quinta-feira, janeiro 20, 2022

SÓ O AMOR NOS ETERNIZA

 

Foi Deus quem mandou você pra mim

A minha alma se acendeu
O mundo todo renasceu
Meu coração agora vive em paz

Aleluia, aleluia
Aleluia, aleluia (Aleluia - Lucas Berton)



Somos enormes colchas de retalhos modificados a cada dia por uma nova costura, um novo cerzido sobre o rasgado de uma dor, um novo bordado, babado ou cor. Micropeças de emoções, positivas outras nem tanto, vão se encaixando e formando o grande e lindo quebra-cabeça que somos, cada um de nós, particular em seu desenho e cor!

Desde que lhe conheci, você sempre foi o iron man. Forjado de uma liga especial, capaz de sorrir e bater, ser flexível como uma criança e implacável como um pai enfurecido e só muito recentemente – considerando o tempo que nos conhecemos – foi que me dei conta de que você não foi sempre assim. Tornou-se assim... Mas e o “Tony Stark”? Quem está por baixo do homem de ferro? Como essa armadura foi criada, montada, estruturada?

Como esse coração doce e terno se enclausurou em uma armadura de titânio?

Tento montar esse quebra-cabeça enquanto assisto distraída a um ou a muitos filmes da tv ou da vida real. São inúmeras as vezes em que me pergunto como você teria reagido a determinadas situações, a quem teria recorrido, que resposta recebeu, se teve ou não ajuda em determinados momentos e minhas perguntas caem no vazio do não saber!

São tantas as coisas que não tive teve tempo de aprender sobre sua vida, sobre você! Ainda havia tantas histórias para serem ouvidas, paisagens para serem visitadas de carona nas suas lembranças... Recordo-me com imenso carinho desses passeios, das visitas às suas reminiscências: momentos de grandes aprendizados sobre quem você é, momentos de construção do enorme respeito e carinho que lhe dedico, mas, sim, sempre existe um mais e esse diz que ainda havia muito, muito mais para ver, ouvir e aprender.

Se eu tivesse visto um pouco mais dessa fantástica paisagem que é você, talvez agora eu soubesse entrar pela armadura do iron man e poderia abraçar o Tony Stark, silenciosamente, porque mesmo o homem de ferro preciso de um abraço quando em vez...


Tenho tanta vontade de fazer isso, de abraçar você, muito além do que seja abraçar seu corpo – o que já é uma superdelicia – e ouvir o doce e forte bater do seu coração... 

Não, não queria lhe abraçar em público, não quero e nem preciso contar aos mil ventos que lhe abracei. Queria um abraço silencioso, calmo, sem defesas.

Algo como me sentar e ir desmontando a armadura, peça-a-peça, aos poucos e docemente até surgir aquele sorriso maravilhoso, até conseguir ouvir a alma que é capaz de mandar, ordenar, comandar, cantar e sussurrar do erótico ao terno com a mesma maestria e vendo o sol tão lindo que existe por baixo dessa capa medonha, sentar-me e me aquecer ao seu calor!

           Não sinto só saudades, essa é uma palavra que aprendi duramente que não traduz jamais o vazio de uma ausência. Sinto sua falta em todos os momentos do meu dia, em todas as coisas que faço, desde o cacto que acabei de transplantar até o telefonema do meu filho no meio na madrugada para me contar extasiado que o bebê mexeu... 

O que se diz a um futuro pai nesse momento? Não sei, não deu tempo de você me ensinar isso!

Tropeço em você em todos os cantos dessa casa, como se você tivesse efetivamente morado aqui. Você é parte integrante dessa casa, como é de mim, da minha vida e de tudo que penso e faço e tudo isso, confesso, é muito estranho para mim que nunca me imaginei capaz de algo assim, aliás, nunca nem mesmo acreditei que isso acontecesse.

Foi divertido, outro dia, ouvir alguém dizer: Nossa, ainda bem que ela superou a separação... É, aprendi a conviver com a separação como se convive com uma dor crônica: ninguém precisa saber que existe, né? É segredo entre mim e Deus, que me ouve todos os dias pedir por você, por seus planos, por tudo que você ama.

Li em algum lugar – provavelmente em um livro de filosofia – que só o amor pode nos conceder a eternidade, pois só morremos realmente quando ninguém mais lembra de nós!

Fez sentido e por esse prisma, caso eu fique aqui mais tempo que você – realmente não desejo isso. O mundo vai ficar muito sem graça se eu não tiver certeza de que você está sorrindo em algum lugar – posso lhe garantir a eternidade. Acredite nisso, embora eu mesma ache incrível.

Outro dia, questionada se vou permanecer sozinha para sempre respondi que não vivo só: tenho um mundo de recordações que me fazem companhia a cada momento. Não me sinto só, jamais.


Iron Man, Super Homem, Mulher Maravilha, 007... Todos são eternos porque impactaram as pessoas, se fizeram amar pelo que representaram para muitas pessoas e seus nomes atravessam as gerações e chegam ao Miguel, à Julia e chegará aos seus filhos, possivelmente.

Esse tipo de amor, construído pelo respeito, admiração, pelo reconhecimento dos valores, mais que do frisson hormonal, é o que nos eterniza.

É desse amor que falo, esse que vai além da cama, do sexo. É do beijo que é delicioso não só porque arrepia a pele, bambeia as pernas, deixa as coxas molhadas, mas porque o toque dos lábios é tão macio que toca a alma e parece jogar dentro de você um novo alento de vida... A delícia de um  abraço descompromissado usado para finalizar algo, mas que na verdade é o ponto alto, o verdadeiro clímax, porque abre janelas, desnuda paisagens, mostra quem somos e dá a verdadeira dimensão do outro!

Esse amor nos eterniza e faz, ao menos a mim, viver em uma dimensão de eternidade onde não cabe mais ninguém além de quem me ensinou que sentir isso é possível, viável e palpável: você!

