segunda-feira, dezembro 28, 2020

Conto de Natal


 

Esta estória - eu deveria dizer história porque é real, aconteceu de fato, mas como não consta dos anais oficiais, dos compêndios escolares, terei que dizer estória -  se passa nos idos dos anos 70.

Não sei o mês e nem o ano, sei que aconteceu aqui, nesta esquina ao lado, em uma cidade do sertão alagoano. Deveria ser entre 17 e 18 horas, pois naqueles tempos havia hora para tudo:
Íamos brincar na calçada às 17:00, mas às 18:00 entrávamos porque já era tarde e tínhamos que tomar banho para jantar, o que acontecia, impreterivelmente as 19:00!

Eu morava duas casas a partir dessa esquina e minha amiga na próxima casa após a minha.

Em relação a minha amiga quero ressaltar duas particularidades: ela era um tanto mais velha que eu, talvez tivesse uns 10 ou 11 anos, mas naqueles tempos éramos todos crianças até muito tarde e anos mais tarde, trabalhamos, ambas, na Caixa Econômica Federal, sem nunca mais – desde que nos mudamos de bairro – tenhamos voltado a nos encontrar. Aposentou-se, pelo que sei, trabalhando na agência Rosa da Fonseca, em Maceió, Al.

Pois bem, naquela tarde, resolvemos brincar de contar uma para outra como eram nossos maridos e filhos, como era nosso dia-a-dia, nossa casa... A psicologia chama isso de pareamento e explica que é uma forma como as crianças aprendem a lidar com as emoções e fatos do cotidiano.  Talvez, por isso as crianças de hoje sejam tão estressadas: não dá para parear   emocionalmente o Youtube...

Eu não me recordo como descrevi os meus filhos ou a minha casa, mas recordo-me perfeitamente sobre como era o meu marido porque demorei cerca de onze anos até ver alguém muito parecido nas telas dos cinemas e cerca de vinte e três anos até vê-lo, exatamente ele, pessoalmente!

Como acontece com toda menina, nessa idade, meu pai era o homem mais bonito que eu já havia visto, o mais cheiroso e o mais elegante. Meu pai era perfeito e eu era capaz de brigar com qualquer pessoa que tentasse me demover dessa ideia, mas ao descrever, para minha amiguinha, o meu marido, enxerguei um homem muito mais bonito e elegante que meu pai.

Em uma família onde não havia homens com barba ou cabelos grisalhos – nem mesmo cheguei a conhecer meus avôs- meu marido tinha uma barba fechada, cabelos muito alvos, mas não era velho, e era muito mais alto que meu pai que com seus 1,72 tinha uma dimensão gigantesca para meus sete anos de idade.

A voz dele era como um trovão, mas também como uma música e eu não sabia definir. Sem todas as palavras e sensações que eu conheço hoje, eu só soube dizer que a voz era diferente de tudo que já ouvi e que ele tinha um perfume diferente, especial, e – elogio dos elogios – era muito, muito mais alto e bonito que meu pai!

Não sei em quais gavetas da minha memória tudo isso ficou, só sei que muitos anos depois, voltando do cinema declarei convicta que havia conhecido o homem dos meus sonhos, mas que infelizmente ele morava na Inglaterra e era um cavalheiro da rainha. Meu pais riram da minha infantilidade, afinal eu já era bem crescida para me enamorar de um personagem de cinema, não sabiam eles que eu falava literalmente: pela primeira vez eu havia visto o homem dos meus sonhos, ou algo muito próximo dele!

A vida sempre segue em frente. Ela não para você se consertar, juntar os pedaços ou se levantar. Simplesmente segue e você tem que correr atrás e assim meu sonho foi novamente soterrado e voltava de quando em vez em algum filme nas telas do cinema e depois em uma coleção completa de DVD’s que comprei: toda a coleção do referido ator.

E nas voltas que a vida dar, um dia precisei mudar de setor no trabalho. O colega que me indicou para a vaga foi enfático ao me dizer que eu trabalharia com um dos homens mais educados e elegantes que ele já conhecera, fato este que tive o prazer e a oportunidade de verificar pessoalmente depois e ao longo dos muitos anos que já nos conhecemos.

