálito é o sopro que me insufla vida! 

domingo, abril 13, 2014

Suave Completude

 E quanto mais remo mais rezo
Pra nunca mais se acabar
Essa viagem que faz
O mar em torno do mar (...)

A festa da sua chegada começa bem antes de abrir a porta, tem seu início nos pequenos detalhes que buscam tornar o ambiente mais acolhedor e agradável possível, como coloca toalhas limpas, lençóis novos e aspergir penas gotas de canela pela casa para que fique com um odor adocicado que lembra corridas no campo e brincadeiras de criança.
                Gosto de entrar no chuveiro tépido e sentir a água deslizando pelo meu corpo como um carinho seu e, enquanto penso que logo, logo, você estará aqui, minha mente voa ao seu encontro refazendo cada detalhe seu, cada toque, cada sutileza, sem encontrar nada de repetitivo em todos esses anos. Quando abro a porta é como se um clarão imenso e estonteante adentrasse a sala: são todas as cores reunidas em um mesmo feixe de luz atingindo em cheio a minha retina e me deixando tonta e sem ar.
                Nunca tenho certeza do próximo movimento até que você me tome pela cintura e cole sua boca na minha fazendo minha alma se sentir beijada na sua totalidade, deixando que meu corpo perceba o seu e, aí sim, tomando o controle de todas as minhas ações.
                Deliciosamente semi-reclinando em mim, olhamos a tela consultando informações de que necessitamos enquanto meus dedos afogam-se na alva maciez dos seus cabelos.
                As mãos que deslizam na parte interna da minha coxa, não são apenas carinhosas, mas deliciosamente carinhosas e vão deixando um registro de suave e tranqüila intimidade.
                Nada é tão calmante e ao mesmo tempo provocante quanto o seu beijo. Apaixonadamente tranqüilo, tem uma sensualidade capaz de desenhar na minha mente imagens as mais variadas possíveis e despertar anseios e vontades que jamais imaginei.
                E nossa tarde transcorre num volteio voluptuoso, mas não vulgar. Nada nunca é vulgar quando estamos juntos, ao contrário, tudo é sempre muito elegante, muito limpo, carinhosamente excitante.
                Seu abraço me acolhe carinhosamente, mas mais que carinho sinto extravasar um pouco de ternura como se essa longa viagem que você fez por terras áridas – viagem que não ainda não quis comentar – lhe devolvesse mais terno, mais doce, mais presente.
                Uma completude que as palavras, ao menos as minhas palavras, não sabem descrever, se instala e lembro que li em algum lugar que sentimentos são para sentir e não para explicar ou entender, se assim o fosse seriam razões e não sentimentos.
                Afundo minha cabeça no seu peito enquanto penso no quanto você é importante, fundamental para mim, mas logo a vida nos chama de volta a sua roda que não pára e seguimos rápidos até que possamos parar novamente...
                Meus olhos se esticam pela rua acompanhando você e penso com suavidade no quanto amo você!


As borboletas voam sobre o meu jardim
São cores vivas, pousam sobre às onze horas
Nas rosas claras, violetas e jasmins
Petalas - Alceu Valença

(...)

E quando alguém me pergunta

Como se faz pra nadar
Explico que eu não navego
Quem me navega é o mar
Timoneiro - Paulinho da Viola

Reflexões

Meu velho um dia falou
Com seu jeito de avisar:
- Olha, o mar não tem cabelos
Que a gente possa agarrar
Timoneiro - Paulinho da Viola