 

terça-feira, novembro 09, 2021

Vácuo

 

VÁCUO

 

Em minha vida só lamento o que não vivi, o que, por medo ou covardia, deixei de experimentar, exceção feita à enorme distancia que você instalou entre nós. Há, agora, um universo que nos separa. Vivemos em galáxias diversas, universos distintos e eu que sempre me defendi, me escondi, me armei, conquistei, me apaixonei com palavras; eu que sempre me congratulei por vencer todas as coisas por meio da palavra, não consegui um único som capaz de atravessar o impenetrável muro que você ergueu entre nós!

Por toda a minha vida, nunca encontrei um homem mais homem que eu. Nunca vi, ouvi ou conheci alguém diante de quem – homem ou mulher – eu conseguisse me desnudar completamente. Mostrar minhas falhas, meus medos. Nenhum abraço nunca foi capaz de me conter, de me segurar, de me colar por dentro. Nenhum silencio foi capaz de quebrar, nenhuma ausência – nem mesmo as da morte – foram capazes de instaurar o vácuo semelhante ao seu.

Tanto tempo depois, acredito que entendo a real razão do seu afastamento – muito distinta da subtendida pelo desenrolar dos acontecimentos – mas entender não melhora nada, ao contrário, aprofunda a dor porque reduz a uma única as infinitas possibilidades que você ocupa em minha história .

Sempre fui muito só. Um bicho estranho que ninguém compreende e apenas que domar, sem entender que não sou domável, ao contrário, sou conquistável pelo respeito, carinho, entendimento. Só em você encontrei sempre, em todos os níveis em que nos relacionamos, essa capacidade de se não me entender, ao menos me respeitar. Um bicho estranho como eu. Outro sozinho, embora sempre rodeado. Alguém que segue em frente, mesmo quando todos param... E agora não tenho mais nada.

Meus dois pilares arriaram. Os únicos dois homens que foram capazes de conquistar minha confiança e admiração partiram. Um por decurso do tempo, o outro por escolha própria. Me sinto perdida, vagando no meio do nada...

 

Minha cabeça fervilha de interrogações sobre as quais gostaria de conversar, ouvir alguém, mas quem? Não há ninguém com quem possa comentar, dividir, a quem possa abraçar e sentir que tutto andrà bene!

 

Sinto-me imensamente só. Lembro-me de Jesus no monte das oliveiras e ninguém capaz de lhe fazer companhia... Claro que não sou Ele, mas é a imagem de maior solidão que conheço: as pessoas mais próximas não conseguem entender o que se passa e você segue só, contando apenas com Deus. Não que seja pouco, contar com D”s, mas que humanamente não é confortável esse apenas que é tudo, metafisicamente falando.

 

Tantas coisas sobre as quais gostaria de conversar, pedir uma opinião, ouvir o que você teria a dizer; tantas coisas, todas elas, impronunciáveis para outros ouvidos tanto pela certeza de que não entenderia, quanto pelo medo de demonstrar buracos, espaços vazios, fraquezas só admitíveis diante de quem é mais forte que você, todas elas fervendo dentro de mim, sem saída possível!

 

Lembro de um texto que lhe escrevi uma vez, a solidão dos fortes. Acho que só agora consigo entender exatamente o que significa esse título: Ninguém duvida, ninguém se preocupa, ninguém espera ou acha que você precisa de colo, de abraço, de carinho; a ninguém parece que vc tem medo, angustias, saudades e você é chamado a seguir sempre em frente, mesmo sangrando, sem dizer nada pelo simples fato de que não há quem ouça...

 

Nem mesmo sei se você vai ler, mas confio no que uma vez você me disse: “leio sempre, tudo que você mesma escreve”. Há outras falas não cumpridas, mas não importa, me importa contar que sinto muita falta do meu amigo, muito mais que do meu namorado, muito mais do que de qualquer outra coisa

 

Provavelmente estas palavras também não atMTravessarão o muro de silencio que você ergueu entre nós, mas ainda assim lanço-as com a esperança de que ao menos o eco delas ressoe nos seus ouvidos, reverberem no seu cérebro já que você diz que o coração é apenas um músculo.

 

Não sei que parte de mim sente sua falta, sei a que não sente e não sente não porque não tenha sido importante ou bom, mas porque essa é uma fase que já passou. Sei que levanto todos os dias e lhe pergunto: e aí o que temos para hoje e alguns dias o peso que tenho que levantar é tamanho que sequer consigo me erguer da cama... Queria guindastes para me levantar, mas não tem ninguém para com força suficiente para isso, então, voilá!, serei mais uma vez eu comigo mesmo!

Brasilia, 09/11/2021

19:50

            MTA/mta

sábado, setembro 18, 2021

Quase primavera

 

                        Sou uma apaixonada pela obra criativa de Deus de uma forma geral, mas as diversas capacidades do ser humano me espantam a cada dia... Como somos capazes de incorporar fatos, sabores, odores, acontecimentos, pessoas, a nós mesmos sem sequer percebemos o processo!

                        Dias atrás, tentei, inutilmente, diga-se de passagem, lembrar seu cheiro. Lembrava-me perfeitamente do nome do seu perfume, das sensações que o contato com sua pele me provocava, mas a forma como meu cérebro identificava essa mistura única e peculiar formada, de uma forma exclusiva, pela química do seu corpo ao reagir aos compostos odoríferos do seu perfume, isso a que chamamos de cheiro, não consegui lembrar!

                        Deveria ser possível guardar os aromas em potinhos bem fechados para que pudéssemos aspirar em momentos de saudade extrema, assim como posso recorrer às 
fotos quando a vontade de lhe ver bate os píncaros da vontade ou nos assalta o medo de ver o registro da sua amada face ser sobreposta por tantos outros registros diários.. Guardo, com ciúme infantil, pequenos e raros áudios por meio dos quais posso sempre verificar que ainda sei exatamente como é a sua voz, mas o cheiro, ah! O cheiro não tem como guardar...

 Ontem, era final de tarde eu andava lentamente apreciando as maravilhas da luz nessa já quase primavera que se aproxima, quando, repentinamente, meu coração disparou como uma criança assustada e todo o meu corpo se voltou em uma direção que não entendi de imediato, mas que em fração de segundos pude entender do que se tratava.