Desloquei-me, então, no horário marcado, até a sala assinalada pelo meu colega, para apresentar-me a uma entrevista de vaga. Jamais vou esquecer o coquetel de emoções que me invadiram quando, abrindo a porta de acesso ao Núcleo, vislumbrei pela divisória de meio vidro – carinhosamente chamada de aquário – exatamente o homem dos meus sonhos. Exatamente aquele que eu havia descrito.  Fiquei paralisada olhando sem acreditar no que via. Ele era tal e qual como eu o havia descrito nos idos da minha infância!

Ele vestia um terno azul escuro, muito elegante, e uma camisa tão branca que era capaz de ferir os olhos. Uma gravata impecável no mesmo tom do terno. Usava óculos de meia lente, apenas para leitura, e armação dourada. Estava absorto na leitura de documentos, mas olhou para o lado sobre o ombro, por cima da lente, e gesticulou para que eu entrasse.... Eu queria sair correndo, queria entrar e queria continuar ali, parada, olhando...

Não tenho registro de nada que falamos. Entrei no modo automático, enquanto o emocional tomava conta de mim e analisava cada detalhe: havia uma carteira de Carlton sobre a mesa. Aliança na mão esquerda. A voz era exatamente como eu imaginara naquela tarde e agora eu sabia como traduzir o que antes classificara como diferente: era um tom de comando irrecusável, mistura de mil cascatas e tambores de guerra, trovões e canções de ninar. Era a nona sinfonia de Beethoven, tendo ao fundo o Noturno de Chopin. A sensação que essa voz causa é indescritível. Ainda, nesse momento, enquanto escrevo, consigo sentir o efeito dela sobre mim!

Não sei quanto durou nossa entrevista, tão pouco sobre o que falamos, tudo que sei é que fui aprovada e teria trabalhado com ele até o final da vida, se ele não tivesse mudado de setor algum tempo depois.

A vida segue sempre em frente, é indomável e nas suas voltas voltamos a nos encontrar. Gentilmente –ou seria galantemente? – ele me mandou uma foto para que eu atualizasse a lembrança de como ele era. Não havia o que atualizar: ao longo dos anos, minha mente se mantivera atualizada e eu sabia exatamente, sem medo de errar, descrevê-lo em detalhes!

Certa manhã, no trabalho, o telefone tocou para mim e quando atendi senti a mesma inexplicável vontade de fugir e ao mesmo tempo de ficar calada apenas ouvindo, mas reagi e atendi enquanto meus joelhos fraquejavam e eu caia sentada, sem forças para ficar em pé.

Durante doze anos vivi nas nuvens. Sentia-me abençoada, soprada pelos anjos com direito a um plus super especial. Quantas pessoas tem o privilégio de dizer que desfrutam da companhia do seu sonho de infância? E mais, que ele é tanto quanto e até mais do que você imaginava? Sim, porque havia muitas qualidades que minha imaginação de criança não conhecia, mas que minha personalidade de mulher pôde observar, desfrutar e saborear.

Jamais pude imaginar que seria possível ser tão feliz quanto fui ao seu lado, mesmo atravessando todas as turbulências que atravessamos. Tenho consciência que algumas vezes me faltou tato, em outras me sobraram lágrimas, mas quem é perfeito? Somos todos seres imperfeitos em busca de quem nos complete e nos aceite com os defeitos, rachaduras que temos.

Eu não sei absolutamente o que ele pensa de mim ou desse tempo que passamos juntos, mas sei que ao olhar para ele nunca observei suas rachaduras como falhas, como defeitos, mas como marcas que o tornaram a pessoa especial que é. Sua beleza é exatamente sua resiliência, sua capacidade de se manter inteiro apesar das rachaduras e olhar essa integridade sempre me deu confiança e me ajudou a ficar mais forte.

Quantas vezes um abraço, uma palavra ou simplesmente aquele sorriso no canto olhos, foi suficiente para acalmar meus medos, me apontar o caminho, segurar minha mão e dizer: vá em frente! Eu me sentia como uma pipa capaz de voar muito alto com alguém em terra manejando o cordão com firmeza. Era muito bom ter para onde voltar.