         Surpreendo-me sempre e a cada dia com o efeito que sua presença ou ausência tem no meu cotidiano que, de resto, sempre foi tão sem glamour, numa sucessão de dias absolutamente iguais.
            Um prolongado silêncio, uma inexplicável ausência me rouba as cores, tranca minha aquarela deixando apenas o cinza chumbo dos dias nublados e frios. As letras embaralham-se e em meio ao caos nada faz sentido, nem um único parágrafo consegue se ordenar... No redemoinho onde sou atirada, tendo manter a calma, para não naufragar, atando-me vorazmente a todas as âncoras.
            Com  a formalidade que absolutamente já não cabe entre nós, nos encontramos e, antes que possamos conversar, observo extasiada como sempre e a cada dia sua beleza se destaca entre seus pares.
Todo meu ser se dilata num orgulho infantil e compartilhável: Não, não necessito gritar ao mundo todo o quanto você é importante, o quanto é lindo e como sua presença modificou minha vida para melhor. Basta-me sabê-lo, basta-me dizê-lo a você, nada mais!
É muito interessante o fenômeno de que cada cor parece ser desenhada, criada, para você como se a luz se refletisse nos pigmentos de uma forma única, original. A camisa preta é tão perfeita quanto a branca que é tão linda quanto a rosa ou a verde ou nenhuma...
Seu rosto sério e sua voz grave e formal me dão medo, mas há muito tempo aprendi a controlar essa emoção. Durante a maior parte do tempo não vislumbro – embora procure desesperadamente – um único traço de suavidade ou sorriso no seu rosto querido. Por fim seu braço se estende e sua mão enlaça a minha , então, começo a relaxar.
Banalidades dos dias que estivemos separados, como duas pessoas que necessitam achar o que falar, mas o toque de sua mão sobre a minha me parece uma bandeira branca que me acomoda entre seus braços até que atinjamos nosso destino e eu possa finalmente ver um sorriso largo que me devolve a tranqüilidade.

E a vida vai voltando aos poucos ao seu eixo e ao aviso de que você está chegando minha alma se veste de festa só para lhe esperar e eu sorrio e engalano numa alegria pueril porque o sol, ah, o sol voltou a brilhar!

As flores voam e voltam noutra estação
Só serei flor quando tu flores no verão
Pétalas - Alceu Valença



segunda-feira, março 17, 2014

480 horas em um mundo Gris

                É desse amor que eu preciso;
Preciso e não posso esquecer:
Eu faço de tudo no mundo
Pra não te perder.
(Me Leva – Diogo Nogueira)

Na quietude fria da noite, meus passos soam como ponteiros desorientados de um relógio sem prumo. Caminho a esmo sem conseguir dormir. O silencio da noite e os barulhos da rua ressoam os muitos pesadelos que me assaltam e dormindo ou acordada sempre me visitam.
                Gostaria de ter asas para atravessar a cidade, gostaria de ser invisível para ver sem ser vista. A ausência provoca uma dor constante e inquietantemente amedrontadora. Faz surgir fantasmas e dá a palavras banais sentidos cabalísticos.
                Já não é possível agir com racionalidade. Ela sempre desaparece após o meio da tarde.  É como uma chuva de monção que tem hora certa para chegar e sair: Nasce com o sol que promete um novo dia, mais luminoso e feliz e vai declinando com o passar das horas que escondem a aquarela capaz de iluminar o meu dia. Absolutamente tudo ficou sem graça e gris, um grande e longo mundo cinza com horas longas e intermináveis, costuradas em silêncios e esperas.
 Queria dormir até que você pudesse vir me despertar. Queria proteger-me na amplitude do seu abraço e sentada no seu colo, como em tantas outras vezes, esconder minha cabeça na curva do seu pescoço enquanto, sentindo sua mão deslizar pelo meu cabelo, entendo que tudo está bem e não há nada  a temer!
                O calendário é implacável e me oferece, dia-a-dia, mais vinte e quatro horas sem você, mais um nascer e pôr-do-sol onde o calor de sua presença foi ausente e perdeu-se em silencio e abstração.