                        O fantástico foi que entendi tudo de forma instintiva, sem passar pelo entendimento, pela mente, pelo racional... Foi o coração disparado, o corpo trêmulo, os joelhos duvidosos em sua capacidade de suster o corpo que me explicaram que reconheci pairando no ar sua assinatura olfativa!

                        É. Eu pensava ter esquecido o seu cheiro, aquele verdor leve e forte, fresco e limpo, como uma água cristalina no seio da floresta, mas identifiquei, como se pudesse sentir  uma parte de mim mesma que se perdera, quando atravessou o meu caminho algo muito próximo ao que meu cérebro reconheceu como sendo você!

                        O mais interessante foi que não havia ninguém por perto, não passou de uma ilusão olfativa, um delírio de saudades, diriam alguns, que teve o efeito potencializador de aumentar ainda mais a falta que sinto de você!

                        Em tudo isso, surpreende-me observar que transcorridos mais de quatro anos desde que você decidiu afastar-se de mim, tudo ainda é perfeitamente atual: recordo-me de você como se houvéssemos nos visto semana passada e a saudade dói como se tudo acontecera ontem... A regra de que o tempo é o pai do esquecimento não se aplica a mim: levo você por onde vou!

         Cada pôr-do-sol, luar, paisagem ou momento emocionante, ainda são compartilhados com você, muito embora minha mente me obrigue a, na esmagadora maioria das vezes, fazer esse compartilhamento de forma telepática.

Quantas saudades  eu sinto do meu melhor e maior amigo e, claro, do meu namorado e do seu sorriso e do seu cheiro gostoso e do seu abraço enorme onde sempre me coube tão perfeitamente

           Sujeito-me ao respeito que devo a sua decisão, mas insurjo-me face ao desconhecimento dos seus fundamentos – talvez essa a dor mais profunda, a de não saber porque – e a consequente impossibilidade de corrigir um eventual erro meu.

                     A angustia inicial transmutou-se em resignação e agora apoia-se na esperança de uma possível reconsideração, algum dia, afinal, tudo sempre pode mudar!

   


          Sigo descendo a rua. O sol mergulha no horizonte tingindo o céu de um gradativo negrume. As lágrimas também se recolhem enquanto me dirijo à condução.

No meu ser existe um lugar, cuja porta nunca se fecha, e que tem por nome saudade. Bem na entrada há uma placa onde se lê: você!


segunda-feira, abril 05, 2021

DOR FANTASMA, QUANDO O CORPO NÃO ACEITA A PERDA DE SUA INTEGRIDADE

Cerca de 93% das pessoas que tem um membro amputado sentem dor fantasma, fenômeno definido pela ciência pela sensação de dor, formigamento, frio ou calor em um membro ou órgão que foi amputado ou extirpado cirurgicamente.

A neuroplastia é a capacidade do sistema nervoso em amoldar-se a fisiologia do corpo e detectar corretamente os estímulos, mas quando uma parte do corpo é retirada do seu corpo, em grande parte das vezes, o sistema nervoso não consegue assimilar essa perda e continua a produzir sensações como se recebesse estímulos do vácuo...

E se você está me perguntando porque estou falando sobre isso em um blog feito para falar sobre o quanto o amor me envolveu, vai entender o sentido quando ler que transcorridos cerca 1.371 (mil trezentos e setenta e hum) dias – 45,7 meses ou 3,8 anos – desde que vi você descer as escadas sem olhar para trás, essa lembrança ainda dói como se tivesse acontecido ontem.

Nem no mês ou na semana passada, mas ontem...

É como se minha alma tivesse sido privada de uma parte sua que ela se recusa a aceitar, mandando constantemente estímulos e produzindo vontades como se as pudesse saciar.

Ainda arrumo a cama com lençóis claros e dois jogos de travesseiros; ainda durmo na parte mais interna da cama e coloco duas xicaras na mesa quando tomo o café da tarde; ainda levanto a cada dia aguardando, com o coração em suspense quando a companhia toca, que esse seja o dia em que vou lhe ver novamente, ainda que apenas para dizer olá!

E se você me perguntar do que sinto saudades vou ser muito sincera ao lhe responder com um pronome indefinido que para mim parece mais um adjetivo de quantidade absoluta: sinto saudades de tudo!

Do seu sorriso que acende mil sois no dia, da sua cara de bravo, do seu olhar capaz de congelar a alma ou acender labaredas infinitas; da sua expressão instintiva de desconcerto encolhendo o corpo – com o tempo aprendi a entender, me desculpar e abaixar a voz que facilmente se alteia com a empolgação -, da sua palavra firme, mas doce; da sua resposta incisiva, da sua correção amorosa.



Só alguém que nunca viu a grandiosidade do seu sorriso quando se espalha pelo corpo inteiro, pode dizer que você era ausente; Só quem nunca contemplou a grandiosidade de Deus ao ver-se refletida no seu olhar pode dizer que fui usada, manipulada e descartada. Não. Todas essas hipóteses refutei-as veementemente porque nunca ninguém foi tão presente.

_ O que faço com esse contrato?

_ O que digo a meu pai? A meu filho?

_ Como lido com esse problema?

- Socorro, minha vida está fora dos trilhos!

 

E suas mãos enormes e delicadas, firmes e seguras se estenderam para ajustar tudo, recolocar as situações nos seus devidos lugares, em qualquer dia ou hora em que chamei e muitas vezes até sem saber.

Só quem não conhece a amplitude desse abraço único, que me cabe inteira, e nunca experimentou a magia de ver o mundo estacionar em um cantinho só seu pode falar em ausência ou distanciamento, não eu que ainda escuto a melodia que seus dedos tamborilavam nas minhas vertebras e as vezes acordo lembrando dos seus pés deslizando na sola dos meus.

De que sinto saudades? Sinto saudades de lhe ver dando um nó na gravata elegante, escanhoando o contorno da barba perfeita; olhar você silenciosamente estirado na cadeira da sauna e passear por tantos mundos pelos quais seus olhos me levaram.