Há quase quatro anos ele saiu pela porta sem me dar qualquer motivo plausível e se foi sem olhar para trás... Saiu do meu mundo real para ser incorporado ao mundo das lembranças, e com isso se tornou ainda mais real. Não há um só minuto durante o dia em que sua lembrança não esteja comigo, desde que acordo pela manhã e mentalmente lhe dou um beijo de bom dia, até a noite quando volto a apresenta-lo em minhas orações.

Há quase quatro anos, eu espero todos os dias que ele mude de ideia e – da mesma forma como se foi – resolva simplesmente tocar a companhia e voltar! Ele é parte de mim, como aceitar perde-lo? Eu o espero a cada dia, a cada nascer do sol e isso me mantem de pé, e é essa esperança a cola que fecha essa enorme rachadura causada pela sua ausência: a esperança de que um dia ele entenda o quanto somos especiais, o quanto ele é especial para mim, e então volte como o sol que renasce após um rigoroso inverno!


domingo, novembro 22, 2020

Final de Tarde

Vi a tarde escorrer pela janela e a noite chegar sutilmente.

Enquanto os últimos raios do sol foram substituídos pela lâmpada do poste em frente, eu só queria que você, por alguns minutos, estivesse aqui.

Meu desejo é frugal, simples como uma tarde de outono. Resumia-se em deitar a cabeça no seu peito largo, aconchegar-me entre seus braços, sentindo suas mãos deslizarem pelos meus cabelos e, de olhos fechados, aspirar seu cheiro, desfrutando a proteção que emana de você.

Nada mais que desfrutar da largura e força de sua presença,

da suavidade do seu carinho, do prazer de saber que existe alguém maior, mais forte que eu e relaxar tranquila, cedendo o controle por alguns minutos.

Na tarde que escorreu rapidamente, seu sorriso luminoso teria segurado o sol por mais horas, preenchendo de forma absoluta todos os espaços vazios, devolvendo-me absolutamente a sensação de pertença que tanto procurei por toda a existência...

Sento para um café. O lugar vazio, aumenta a força da sua ausência. Sua xícara pousada, à espera que você venha juntar-se a nós, me repreende silenciosamente: Como eu deixei você partir?

Sorrio sem jeito e num sussurro respondo que não foi culpa minha, mas ela não me ouve e projeta nas minhas lembranças seu sorriso luminoso, o som de sua voz enchendo toda a casa, mesmo quando falava baixinho, seu cheiro na minha pele, nos meus lençóis, em mim mesma..

Seu sorriso brilha sobre toda as minhas lembranças como um segundo sol que  se apaga em contato com a realidade, fria e escura como a noite que já reina absoluta lá fora... Só lá fora? Aqui dentro faz frio, muito frio.




 