                O que resta de mim em você agora?  Ainda há um nós perdido nesse imenso espaço físico chamado cidade? Em meio ao mar de vozes que lhe circunda ainda é capaz de me ouvir? Chamo baixinho e o som me acalanta. Minha alma grita alto, quer atravessar o espaço e chegar até a sua: seria possível? A noite me retorna silencio. Sinto frio e medo.
Eu enfeito a minha casa com as flores
Que roubei do seu jardim
São os erros do desejo
Você está em tudo que eu vejo
E agora
Tudo parece menos real
Menos carnaval
(Menos Carnaval – Bebel Veloso)

segunda-feira, fevereiro 24, 2014

Fotografias

Eu faço mar/você barco
Vamos brincar de viagem
Eu sou remo/você âncora
No mar precisa de coragem
Eu sou vela/Você mastro
Vamos correr pra outra margem (...)
BRINCANDO – Mabel Veloso


Os últimos raios de sol escorrem pelo horizonte entrando pela minha janela num doce carinho. Sobre o colo tenho lembrança, fotografias, imagens de momentos especiais, locais, momentos que gosto de revisitar, palavras que gosto de redegustar, acariciar...
            O raio tímido desce lentamente pelo meu rosto, percorre meu pescoço, meu ventre e pousa nas fotos que descansam sobre minhas pernas. Sentada, como um Buda sorridente, observo as fotos pareadas e sorrio.
            Uma das imagens mostra um belíssimo homem trajando um elegante esporte fino escuro. Calças, sapatos e meias pretas com camisa preta de listras brancas em dois diferentes diâmetros. Seus cabelos macios estão entre minhas mãos e ele tem um sorriso divertido   escondido no canto dos olhos.
            No outro quadro esse mesmo homem usa calça jeans clara, tênis, meias brancas e está sem camisa. Está concentrado em um pequeno arranjo que suas mãos hábeis desenvolvem. Serio, é igualmente belo no seu porte imponente, na elegância dos braços bem torneados, no peito largo e sedoso, no delicioso aroma que exala. Impossível não perceber que sob o Jeans existem pernas esculturalmente formadas.
            Em uma e outra gravura, a mesma pessoa em momentos distintos, como uma paisagem em diferentes horas do dia, todavia, um e outro, me estremecem de forma diferente.
            O homem em seu traje de passeio faz de mim uma criança deslumbrada, acorda a adolescente apaixonada diante do seu primeiro amor: aquele rapaz da casa vizinha que já faz faculdade e nunca vai olhar para ela, mas ela sonha com ele todos os momentos e fica no portão só para o ver passar! 
A menina de tranças conhece o barulho do motor do carro, sabe a placa e todos os horários do rapaz, conhece seu cheiro e as musicas de que ele gosta, ensaia mil diálogos, mas quando, por ventura, ele vem até a sua casa, fica muda e incapaz de uma só palavra.
            O cavalheiro, concentrado, no seu jeans claro e sem camisa faz de mim uma mulher, ensina-me coisas sobre mim mesma que jamais imaginei: Em sua presença sou toda pele, nervos e sensações, sou hormônios, feromônios, pele, tato, instinto e desejo... Primitiva, primal, os tambores de Beltrane soam dentro de mim no compasso da terra.
            Quero estender as mãos e tocar, apalpar, sentir e cheirar: a vida quer se realizar, concretizando-se no espetáculo da cocriação encenado pelos corpos entregues ao êxtase.
            Um e outro, sendo o mesmo, desperta em mim tão diferentes emoções e tão completa sensação de plenitude que me perco em mim mesma desejando apenas fundir-me nele, navegar na profundeza do seu olhar e sob o comando dessas mãos firmes guardar-me no ancoradouro do seu peito.
 Não esqueci seu nome, seu rosto sua voz
Outro dia eu te vi numa tarde tão veloz (...) corrii atrás, tarde demais, perdi a condição
De conversar, te convencer
Te confessar, quero só você
Sei que isso não tem  importância
Pra você não faz sentido (...)
Amanhã, pela manhã,  a gente pode sair pra conversa (...)
Te convencer, te confessar
Quero só você
A VIDA TEM DESSAS COISAS – Bernardo Vilhena/Ritchie