Não se pode falar de ausência quando se compartilhou engarrafamentos e semáforos, cactos e violetas, pores-do-sol, luas e estrelas, sorrisos, lagrimas, trabalhos, desejos, oceanos e areias, desenhos, cantatas, corais, segredos, saudades e desejos.

Ah! Sua beleza diante da qual me ajoelho, tão imensa e intensa quanto sua inteligência, não é dessas que se desfará quando os anos finalmente lograrem lhe tirar o tônus muscular e  a elasticidade da pele. Não! A sua beleza vem de dentro, é dessas que brilha no olhar e ressoa na voz de tal forma que envolve tudo o mais. É reflexo de um caráter firme, de uma vontade disciplinada, de alguém que venceu,
vencendo primeiramente a si mesmo!

Ocorre-me que sua beleza é como seu cheiro e sua elegância natural: resplandecem limpeza, integridade, comando, como deveriam ser – hipoteticamente – os reis, os comandantes, e eu, a menorzinha entre todos os seus súditos, sinto falta da sua majestade na minha vida.

É a dor fantasma da minha alma, o encanto dos meus sentidos, o pulo no escuro que eu repetiria todos os dias e novamente até não mais respirar!

 

 




 

segunda-feira, dezembro 28, 2020

Conto de Natal


 

Esta estória - eu deveria dizer história porque é real, aconteceu de fato, mas como não consta dos anais oficiais, dos compêndios escolares, terei que dizer estória -  se passa nos idos dos anos 70.

Não sei o mês e nem o ano, sei que aconteceu aqui, nesta esquina ao lado, em uma cidade do sertão alagoano. Deveria ser entre 17 e 18 horas, pois naqueles tempos havia hora para tudo:
Íamos brincar na calçada às 17:00, mas às 18:00 entrávamos porque já era tarde e tínhamos que tomar banho para jantar, o que acontecia, impreterivelmente as 19:00!

Eu morava duas casas a partir dessa esquina e minha amiga na próxima casa após a minha.

Em relação a minha amiga quero ressaltar duas particularidades: ela era um tanto mais velha que eu, talvez tivesse uns 10 ou 11 anos, mas naqueles tempos éramos todos crianças até muito tarde e anos mais tarde, trabalhamos, ambas, na Caixa Econômica Federal, sem nunca mais – desde que nos mudamos de bairro – tenhamos voltado a nos encontrar. Aposentou-se, pelo que sei, trabalhando na agência Rosa da Fonseca, em Maceió, Al.

Pois bem, naquela tarde, resolvemos brincar de contar uma para outra como eram nossos maridos e filhos, como era nosso dia-a-dia, nossa casa... A psicologia chama isso de pareamento e explica que é uma forma como as crianças aprendem a lidar com as emoções e fatos do cotidiano.  Talvez, por isso as crianças de hoje sejam tão estressadas: não dá para parear   emocionalmente o Youtube...

Eu não me recordo como descrevi os meus filhos ou a minha casa, mas recordo-me perfeitamente sobre como era o meu marido porque demorei cerca de onze anos até ver alguém muito parecido nas telas dos cinemas e cerca de vinte e três anos até vê-lo, exatamente ele, pessoalmente!

Como acontece com toda menina, nessa idade, meu pai era o homem mais bonito que eu já havia visto, o mais cheiroso e o mais elegante. Meu pai era perfeito e eu era capaz de brigar com qualquer pessoa que tentasse me demover dessa ideia, mas ao descrever, para minha amiguinha, o meu marido, enxerguei um homem muito mais bonito e elegante que meu pai.

Em uma família onde não havia homens com barba ou cabelos grisalhos – nem mesmo cheguei a conhecer meus avôs- meu marido tinha uma barba fechada, cabelos muito alvos, mas não era velho, e era muito mais alto que meu pai que com seus 1,72 tinha uma dimensão gigantesca para meus sete anos de idade.

A voz dele era como um trovão, mas também como uma música e eu não sabia definir. Sem todas as palavras e sensações que eu conheço hoje, eu só soube dizer que a voz era diferente de tudo que já ouvi e que ele tinha um perfume diferente, especial, e – elogio dos elogios – era muito, muito mais alto e bonito que meu pai!

Não sei em quais gavetas da minha memória tudo isso ficou, só sei que muitos anos depois, voltando do cinema declarei convicta que havia conhecido o homem dos meus sonhos, mas que infelizmente ele morava na Inglaterra e era um cavalheiro da rainha. Meu pais riram da minha infantilidade, afinal eu já era bem crescida para me enamorar de um personagem de cinema, não sabiam eles que eu falava literalmente: pela primeira vez eu havia visto o homem dos meus sonhos, ou algo muito próximo dele!

A vida sempre segue em frente. Ela não para você se consertar, juntar os pedaços ou se levantar. Simplesmente segue e você tem que correr atrás e assim meu sonho foi novamente soterrado e voltava de quando em vez em algum filme nas telas do cinema e depois em uma coleção completa de DVD’s que comprei: toda a coleção do referido ator.

E nas voltas que a vida dar, um dia precisei mudar de setor no trabalho. O colega que me indicou para a vaga foi enfático ao me dizer que eu trabalharia com um dos homens mais educados e elegantes que ele já conhecera, fato este que tive o prazer e a oportunidade de verificar pessoalmente depois e ao longo dos muitos anos que já nos conhecemos.

Desloquei-me, então, no horário marcado, até a sala assinalada pelo meu colega, para apresentar-me a uma entrevista de vaga. Jamais vou esquecer o coquetel de emoções que me invadiram quando, abrindo a porta de acesso ao Núcleo, vislumbrei pela divisória de meio vidro – carinhosamente chamada de aquário – exatamente o homem dos meus sonhos. Exatamente aquele que eu havia descrito.  Fiquei paralisada olhando sem acreditar no que via. Ele era tal e qual como eu o havia descrito nos idos da minha infância!