segunda-feira, janeiro 20, 2020

Afogada em limitações


                Hoje acordei afogada na superficialidade limitante das pessoas à minha volta. Minha alma, num esgar desesperado, gritou basta! Sinto falta de você, dos nossos compartilhamentos, das suas poucas palavras tão cheias do universo...
                        Não há ninguém que entenda o envio da lua em seu esplendor no céu, uma orquestra sinfônica, a imagem de um campo florido, uma peça de Schubert, um seriado intrigante, um filme emocionante, uma doce canção de ninar. Ninguém sabe me falar dos mistérios das estrelas ou conhece seus caminhos.... Sem a delicadeza de um café sorvido com gosto, toda e qualquer outra coisa resta supérflua e deslocada.
                        Para quem dizer me abrace, tenho medo ou me lance para que eu desça pelo arco-íris, se não há braços capazes de me conter? Quem pode me segurar se ao final e a cabo, todos são tão menores que eu??? Só você era maior, capaz e forte suficiente para me suster nesse delicado bordado da vida onde agora voo como uma folha solta ao vento...
                        Seguro-me nas lembranças e enquanto jogam pedras de descaso no meu oficio, seus olhos brilhantes repetem na minha memória a frase curta, quase simplória, mas que me alenta a cada dia: minha advogada! E no meio de uma imensidão de tantos faz, ainda julgo escutar um homem que dizia nunca pensei em namorar uma advogada, a minha advogada... E os braços que me elevaram acima da espuma macia, transmitiram, à minha alma, uma confiança que ainda me segura.
                        Sem sua ponta seca, inútil é meu compasso. Não sabe mais traçar os arcos de uma vida que ficou sem cor, sem sabor, como um sal que já não salga, apenas seca.
                        A quem ainda posso perguntar qualquer coisa, perscrutar qualquer assunto sem jamais me encabular, envergonhar ou me sentir menor? Com quem falar sobre sexo, politica, esportes, estrelas e música, medos, desejos sem medo? Apartada da sua inesgotável profundidade já não sou uma das meninas de Renoir: Não há tela capaz de me refletir, como não há braços capazes de me abraçar porque não basta ter envergadura física, mister Ser Capaz de o fazer.
                        Hoje acordei cansada das superficialidades das palavras vãs e desejei vê-lo tocar a companhia e entrar, sentar-se para um café e apenas degustar o suave prazer de lhe olhar.... Se tivesse coragem – será que teria? – Apenas pedir: Me abraça? Nada mais...
                        Talvez estendesse, tímida, a ponta dos dedos para tocar seu cabelo macio – sinto tanta falta de acaricia-lo, sentir-lhe o perfume, o cuidado – mas a vontade mesmo seria de beijar sua boca macia e quente que costumava tocar-me a alma...
                        Já nem ouso imaginar como seria ter novamente seus dedos tamborilando aquela suave canção, mas ainda sinto o cheiro fresco de sua pele sobre a minha quando enterro o rosto entre os travesseiros tentando, inutilmente, encontrar a barba, o peito e o olhar ...
                        O que eu não daria para o ter de volta? Não sou capaz de imaginar nada que eu não pudesse trocar: anos de vida, qualquer tipo de fortuna, tudo eu entregaria se o pudesse novamente reconquistar.
                        Nem bem me lembro das conjunções porque ao evocar tais imagens, ao ver seu corpo projetado na tela da memória, sempre paro nos seus olhos que iam se apertando, as pupilas pequeninas como se abraçassem forte a imagem que refletiam e meus olhos turvos, nesses momentos, chamam seu nome sem conseguir se conformar.
  A ausência dói como jamais imaginei que algo doeria. Não ter você é como se faltasse uma parte essencial de mim, como se o próprio Deus – à guisa do que fez a Jó – me estivesse testando a resistência e sanidade: cada dia de uma vez e uma esperança louca e desarrazoada de que um dia eu vou acordar e ao abrir os olhos novamente lhe ver...





sábado, janeiro 04, 2020

Pour toujours le vôtre ou uma alegria triste

Gardez moi simplement
Sans parler, sans penser
Sans pleurer pour toujors
(Grandez Moi Simplement - Sylvia Telles)