segunda-feira, fevereiro 17, 2014

Saudades de você

               Hoje eu pensei muito em você. Não sei porque, mas senti saudades do seu jeito moleque e debochado de me chamar de mulherzinha, a querer dizer que eu seria sempre menina, criança, mas sempre acrescentando que eu era uma mulherzinha muito interessante, muito inteligente... Senti saudades da forma folgada como invadia minha casa a qualquer hora que lhe desse vontade de me ver, me ligar, me falar e do seu carinho tão terno que nunca vou saber definir, explicar.
                Lembro-me você chegando a meia-noite, sem cerimonia, fugindo da festa barulhenta da sua filha – uma mulherzinha muito interessante e excessivamente bonita, risos – vestido numa horrorosa camisa verde escura, ou em pleno alvorecer – linda camisa listrada, bermuda preta – para me dar a metade do seguro do seu carro que fora perda total! A outra metade? Bem, você deu a sua filha que também estava precisando. E todo o carinho, e todo o cuidado que teve ao me entregar o envelope para que isso não maculasse a nossa relação: que relação?!
                Amávamos tão ternamente, tão doce e puramente que sequer conseguimos formar uma relação. Era tudo muito etéreo, delicado, frágil, embriagante... Seguimos assim até nos perdermos de vista completamente e hoje, sim, hoje acordei com muitas saudades de você!
                No trato comigo o homem arrogante sempre desaparecia, e muito embora o deboche fosse um traço seu, a ternura com que o revestia fazia-o doce, suave, meigo.
                Talvez, só talvez, se você estivesse aqui eu pudesse me sentar no seu colo e perguntar porque ele faz essas coisas, porque precisa de tantas regras, de tantas proteções... Quem sabe você poderia me explicar se ele não me entende, se ele me teme, ou teme a si próprio e poderia me contar uma longa estória de ninar onde o príncipe finalmente entendeu que ter medo do tempo é o mesmo que correr contra ele...
                Não sei, quem sabe você me diria que deixasse ele pra lá e ficasse com você, mas então eu teria que lhe responder que é tarde demais para isso: eu sou irremediavelmente dele no riso e na lágrima, é aqui o meu lugar, ao menos enquanto houver um lugar para mim!
                Sei, sei sim que você iria brigar e sorrir e me abraçar. E me dar um beijo e mais um e me dizer que eu sou uma mulherzinha muito especial...

Sim, hoje eu acordei com muita saudade de você! Então, aí no coro dos anjos, onde você está, cante uma canção para me acalentar, sente-se aqui ao meu lado, me ponha no colo, enxugue as minhas lágrimas e me faça dormir porque hoje eu sou só uma menina na qual dói e dói e dói.

sábado, fevereiro 01, 2014

Cantares

Suas pernas são colunas de mármore, fundadas em pedestais de encaixe de ouro refinado. Seu aspecto é como o do Líbano, seleto como os Cedros. Seu palato é pura doçura, e tudo a respeito dele é inteiramente desejável.Cantares, 15: 15-16