Ele vestia um terno azul escuro, muito elegante, e uma camisa tão branca que era capaz de ferir os olhos. Uma gravata impecável no mesmo tom do terno. Usava óculos de meia lente, apenas para leitura, e armação dourada. Estava absorto na leitura de documentos, mas olhou para o lado sobre o ombro, por cima da lente, e gesticulou para que eu entrasse.... Eu queria sair correndo, queria entrar e queria continuar ali, parada, olhando...

Não tenho registro de nada que falamos. Entrei no modo automático, enquanto o emocional tomava conta de mim e analisava cada detalhe: havia uma carteira de Carlton sobre a mesa. Aliança na mão esquerda. A voz era exatamente como eu imaginara naquela tarde e agora eu sabia como traduzir o que antes classificara como diferente: era um tom de comando irrecusável, mistura de mil cascatas e tambores de guerra, trovões e canções de ninar. Era a nona sinfonia de Beethoven, tendo ao fundo o Noturno de Chopin. A sensação que essa voz causa é indescritível. Ainda, nesse momento, enquanto escrevo, consigo sentir o efeito dela sobre mim!

Não sei quanto durou nossa entrevista, tão pouco sobre o que falamos, tudo que sei é que fui aprovada e teria trabalhado com ele até o final da vida, se ele não tivesse mudado de setor algum tempo depois.

A vida segue sempre em frente, é indomável e nas suas voltas voltamos a nos encontrar. Gentilmente –ou seria galantemente? – ele me mandou uma foto para que eu atualizasse a lembrança de como ele era. Não havia o que atualizar: ao longo dos anos, minha mente se mantivera atualizada e eu sabia exatamente, sem medo de errar, descrevê-lo em detalhes!

Certa manhã, no trabalho, o telefone tocou para mim e quando atendi senti a mesma inexplicável vontade de fugir e ao mesmo tempo de ficar calada apenas ouvindo, mas reagi e atendi enquanto meus joelhos fraquejavam e eu caia sentada, sem forças para ficar em pé.

Durante doze anos vivi nas nuvens. Sentia-me abençoada, soprada pelos anjos com direito a um plus super especial. Quantas pessoas tem o privilégio de dizer que desfrutam da companhia do seu sonho de infância? E mais, que ele é tanto quanto e até mais do que você imaginava? Sim, porque havia muitas qualidades que minha imaginação de criança não conhecia, mas que minha personalidade de mulher pôde observar, desfrutar e saborear.

Jamais pude imaginar que seria possível ser tão feliz quanto fui ao seu lado, mesmo atravessando todas as turbulências que atravessamos. Tenho consciência que algumas vezes me faltou tato, em outras me sobraram lágrimas, mas quem é perfeito? Somos todos seres imperfeitos em busca de quem nos complete e nos aceite com os defeitos, rachaduras que temos.

Eu não sei absolutamente o que ele pensa de mim ou desse tempo que passamos juntos, mas sei que ao olhar para ele nunca observei suas rachaduras como falhas, como defeitos, mas como marcas que o tornaram a pessoa especial que é. Sua beleza é exatamente sua resiliência, sua capacidade de se manter inteiro apesar das rachaduras e olhar essa integridade sempre me deu confiança e me ajudou a ficar mais forte.

Quantas vezes um abraço, uma palavra ou simplesmente aquele sorriso no canto olhos, foi suficiente para acalmar meus medos, me apontar o caminho, segurar minha mão e dizer: vá em frente! Eu me sentia como uma pipa capaz de voar muito alto com alguém em terra manejando o cordão com firmeza. Era muito bom ter para onde voltar.

Há quase quatro anos ele saiu pela porta sem me dar qualquer motivo plausível e se foi sem olhar para trás... Saiu do meu mundo real para ser incorporado ao mundo das lembranças, e com isso se tornou ainda mais real. Não há um só minuto durante o dia em que sua lembrança não esteja comigo, desde que acordo pela manhã e mentalmente lhe dou um beijo de bom dia, até a noite quando volto a apresenta-lo em minhas orações.

Há quase quatro anos, eu espero todos os dias que ele mude de ideia e – da mesma forma como se foi – resolva simplesmente tocar a companhia e voltar! Ele é parte de mim, como aceitar perde-lo? Eu o espero a cada dia, a cada nascer do sol e isso me mantem de pé, e é essa esperança a cola que fecha essa enorme rachadura causada pela sua ausência: a esperança de que um dia ele entenda o quanto somos especiais, o quanto ele é especial para mim, e então volte como o sol que renasce após um rigoroso inverno!


domingo, novembro 22, 2020

Final de Tarde

Vi a tarde escorrer pela janela e a noite chegar sutilmente.

Enquanto os últimos raios do sol foram substituídos pela lâmpada do poste em frente, eu só queria que você, por alguns minutos, estivesse aqui.

Meu desejo é frugal, simples como uma tarde de outono. Resumia-se em deitar a cabeça no seu peito largo, aconchegar-me entre seus braços, sentindo suas mãos deslizarem pelos meus cabelos e, de olhos fechados, aspirar seu cheiro, desfrutando a proteção que emana de você.

Nada mais que desfrutar da largura e força de sua presença,

da suavidade do seu carinho, do prazer de saber que existe alguém maior, mais forte que eu e relaxar tranquila, cedendo o controle por alguns minutos.

Na tarde que escorreu rapidamente, seu sorriso luminoso teria segurado o sol por mais horas, preenchendo de forma absoluta todos os espaços vazios, devolvendo-me absolutamente a sensação de pertença que tanto procurei por toda a existência...

Sento para um café. O lugar vazio, aumenta a força da sua ausência. Sua xícara pousada, à espera que você venha juntar-se a nós, me repreende silenciosamente: Como eu deixei você partir?

Sorrio sem jeito e num sussurro respondo que não foi culpa minha, mas ela não me ouve e projeta nas minhas lembranças seu sorriso luminoso, o som de sua voz enchendo toda a casa, mesmo quando falava baixinho, seu cheiro na minha pele, nos meus lençóis, em mim mesma..