Compartilhar no Facebook

                       
                              Recordo-me com exatidão da primeira vez que o vi!
                        O soco no estômago que senti, a admiração profunda pelo seu terno azul impecável, os ombros largos, a camisa de um branco alvíssimo. A majestade de um príncipe, a voz tonitruante e minha completa paralisia diante dele... A crise de idiotice de que fui tomada naquele dia, repetiu-se, e se repetirá sempre, todas as vezes em que estive em sua presença.
                        Recordo-me da primeira vez que saímos juntos: Não era, e nem pretendia ser, um encontro entre um homem e uma mulher. Eram dois velhos colegas de trabalho reunidos para um almoço.... Misteriosamente meus braços tornaram-se maiores que meu corpo, eu estava desconexa, como nunca fui em toda a minha vida. Derrubei comida no chão, quase virei o copo de suco, e não disse uma só palavra com nexo. Sequer consegui articular uma conversa inteligente, mas, ao chegar em casa, havia uma delicada mensagem agradecendo pelo almoço e perguntando se eu estava bem...O sorriso bobo que se abriu no meu rosto durou muitos dias, enquanto uma suave sensação de graça tomou conta de todo o meu corpo.
                        Tanta água passou por baixo da ponte até acontecer o nosso primeiro encontro e lá estava eu, ansiosa e com medo de errar. Como se erra em um encontro? Até hoje não sei responder essa pergunta, mas lembro do terror que me congelou quando descobri que a piscina a que nos dirigíamos não era exatamente a do clube... E agora? O que fazer? Um vulcão, um terremoto dentro de mim e não sei de onde apareceu aquela força suave que me inspirou e conduziu... E lá estava eu fazendo algo que jamais havia feito antes – e ouvindo depois, muitas e muitas vezes, que fora perfeito - ... E o medo da vulgaridade - que jamais chegou a se aproximar de nós dois durante o oitavo de século que nos uniu – desapareceu lentamente...
                        O medo sempre constante de não haver uma segunda, terceira, quarta, n vez. A tranquila segurança dos seus braços fortes, a alegria do seu sorriso luminoso, a certeza do seu conselho equilibrado. A primeira desavença e o seu olhar gélido me penetrando a coluna, partindo minha alma em duas, enchendo meus olhos de lágrimas sentidas. O desespero de me sentir perdida e sem saber o que fazer, como reagir... O medo de lhe perder, convertido hoje no desespero resignado de lhe ter perdido... O mesmo desnorteamento que sinto hoje, senti naquele dia!
              A alegria da sua volta – que durou uma eternidade – mas que chegou como a primavera chega aos campos gelados  trazendo renovo de vida...
        Todas estas lembranças são vívidas como se tivessem acontecido ontem, tudo enleva e dói, da mesma forma pungente, exigente, total.
        Na segurança do seu carinho eu cresci e floresci e me espalhei e cri que havia criado raízes!
                        O medo nunca desapareceu. As vezes colocava seu rosto feio na janela, mas seu sorriso franco e ensolarado afastava esse espectro terrível e eu voltava a sorrir.
                        Como posso esquecer que podia conversar sobre absolutamente tudo com você? Como me olvidar a absoluta segurança em me expor, em sentir, em perguntar? De sexo a política, passando por religião ou filosofia, que assunto não conversarmos? Era uma clareira de luz, poesia e encantamento.
                        Impulsionada por você, estudei mais, me aperfeiçoei, batalhei e venci muitas vezes e minha recompensa maior era seu sorriso orgulhoso. Era ouvir você dizer em qualquer contexto minha advogada e notar seus olhos brilhando e aquele sorriso, que poucas pessoas percebem, pendurado no canto dos seus olhos.... Esse era o melhor dos honorários!
                         Os amigos que diziam que a forma como você pronunciava minha advogada fazia com que qualquer um quisesse ter uma advogada, quisesse me ter por advogada.... Nada, nenhum prazer poderia ser suplantado por isso. Nenhum elogio melhor que esse. Era o meu pagamento perfeito, irretocável, melhor que milhões em alvarás, melhor que uma aliança, muito superior a um sobrenome porque me parecia real, você em essência. Único reduto do Universo exclusivamente meu e seu. Não precisava de público, não precisava ninguém saber...
                        A segurança do seu abraço e o calor do seu olhar, a luz do seu sorriso e o medo de um dia não ter nada mais disso caminharam ao meu lado durante todos estes anos, mas o medo foi ficando muito tênue a medida em que você me alimentava com uma confiança – que sempre li como lealdade – renovada a cada dia.
                        Até hoje não entendo como foi que um dia você se foi para voltar e nunca mais voltou e quando voltou apenas chegou, sentou e escutou, mas não ouviu, não explicou e não me acolheu, apenas foi embora sem olhar para tras... E hoje meu mundo é diferente e minha alegria é triste porque sem você nenhuma cor existe!
                        Não há abraços como o seu e nem sorriso que persista. Não há conversas ou canto coral, não há confidencias e nem ninguém maior e mais poderoso que eu a quem recorrer quando estou com medo. Ninguém capaz de segurar a pipa para ela voar, de apoiar o compasso para ele traçar o circulo perfeito que vai da morte a vida infinitamente.
                        Meus dedos miúdos tocaram, com suas pontas, as estrelas, grãos de eternidade, mas todo meu ser foi abruptamente precipitado no sétimo inferno onde nem luz e nem cor penetram.
                        Perdida no meio do nada, os abraços são nós que apertam e não laços que unem e no escuro que sua ausência me deixou, nunca mais vai haver outro sol, apenas a chuva contínua que corre pelo meu olhar...
Brasília, 04 de janeiro de 2020