Descanso tranquila no seu peito sorvendo seu cheiro, sentindo contra o rosto o suave carinho do seu tronco firme e macio. Sua mão desce pelas minhas costas, desenha meu franco, traça carinhos saciados, acolhedores. Por um momento saio do corpo e admiro esta cena: você tem o outro braço dobrado em “V” sob a cabeça, os olhos semicerrados como se também saboreasse esse momento. Momentos são como bons vinhos: ainda que todos os reconheçam como bons, cada um o experimenta de uma forma, sente um sabor. Encanta-me sua beleza sóbria, bem distribuída, a elegância inerente a você, despojada, a energia imanente que exala... Em você tudo me encanta, mas o som de minha voz  me  traz de volta ao momento concreto:
- Você é uma pessoa surpreendente – digo baixinho, quase com medo de quebrar o instante mágico em que estamos.
- Porque?
- Estava lembrando da nossa conversa, outro dia, na sauna...
- E?
- Você é tão forte e tão decidido, um tipo de homem raro, daqueles que seguram a onda de todo mundo mesmo quando o seu mundo está caindo. Você raro e é o homem mais lindo que eu já vi em toda a minha vida. E é charmoso e inteligente e forte. É um líder, sem dúvida alguma e tenho absoluta certeza de que nenhuma mulher é capaz de resistir a você desde que você esteja determinado a conquistá-la! Se eu tivesse que descrever você por meio de uma imagem diria que você é um carvalho, uma oliveira, um porto seguro, um lugar para onde se corre sem medo na hora do perigo, mas ao mesmo tempo às vezes você age de uma forma imensamente insegura, quase pueril, eu diria e eu não consigo entender esse tipo de coisa, e fico pensando admirada como pode ser isso...
- Estou ouvindo...
- Não sei, acho que pequenos assomos de ciúmes que você manifesta são, na verdade, apenas figuras de linguagem para deixar marcado seu território porque não tem razão de ser, não tem cabimento algum você ter ciúmes de mim ou você não tem espelho em casa? Se uma vez já não tivéssemos discutido feio por essa razão, aliás, duas vezes, eu diria que é tudo um mis encene seu...
Eu adoro você! Não como se adora Deus, é claro, mas como uma mulher pode adorar um homem. Você deu sentido a minha vida, me recuperou para mim mesmo, aposta sempre em mim, me incentiva, me estimula, me joga para frente, me devolveu as palavras e as cores do mundo, como eu posso olhar para outra pessoa? Como eu posso me interessar por alguém que não seja você?
Eu passei por cima de muitas coisas para ficar ao seu lado, não teria sentido arriscar tudo isso, não teria sentido jogar tudo fora: não sou assim!  Eu me pergunto se você ainda não entendeu a natureza e a qualidade do que eu sinto por você e muitas vezes eu me respondo que não, você não entende, talvez porque quando me conheceu eu era apenas uma “menina” assustada cujo coração disparava toda vez que ouvia sua voz!
                Às vezes, eu saio nas ruas da cidade, principalmente quando não estou aqui, olhando para as pessoas, e quando meu pensamento se distrai, invariavelmente eu comparo os homens a minha volta com você e até hoje nunca encontrei nenhum que chegasse nem perto, nem mesmo o seu “genérico”, risos,  se tivesse idade para competir com você, você ainda sairia ganhador, então porque você faz essas observações maldosas, bobas?
                No livro Cantares de Salomão tem uma estrofe que diz “procurei o amor da minha vida, procurei sem jamais encontrar, encontrei o amor da minha vida, encontrei e não deixarei jamais!”, então, é assim que eu penso em você e não é porque você é lindo, ou porque é gostoso, ou porque parece um príncipe e é cheiroso e elegante e líder, não: tudo isso é importante, claro, porque faz parte de você, mas você tem uma qualidade maior, uma  qualidade que eu nunca achei antes em ninguém: você tocou a minha alma, como se você me visse por dentro, desde sempre, como se você me entendesse, como se eu não tivesse mistérios ou fosse um desafio para você! Eu posso ser só eu e isso não lhe assusta, não lhe amedronta, não lhe afronta e isso faz seu abraço ser especial porque ele me recolhe inteira e cola os pedaços, e cinge o que está solto e me deixa inteira novamente sem, muitas vezes, nem perceber que havia algo precisando ser colado...
                Je t'aime, trop
                liebe dich sehr
Me gustas, muitíssimo

