terça-feira, junho 24, 2008

Yule

O coche nos pegaria às 17h30min, no cais de pedras pretas, coladas à parede por cimentos fortes e barras de ferro.

Escolhi as peças do vestuário com toda a expectativa e reverencia de um cerimonial, afinal os tambores tocam o máximo declínio do deus sol, seu sono, o sono do ventre da terra, das sementes, a vida entrando em estado de latência.

Seguimos na embarcação vinho, menor, mais aconchegante. Gostei da escolha. Não sei por que, sinto-me melhor nela que na imponente nave prata e enquanto singrávamos as serras, descendo e subindo, conversávamos sobre coisas corriqueiras atualizando assuntos mundanos, trocando conhecimentos.

Logo avistamos Avalon, no topo da colina, cercada por uma nevoa fina que os raios do sol mortiço tornava ainda mais mágica e à medida que nos aprofundávamos no portal construído por árvores entrelaçadas, o barulho da cidade se distanciava. O mundo das fadas assumia o controle do tempo.

Pequenas e coloridas flores margeavam o caminho, nasciam entre as pedras irregulares que atapetavam o chão de terra vermelha.

Mais uma curva, mais uma elevação e o cais fechou-se atrás do coche.

A porta abriu-se para uma escada de granito cinza: degraus largos, uns cinco ou seis, não mais. Ao atingir o primeiro degrau recebi minha coroa de rosas. A senhora das rosas, a mulher em plenitude, a natureza desperta que irá adormecer.

Mãos firmes, serenamente ansiosas, buscando os caminhos, detalhes, inspirações.

Um suave e revigorante perfume de canela precedeu a entrada no salão elegantemente discreto. Pequenos arranjos em estilo oriental davam graça e aconchego a um espaço onde tudo falava de horizontes sem fim.

Fosse eu Morgana, a rainha das fadas, e não teria duvidado nem por um minuto que aquele homem era Arthur, o rei dos bretões. O meu irmão mágico, o amor de minha alma, o gamo-rei!

Elegantemente vestido, ele era parte imanente de todo aquele espaço. Estivera ali por todo o tempo, desde a eternidade.

Seu porte, seu talhe, sua voz pausada e grave, seu olhar sério e brincalhão... Sua pele branca crestada pelo sol, seus tipo viril. Majestoso entre todas as majestades, a figura de Jerez não admite perguntas, dúvidas, titubeios...

No embate que repete o momento primeiro em que o mundo se criou, sua força suave é invencível, seu comando ritmado e firme, indescritível e sua vitória inquestionável, ainda que se pergunte: haveria vencidos e vencedores?

O aroma do prazer, da fome de vida que foi mitigada, espalha-se pelo ambiente, derrama-se nos corpos exaustos, reflete-se no mais belo sorriso que jamais vi!

O deus sol é o menino da promessa, como a senhora das rosas é a mulher em sua plenitude. O cheiro de canela e a beleza do sol; o feno macio como cabelos em desalinho, o calor de um abraço, a música de um sorrir e seu rosto encaixado na palma de minhas mãos em concha.

Água de cachoeira e o tempo que, na ante-sala, bate a ponta do pé insistente.

A terra das fadas e sua magia.

A realidade que nos suga de volta, para o barulho, para uma outra vida...

O coche retoma o túnel, desce e sobe as serras, sua mão permaneceu esquecida sobre meus joelhos. Um carinho, um toque de ternura, um gesto apenas... Uma coroa para a senhora das rosas, uma chuva de pétalas de rosas a cobrir-me e untar-me a pele com indelével aroma, o teu aroma!

O tempo dos homens e vida cotidiana que se re-instala.

Cantarolo baixinho: Saí à toa nessa madrugada/Sem saber porquê/A noite daqui é tão linda e faz me perder/Penso num belo horizonte em poder te ver/Sei que eu não tenho mais nada a perder/Se eu não tenho mais nada a perder/No meu peito eu tenho você/É nessa estrada que eu quero estar/Eu quero o dia, a noite e o mar e cantar/... / Onde está você meu amor?/Eu preciso de um pouco de calor

Nos bosques ainda cantam a música da senhora das rosas... Senhora quem chamais /quando passo ao vosso lado /senhora quem olhais pondo /os olhos no passado /Senhora é bom esquecer /esse triste amor ardente /pois não sabeis viver /ao sabor do amor ausente /Não há rosas pra vos dar /tenho alguém por quem esperar /Senhora o meu amor /não vive num castelo /senhora o meu amor /é doutro olhar mais belo /Eis as rosas que lhe vou dar /há mil rosas pra eu lhe dar

-- "Todos os deuses são um só D'us!"