sábado, setembro 18, 2021

Quase primavera

 

                        Sou uma apaixonada pela obra criativa de Deus de uma forma geral, mas as diversas capacidades do ser humano me espantam a cada dia... Como somos capazes de incorporar fatos, sabores, odores, acontecimentos, pessoas, a nós mesmos sem sequer percebemos o processo!

                        Dias atrás, tentei, inutilmente, diga-se de passagem, lembrar seu cheiro. Lembrava-me perfeitamente do nome do seu perfume, das sensações que o contato com sua pele me provocava, mas a forma como meu cérebro identificava essa mistura única e peculiar formada, de uma forma exclusiva, pela química do seu corpo ao reagir aos compostos odoríferos do seu perfume, isso a que chamamos de cheiro, não consegui lembrar!

                        Deveria ser possível guardar os aromas em potinhos bem fechados para que pudéssemos aspirar em momentos de saudade extrema, assim como posso recorrer às 
fotos quando a vontade de lhe ver bate os píncaros da vontade ou nos assalta o medo de ver o registro da sua amada face ser sobreposta por tantos outros registros diários.. Guardo, com ciúme infantil, pequenos e raros áudios por meio dos quais posso sempre verificar que ainda sei exatamente como é a sua voz, mas o cheiro, ah! O cheiro não tem como guardar...

 Ontem, era final de tarde eu andava lentamente apreciando as maravilhas da luz nessa já quase primavera que se aproxima, quando, repentinamente, meu coração disparou como uma criança assustada e todo o meu corpo se voltou em uma direção que não entendi de imediato, mas que em fração de segundos pude entender do que se tratava.

                        O fantástico foi que entendi tudo de forma instintiva, sem passar pelo entendimento, pela mente, pelo racional... Foi o coração disparado, o corpo trêmulo, os joelhos duvidosos em sua capacidade de suster o corpo que me explicaram que reconheci pairando no ar sua assinatura olfativa!

                        É. Eu pensava ter esquecido o seu cheiro, aquele verdor leve e forte, fresco e limpo, como uma água cristalina no seio da floresta, mas identifiquei, como se pudesse sentir  uma parte de mim mesma que se perdera, quando atravessou o meu caminho algo muito próximo ao que meu cérebro reconheceu como sendo você!

                        O mais interessante foi que não havia ninguém por perto, não passou de uma ilusão olfativa, um delírio de saudades, diriam alguns, que teve o efeito potencializador de aumentar ainda mais a falta que sinto de você!

                        Em tudo isso, surpreende-me observar que transcorridos mais de quatro anos desde que você decidiu afastar-se de mim, tudo ainda é perfeitamente atual: recordo-me de você como se houvéssemos nos visto semana passada e a saudade dói como se tudo acontecera ontem... A regra de que o tempo é o pai do esquecimento não se aplica a mim: levo você por onde vou!

         Cada pôr-do-sol, luar, paisagem ou momento emocionante, ainda são compartilhados com você, muito embora minha mente me obrigue a, na esmagadora maioria das vezes, fazer esse compartilhamento de forma telepática.

Quantas saudades  eu sinto do meu melhor e maior amigo e, claro, do meu namorado e do seu sorriso e do seu cheiro gostoso e do seu abraço enorme onde sempre me coube tão perfeitamente

           Sujeito-me ao respeito que devo a sua decisão, mas insurjo-me face ao desconhecimento dos seus fundamentos – talvez essa a dor mais profunda, a de não saber porque – e a consequente impossibilidade de corrigir um eventual erro meu.

                     A angustia inicial transmutou-se em resignação e agora apoia-se na esperança de uma possível reconsideração, algum dia, afinal, tudo sempre pode mudar!

   


          Sigo descendo a rua. O sol mergulha no horizonte tingindo o céu de um gradativo negrume. As lágrimas também se recolhem enquanto me dirijo à condução.

No meu ser existe um lugar, cuja porta nunca se fecha, e que tem por nome saudade. Bem na entrada há uma placa onde se lê: você!