Seu sorriso brilha sobre toda as minhas lembranças como um segundo sol que  se apaga em contato com a realidade, fria e escura como a noite que já reina absoluta lá fora... Só lá fora? Aqui dentro faz frio, muito frio.




 

segunda-feira, janeiro 20, 2020

Afogada em limitações


                Hoje acordei afogada na superficialidade limitante das pessoas à minha volta. Minha alma, num esgar desesperado, gritou basta! Sinto falta de você, dos nossos compartilhamentos, das suas poucas palavras tão cheias do universo...
                        Não há ninguém que entenda o envio da lua em seu esplendor no céu, uma orquestra sinfônica, a imagem de um campo florido, uma peça de Schubert, um seriado intrigante, um filme emocionante, uma doce canção de ninar. Ninguém sabe me falar dos mistérios das estrelas ou conhece seus caminhos.... Sem a delicadeza de um café sorvido com gosto, toda e qualquer outra coisa resta supérflua e deslocada.
                        Para quem dizer me abrace, tenho medo ou me lance para que eu desça pelo arco-íris, se não há braços capazes de me conter? Quem pode me segurar se ao final e a cabo, todos são tão menores que eu??? Só você era maior, capaz e forte suficiente para me suster nesse delicado bordado da vida onde agora voo como uma folha solta ao vento...
                        Seguro-me nas lembranças e enquanto jogam pedras de descaso no meu oficio, seus olhos brilhantes repetem na minha memória a frase curta, quase simplória, mas que me alenta a cada dia: minha advogada! E no meio de uma imensidão de tantos faz, ainda julgo escutar um homem que dizia nunca pensei em namorar uma advogada, a minha advogada... E os braços que me elevaram acima da espuma macia, transmitiram, à minha alma, uma confiança que ainda me segura.
                        Sem sua ponta seca, inútil é meu compasso. Não sabe mais traçar os arcos de uma vida que ficou sem cor, sem sabor, como um sal que já não salga, apenas seca.
                        A quem ainda posso perguntar qualquer coisa, perscrutar qualquer assunto sem jamais me encabular, envergonhar ou me sentir menor? Com quem falar sobre sexo, politica, esportes, estrelas e música, medos, desejos sem medo? Apartada da sua inesgotável profundidade já não sou uma das meninas de Renoir: Não há tela capaz de me refletir, como não há braços capazes de me abraçar porque não basta ter envergadura física, mister Ser Capaz de o fazer.
                        Hoje acordei cansada das superficialidades das palavras vãs e desejei vê-lo tocar a companhia e entrar, sentar-se para um café e apenas degustar o suave prazer de lhe olhar.... Se tivesse coragem – será que teria? – Apenas pedir: Me abraça? Nada mais...
                        Talvez estendesse, tímida, a ponta dos dedos para tocar seu cabelo macio – sinto tanta falta de acaricia-lo, sentir-lhe o perfume, o cuidado – mas a vontade mesmo seria de beijar sua boca macia e quente que costumava tocar-me a alma...
                        Já nem ouso imaginar como seria ter novamente seus dedos tamborilando aquela suave canção, mas ainda sinto o cheiro fresco de sua pele sobre a minha quando enterro o rosto entre os travesseiros tentando, inutilmente, encontrar a barba, o peito e o olhar ...
                        O que eu não daria para o ter de volta? Não sou capaz de imaginar nada que eu não pudesse trocar: anos de vida, qualquer tipo de fortuna, tudo eu entregaria se o pudesse novamente reconquistar.
                        Nem bem me lembro das conjunções porque ao evocar tais imagens, ao ver seu corpo projetado na tela da memória, sempre paro nos seus olhos que iam se apertando, as pupilas pequeninas como se abraçassem forte a imagem que refletiam e meus olhos turvos, nesses momentos, chamam seu nome sem conseguir se conformar.
  A ausência dói como jamais imaginei que algo doeria. Não ter você é como se faltasse uma parte essencial de mim, como se o próprio Deus – à guisa do que fez a Jó – me estivesse testando a resistência e sanidade: cada dia de uma vez e uma esperança louca e desarrazoada de que um dia eu vou acordar e ao abrir os olhos novamente lhe ver...





sábado, janeiro 04, 2020

Pour toujours le vôtre ou uma alegria triste

Gardez moi simplement
Sans parler, sans penser
Sans pleurer pour toujors
(Grandez Moi Simplement - Sylvia Telles)