Yo ti quiero mucho mucho

Como macieira entre as árvores da floresta, assim é meu querido entre os filhos. Desejei apaixonadamente a sua sombra, e ali me sentei, e o seu fruto tem sido doce para o meu paladar (...)Sua esquerda está sob a minha cabeça; e sua direita – ela me abraça. Ct, 2:3

segunda-feira, janeiro 27, 2014

Eu e você no Jardim do Eden

(...) antes do sol partir, deixa no meu corpo a vida tatuada na alegria de um ultimo beijo
Antes do sol - Jorge Bichuetti

O carro desliza suave em um dos raros trechos de asfalto novo. O paredão de rochas coloridas, à esquerda, forma um belo contraste com o mar verde água no lado oposto. Estendo minha mão e faço um carinho nos seus cabelos enquanto penso que tudo isso deve ser uma antevisão do paraíso: desfrutar da beleza interminável em sua companhia...
            Localizamos um bom lugar para parar e descemos para uma caminhada.
            Aproveito esse precioso momento para , sem pudores, observar você. Adoro deslizar meus olhos pelo seu corpo, como se fosse um fio d’água escorrendo lentamente desde sua cabeça!
            Nunca me canso desse exercício voluptuoso de lhe admirar lenta e detidamente e sempre me surpreendo com sua capacidade de impactar-me com tanta beleza, porte e elegancia.
            Roço meu rosto no seu braço num carinho que sei que não ficará impune, embora não seja minha intenção. Erguida na ponta dos pés, busco seus lábios para um beijo moleque, mas um braço forte me alça e logo nossos corpos estão colados sob a brisa que vem do coqueiral.
            É possível sentir o desejo que nos envolve, nos arrebata, nos transforma em uma unidade viva e vibrante.
            Uma de suas mãos desliza carinhosamente firme pelo meu corpo, enquanto o outro braço nos mantem unidos, firmando-me de encontro a você. Por um segundo temo pelo nosso equilíbrio, mas lembro,incontinenti, das belas colunas gregas firmemente fincadas na areia macia da praia: não há o que temer, seria mais fácil o mar secar que você me deixar cair!
            Entrego-me sem resistência à fome dessa boca que envolve a minha, deixo-me explorar por essa mão que firme e carinhosa desata o nó lateral desnudando parte das minhas roupas.
            Nesse pedaço de Éden, Adão e Eva não sentiriam vergonha de estarem nus: a beleza é uma vestimenta natural de todo aquele que em comunhão se entrega as delicia do amor.
            Os corpos que se reconhecem também conhecem os desejos que os habita e logo a areia molhada e macia é a toalha que serve de pano de fundo à essa fome que nos devora.
            Sua boca desce suave e firme pelo meu pescoço recolhendo os pequenos cristais que o vento oceânico depositou sobre minha pele e o roçar do seu rosto na minha pele me causa arrepios de uma urgência absoluta. Ondilhas quebram aos nossos pés numa sinfonia deliciosamente doce e sensual que seus dedos regem usam como palta meu corpo ávido de você.
            Por duas,por três vezes sou arremessada no meio do oceano em um delírio intenso. Minha voz se funde com as ondas que quebram enquanto eu mesma me alço acima do mar suave e verde. Finalmente partimos juntos rumo ao gran finale navegando as costas de um lindo boto cor-de-rosa!
            Não há palavras suficientes para descrever todo o prazer que me invade, todas as variadas sensações que me preenchem nesses momentos em que, segundo a filosofia hindu, os mortais vislumbram o paraíso e percebem num átimo o que é a imortalidade da alma.
            Tudo que sei é cair exausta nos seus braços acolhedores, sentindo o inebriante e doce cheiro que você exala no pós prazer. Entregar-me a delicia desse carinho terno que me puxa de encontro a si, não como uma provocação sensual, mas como um carinho que envolve e protege.
            Aconchegados na simplicidade dos primitivos habitantes dessa terra brasilis fechamos os olhos por alguns momentos atendendo ao reclame imperioso dos nossos corpos. Seu braço sobre meu dorso me guarda e resguarda: certamente não há o que temer, sou toda e completamente sua.