domingo, setembro 24, 2006

Sobre um menino

Naquele momento era apenas um menino assustado com os mistérios da noite e a mãe que segurava sua mão pequena e trêmula, nada mais havia e não poderia ser diferente: aconchegou-lhe o rosto entre as mãos em concha e secou-lhe as lágrimas com sorrisos-sol, beijando cada sulco com a suavidade de uma brisa vespertina!

Era apenas um menino diante da primeira perda, da dor primerva do desencontro e seus olhos escuros, costumeiramente brilhantes, eram poços de interrogações e espantos. Um menino assustado e com medo precisa de colo e amor e seus braços o envolveram como se fosse um grande cobertor tecido com as mais puras fibras do coração, trançados no tear do reconhecimento e acolhida, forrado de carinho e aceitação. Não era pequeno, nem fraco, só estava com medo, sozinho na noite escura da vida!

Sua vela, acreditara piamente nela, não fora forte o suficiente para clarear o caminho e a claridade bruxuleante projetara nas paredes da mente sombras assustadoras na noite fria. A trovoada, os relâmpagos e o ribombar dos trovões aumentaram o tamanho e a aterradora feição das sombras. Teve vontade de gritar, dizer que sentia medo, mas teve mais medo ainda de confessar tal fraqueza e calara. A alma aflita, presa no corpo calado, gritou mais alto, consumindo a energia vital, instalando a doença e a dor física porque a dor do corpo é aceitável , então gritou alto a dor que recendia pelo corpo mas que na verdade era da alma...

Ouvi seu grito. A princípio um murmúrio no meio da noite, um soluço abafado pelos travesseiros altos. Chegou-se pé-ante-pé e passou a mão em seus cabelos...Cabelos de menino, tão fino e suave como uma folha de grama dançando ao vento!

Alisou seu pêlo macio e, nunca soube ao certo se a ternura do seu toque ou apenas o medo da solidão, fez com que levantasse os olhos para ela. Olhos mudos e profundos, olhos brincalhões e brilhantes, olhos mutáveis como a cor do céu no correr do dia.

Continuou a acariciar-lhe o rosto porque o rosto é sempre a parte física da alma e tocar o rosto é como tocar a alma e cantou uma canção de heróis e fadas. Cantou uma música que nasceu do coração, do mar e do vento porque nesses elementos são forjados os heróis e o menino assustado era assim: um herói, um general que vencera muitas guerras mas que tinha medo na noite escura da fé.

Contou baixinho a história de heróis guerreiros e da tribo de vencedores da qual nascera e assim foi lembrando a sua alma que a glória dos heróis não consiste em não ter medo mas em ser capaz de enfrentá-lo. E enquanto sussurrava essa história, bem baixinho para não assustar ainda mais, tão baixinho que o medo nem percebeu que fora descoberto, se ouviu o grito profundo que ecoou meio da noite.

Fazendo um movimento suave mas firme, alargou os braços para poder conter tanto espanto e cobriu-lhe o corpo largo e grande com a extensão delicada dos seus pequenos braços e como em um milagre, que só a maternidade pode explicar, abarcou a imensidão do mundo em si... Naquele encontro havia medo e fé e a força do carinho fez do pequeno grande que se mostrou menor ainda para poder conter em si a imensidão.

E os seus braços de criança envolveram o tronco adulto com a ternura de uma brisa atravessando o bambu e suas mãos em concha guardaram o rosto cheio de susto e medo e sua barba era apenas um arminho macio a tocar-lhe as palmas das mãos.

Beijou-lhe a face para secar as lágrimas tentando achar a porta que traria luz na noite escura da fé!