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                              Recordo-me com exatidão da primeira vez que o vi!
                        O soco no estômago que senti, a admiração profunda pelo seu terno azul impecável, os ombros largos, a camisa de um branco alvíssimo. A majestade de um príncipe, a voz tonitruante e minha completa paralisia diante dele... A crise de idiotice de que fui tomada naquele dia, repetiu-se, e se repetirá sempre, todas as vezes em que estive em sua presença.
                        Recordo-me da primeira vez que saímos juntos: Não era, e nem pretendia ser, um encontro entre um homem e uma mulher. Eram dois velhos colegas de trabalho reunidos para um almoço.... Misteriosamente meus braços tornaram-se maiores que meu corpo, eu estava desconexa, como nunca fui em toda a minha vida. Derrubei comida no chão, quase virei o copo de suco, e não disse uma só palavra com nexo. Sequer consegui articular uma conversa inteligente, mas, ao chegar em casa, havia uma delicada mensagem agradecendo pelo almoço e perguntando se eu estava bem...O sorriso bobo que se abriu no meu rosto durou muitos dias, enquanto uma suave sensação de graça tomou conta de todo o meu corpo.
                        Tanta água passou por baixo da ponte até acontecer o nosso primeiro encontro e lá estava eu, ansiosa e com medo de errar. Como se erra em um encontro? Até hoje não sei responder essa pergunta, mas lembro do terror que me congelou quando descobri que a piscina a que nos dirigíamos não era exatamente a do clube... E agora? O que fazer? Um vulcão, um terremoto dentro de mim e não sei de onde apareceu aquela força suave que me inspirou e conduziu... E lá estava eu fazendo algo que jamais havia feito antes – e ouvindo depois, muitas e muitas vezes, que fora perfeito - ... E o medo da vulgaridade - que jamais chegou a se aproximar de nós dois durante o oitavo de século que nos uniu – desapareceu lentamente...
                        O medo sempre constante de não haver uma segunda, terceira, quarta, n vez. A tranquila segurança dos seus braços fortes, a alegria do seu sorriso luminoso, a certeza do seu conselho equilibrado. A primeira desavença e o seu olhar gélido me penetrando a coluna, partindo minha alma em duas, enchendo meus olhos de lágrimas sentidas. O desespero de me sentir perdida e sem saber o que fazer, como reagir... O medo de lhe perder, convertido hoje no desespero resignado de lhe ter perdido... O mesmo desnorteamento que sinto hoje, senti naquele dia!
              A alegria da sua volta – que durou uma eternidade – mas que chegou como a primavera chega aos campos gelados  trazendo renovo de vida...
        Todas estas lembranças são vívidas como se tivessem acontecido ontem, tudo enleva e dói, da mesma forma pungente, exigente, total.
        Na segurança do seu carinho eu cresci e floresci e me espalhei e cri que havia criado raízes!
                        O medo nunca desapareceu. As vezes colocava seu rosto feio na janela, mas seu sorriso franco e ensolarado afastava esse espectro terrível e eu voltava a sorrir.
                        Como posso esquecer que podia conversar sobre absolutamente tudo com você? Como me olvidar a absoluta segurança em me expor, em sentir, em perguntar? De sexo a política, passando por religião ou filosofia, que assunto não conversarmos? Era uma clareira de luz, poesia e encantamento.
                        Impulsionada por você, estudei mais, me aperfeiçoei, batalhei e venci muitas vezes e minha recompensa maior era seu sorriso orgulhoso. Era ouvir você dizer em qualquer contexto minha advogada e notar seus olhos brilhando e aquele sorriso, que poucas pessoas percebem, pendurado no canto dos seus olhos.... Esse era o melhor dos honorários!
                         Os amigos que diziam que a forma como você pronunciava minha advogada fazia com que qualquer um quisesse ter uma advogada, quisesse me ter por advogada.... Nada, nenhum prazer poderia ser suplantado por isso. Nenhum elogio melhor que esse. Era o meu pagamento perfeito, irretocável, melhor que milhões em alvarás, melhor que uma aliança, muito superior a um sobrenome porque me parecia real, você em essência. Único reduto do Universo exclusivamente meu e seu. Não precisava de público, não precisava ninguém saber...
                        A segurança do seu abraço e o calor do seu olhar, a luz do seu sorriso e o medo de um dia não ter nada mais disso caminharam ao meu lado durante todos estes anos, mas o medo foi ficando muito tênue a medida em que você me alimentava com uma confiança – que sempre li como lealdade – renovada a cada dia.
                        Até hoje não entendo como foi que um dia você se foi para voltar e nunca mais voltou e quando voltou apenas chegou, sentou e escutou, mas não ouviu, não explicou e não me acolheu, apenas foi embora sem olhar para tras... E hoje meu mundo é diferente e minha alegria é triste porque sem você nenhuma cor existe!
                        Não há abraços como o seu e nem sorriso que persista. Não há conversas ou canto coral, não há confidencias e nem ninguém maior e mais poderoso que eu a quem recorrer quando estou com medo. Ninguém capaz de segurar a pipa para ela voar, de apoiar o compasso para ele traçar o circulo perfeito que vai da morte a vida infinitamente.
                        Meus dedos miúdos tocaram, com suas pontas, as estrelas, grãos de eternidade, mas todo meu ser foi abruptamente precipitado no sétimo inferno onde nem luz e nem cor penetram.
                        Perdida no meio do nada, os abraços são nós que apertam e não laços que unem e no escuro que sua ausência me deixou, nunca mais vai haver outro sol, apenas a chuva contínua que corre pelo meu olhar...
Brasília, 04 de janeiro de 2020





terça-feira, março 27, 2018


Elegia II


“o mais terrível dos males nada é para nós, pois, enquanto existimos, a morte não é, e, quando ela está lá, já não existimos nós. A morte não teria, por conseguinte, nenhuma relação nem com os vivos nem com os mortos, uma vez que ela nada é para os primeiros e os últimos já não existem”Epicuro


“(...)O que se pergunta é se, ao ouvir-se o ritmo biológico do próprio corpo, e ao experienciar-se — ainda que indiretamente — a condição de mortal antecipada na morte do outro, não emergirá um intuitiva ameaça que põe radicalmente em causa a possibilidade da indiferença? Ora, apreender o sentido do inaceitável definhamento é um dos requisitos necessários para se tentar apreender o tempo; ou melhor, o homem como tensão entre um futuro que ainda não é e um passado que já não existe.” (SCHELLER/QUENTAL, Antero)

Munida da reflexão acima, após 11 meses, cerca de 351 dias, eis-me de volta de uma incrivel e exauriente perigrinação pelo maior deserto jamais atravessado por mim.
No mesmo ponto de partida, deixo o féretro do homem que amo – orna-o os  meus mais belos sonhos e as mais perfumadas esperaças – e saio livre de qualquer bagagem emocional. Sem ontem e nem amanhã, livre de todas as lembranças e expectativas, resurjo das minhas proprias cinzas.
Os ouvidos que festejavam o som de sua voz, acostumaram-se ao silencio da solidão. O deserto é silencioso como a morte. No infinito do vazio entendemos o nada da existencia. Não somos, ninguém é. Estamos e estar é uma condição passageira.
A pele que vicejava ao suave toque de suas mãos, encrestou-se pelo calor do abandono e os olhos que antes brilhavam à luz do seu sorriso lavaram-se sucessivamente em lágrimas sorvidas pelo infernal calor da indiferença. Como uma lâmina bem temperada, primeiro turvaram-se, para então, dia-a-dia clarearem até despontar brilhantes ao primeiro sol de hoje.
Engana-se quem supõe – e eu mesma o fiz – que foi a carpideira quem deu cabo a tudo. Ela apenas levou teu corpo inerte já de muito morto quando se entregou ao seu choro ritimado, anúncio de uma morte já concretizada.
No inicio deste ciclo, jogara-me aos pés de um outro morto – este vivo, dizem por aí as noticias que circulam talvez para nos dar uma esperança de amanhã – e reclamei uma providencia definitiva a qual me chegou a conta-gotas enquanto meus pés ensangues e desnudos percorreram as areias tórridas do deserto.
A fome e a sede me desorientaram causando ilusões e delírios. Vi-te chegar ressurreto e sorridente e cri que tudo não passara de um pesadelo macabro, mas ao cair da noite, o frio refrescou-me a mente e abismada entendi que nada havia alí.
Por sucessivas vezes os delirios me atacaram com uma fera faminta. A febre voraz, atiçada pela esperança maquiavélica que dizia que tudo era ilusão e a verdade era a realidade que já não existia, mingou minha resistencia dia-a-dia. Na exaustão adormeci um dia, melhor, desmaiei inconsciente.
Deste dia lembro-me de duas coisas: antes de fechar os olhos clamei ao universo por clemencia. Já não sabia orar, não havia mais água para chorar e nem forças para me ajoelhar. Serenamente aceitei morrer. Fechei os olhos calmamente pela primeira vez naquele deserto sombrio.
A mão misericordiosa de Morfeu acariciou meus cabelos, fechou-me os olhos e levou minha alma a banhar-se em seus rios de águas profundas. Do meio do nada, Psiquê trouxe sua imagem à minha presença – esta a segunda lembrança – e conversamos docemente. Segue-se.
(Abraçados)
(Eu) – Saudades. Quanto tempo não lhe vejo!
        - Sim. Muito tempo. Também senti saudades, mas não posso voltar. Não tenho coragem.
-  Coragem? Como assim? O que lhe impede de voltar se estou aqui, a tua espera?
- Foste leal e dedicada. Sei das tuas virtudes. Reconheço teu carinho. Ainda sofro a influencia da tua pele e do teu corpo quente. Eu, ao contrário, profanei tua confiança, conspurquei o altar do corpo que me ofereceste confiante, violei a sacralidade da tua casa introduzindo nela o desrespeito. Envergonho-me muito e na minha vergonha – de mim mesmo, esclareça-se – magoei-te tratando-te como vilania como uma forma de me autopunir provocando tua ira.
- Não me irei todavia. Amo-te demais para tanto.
- Pois tanto pior para mim Teu perdão, tua compreensão desarrazoada, teu sentir desapegado e solicito causaram-me ainda mais espécie.
- Mas...Creio que tudo seja já passado, pois não? Aqui estamos e teus braços me abraçam como dantes!
- Não. Decerto que não. Voltei – e esta é uma tentativa de remissão – para te alertar que ele se parece comigo, mas não sou eu! Tem o meu cheiro, a minha altura e responde pelo meu nome, mas não sou eu. Que te parece o gosto que deixa na sua boca? Doce como o meu?
 - Impossível! Doce algum se assemelha aos teus lábios quando me beijam... Ele tem uma boca amarga, fria. A tua sugava-me a alma!
 - E ao seu toque, como sentes a tua pele? Como se agita a sua essência feminina? Como dantes, desces por escorregas de nuvens macias?
  - Agora que me perguntas, dou-me conta de que suas mãos não brincam com meu corpo como as tuas. Mal tocam-me e se o fazem o frenesi que causam é mera excitação nervosa. Nunca alcançou-me a alma ou lançou-me na presença do grande Deus... Não há êxtase e nem paz, ao final.
   - Pois bem,vês que não sou eu todavia. É um farsante a passar-se por mim, um fantasma a exaurir ainda mais a tua pouca energia. Não lho permita. Olha que bela construção fizemos de ti. Não deixes que avilte a obra que construímos. Chega o mal que eu mesmo, com minha covardia, te fiz!
    - Ver-te-ei novamente?
   - Não. Nunca mais, mas não chores. Fomos felizes. Temias a perda do meu corpo físico, hoje vivo em ti e quando o meu corpo se for, não lhe serei tirado, pois já não existo senão nas tuas lembranças. Guarda-as. Recolhe os sinais externos de que um dia flori teus sonhos. São lembranças sagradas de tua alma. Permanecerão lá para sempre  e tão frescas quanto menos forem expostas...
     Virei-me para beijar, ainda uma vez, teus lábios amados. Minha rosa colombiana cuja aveludada doçura tanto me encantava. Deparei-me com uma poça de água salgada ali onde antes era nosso ninho.
    De volta a realidade e ao sol escaldante do deserto, tomei das minhas lágrimas como motor e levantei viagem. De alguma forma necessitava atravessar todo aquele areal e chegar á cidade mais próxima ou, ensandecida, morreria.
    A privação pode ser uma arma de melhoria. A uva que seca deve pensar que morreu, mas na verdade transformou-se em outra fruta: mais doce e nutritiva, a uva-passa resiste muito mais e pode ser consumida de muitas outras maneiras que a uva fresca jamais imaginaria.
     Assim também eu, hoje – ao chegar ao ponto de onde parti ha um ano – ao entender que já te entregaras ao choro carpido muito antes de partires para a viagem da qual nunca voltastes, deixo todas as coisas para trás.
       Como me sugeristes, retirei todos os teus sinais visíveis. Existes agora apenas em mim. Enterrei-o com tuas lembranças.
        Volto à vida sem sentimentos, sem tua presença, sem nada. De mãos vazias e olhos limpos – tanto quanto insones – vi o nascer do sol de hoje. Celebrei nossa despedida. Estou mais forte, mais doce, menos crente. Talvez Deus seja mesmo o Deus dos fortes, dos que vivem por si mesmo: sem esperar, sem reclamar, sem querer nada que não seja mais um dia para ser funcionalmente uteis!