segunda-feira, outubro 15, 2007

Sonho



Tishrei 5767

Quem pode dizer aonde vai a estrada ?
Para onde vão os dias? Só o tempo...
(Only Time -Enya)


Fecho os olhos buscando conciliar o sono reparador de um dia agitado. O vento chega pela janela e brinca com meus cabelos, percorre o meu corpo, agita, levemente, a barra do lençol parecendo querer imitar a doçura dos seus dedos quando tocam minha pele como se fosse cordas de uma delicada harpa.
Na sua ausência, abraço o travesseiro procurando no contato das plumas o doce carinho da sua pele. Respiro profundo buscando no ar o seu cheiro. Escorrego para o mundo dos sonhos e para lá de todas as fronteiras damos-nos as mãos alegremente.
Num espaço onde não há proibições ou limites para todas as formas de querer, somos alegremente livres enquanto as paisagens matizadas em amarelos, lilases e brancos se sucedem com o vento acariciando nosso rosto trazendo o cheiro das rosas silvestres, cheiro de primavera.
Acompanho atenta o traço que seus dedos traçam no ar, em direção ao céu, mostrando-me algo, descrevendo um fenômeno qualquer que já não me lembro o que era para encontrar-me, a seguir, encaixada entre seus joelhos partilhando um sanduíche,um suco, um beijo.
Do alto, onde a roda gigante parou, a cidade é linda com seus milhares de olhos luminosos, estrelas terrestres que os homens acendem para não esquecer que pode existir um paraíso de claridade e harmonia. Faz frio e seu abraço me puxa para perto, me aquece enquanto sorrio, moleca, a lambuzar-me com um róseo algodão doce.
O carrossel e sua música mágica, o perfume das flores, os carrinhos bate-bate e novamente o ar da noite a nos brindar com seu perfume e frescor enquanto a lua ilumina a estrada, as ruas, o seu rosto que não vejo mas imagino sorrir, divertindo-se ao me observar tão criança na felicidade de sua companhia...Assim é, a felicidade exige que nos tornemos crianças e brinquemos com bolhas de sabão pois deste material é ela feita: contas de contar lembranças!
Abraço seu tronco firmemente, aconchego-me a você sentido seu calor quando os primeiros raios do sol, suavemente, tocam minha retina.
Acordo com os olhos marejados de saudades!

domingo, outubro 14, 2007

15 Tishrei 5767

"Creio que foi o sorriso, sorriso foi quem abriu a porta. Era um sorriso com muita luz lá dentro, apetecia entrar nele, tirar a roupa, ficar nu dentro daquele sorriso. Correr, navegar, morrer naquele sorriso."

(Eugênio de Andrade)

O calor está insuportável, decido tomar um banho para ver se melhora. Minha imagem refletida no espelho abre uma janela no tempo e cola sua lembrança, como se me olhasse refletida nos seus olhos.

Sorrio à lembrança da confissão de que o encabulo. Como posso encabular você? Logo eu que me dispo a sua frente sem qualquer tipo de pudor! Mostro-me inteira, numa infinidade de nuances que fazem de mim criança e mulher, doce e voluntariosa – rebelde, como você diz, convicta como me entendo ser – brincando com a espuma ou me perdendo na imensidão aconchegante do seu abraço. Sou eu, apenas eu, frágil como uma libélula pousada na sua mão, necessitando tão somente ser aquecida pela intensidade do seu olhar.

Como pode a verdade ser constrangedora? A verdade é apenas a verdade e a beleza que vejo em você não se restringe às colunas jônicas a que chamas, modestamente, pernas ou ao talhe que em nada desmerece uma estátua renascentista. Tão pouco me refiro aos olhos vivazes, buliçosos, sempre em observação ou ao sorriso escondido nas extremidades dos lábios cerrados. É tudo isso, mas é muito mais...

Sua beleza, cariño, é tudo isso, mas é muito mais e este mais não é só a sua elegância ao andar; ao vestir, com a mesma majestade, um jeans ou um terno; não está só na forma correta e discreta de falar ou no som de trovão que desce macio pelos seus lábios. Sua beleza vai além, além da forma firme e doce como me repreende, me acarinha, me denga; vai além do desejo com o qual se apresenta para o banquete dos corpos e da ternura com que me recebe em seu colo, abraçando-me e sorrindo como fazemos quando observamos crianças brincando; sua beleza é muito mais que isso e tudo isso também.

Nada tão belo quanto o seu abraço que se desmancha num sussurro de prazer para recompor-se no aconchego que tanto aprecio e onde observo seu rosto sereno, olhos fechados, emergindo, lentamente, do êxtase em que mergulhamos.

Entende o que quero lhe dizer? Alcança a dimensão da sua beleza? Vai além do que Michelângelo conseguiria entalhar no Carrara, pois ultrapassa a beleza helênica com que desenharam seu rosto; vai além de tudo para ser você , sua essência, sua natureza.

E tentar definir tudo isso é como tentar descrever o mar para quem nunca o viu: assustadora, magicamente belo, indescritível pois como diria o aviador do Pequeno Príncipe:

“ ...quer se trate das casas, das estrelas ou do deserto, o que lhes empresta beleza é invisível, pois o essencial é invisível aos olhos!...”

ou

“... e eu me pergunto: haverá algo de assim tão errado em se procurar a beleza no que não se vê? Se não, então porque continuarão as pessoas sempre em busca dela só no que os olhos captam?”(SmallHeaven blogspot .com – Lisboa, Portugal)

Sua beleza? É tudo isso e muito, muito mais!

Sonhei acordada

11 Tishrei 5767

Nossa, fui atropelada por uma moto com o homem mais lindo que já vi! Será efeito dos novos óculos? Se for, realmente eu estava precisando deles, mas não é,não, fui atropelada mesmo e ainda agora, recostada no vão da janela, a pele arrepia só de lembrar!

Estou na mesma varanda de sempre, a sentir o vento no rosto, observando o mar longinquamente, sentindo o cheiro da vida e catalogado as boas coisas, contando as bênçãos que recebo, admirando, extasiada, a maior delas que é a sua presença na minha vida!

Você chegou de jeans, o rosto lindo escondido pelo capacete que deixou a mostra apenas e tão somente estes olhos que falam mais que mil palavras juntas e sintaticamente ordenadas; o corpo firme, bem torneado, exarando toda o charme másculo que possui, através do jeans; os pés perfeitos encobertos pelo tênis; a moto elegante, seu nome de guerra em vermelho para contrastar com a carenagem branca, com os detalhes pretos...Cores que revelam sua essência de paz, sabedoria e muita energia! Eu ali, parada, a querer arrancar cada uma daquelas proteções que lhe mantinham afastado do meu toque, do meu olhar, embora completamente envolto pelo meu querer que explodiu como um objeto submetido a pressões extremas...

Seus olhos sorridentes entregando-me o mimo, pedindo desculpas incabíveis – era eu quem tinha que me desculpar por fazer pedidos tão extravagantes, por lhe incomodar, por perturbar a sua rotina, por lançar os olhos sobre coisas que não são minhas – e eu, estática, com um sorriso bobo, completamente paralisada, hipnotizada pela sua presença como uma criança diante do que ela imagina ser Papai Noel...

As vezes sou tão absurdamente idiota! Porque não pulei na garupa e disse: vamos dar uma volta, aqui mesmo na rua já que não temos capacetes extra! Abraçaria seu corpo bem junto ao meu para não cair, será que não cairia? Ái, adoro cair mas para que me levante rápido e forte como sempre faz. Cair extenuada de cansaço após a batalha deliciosa dos corpos , cair na gargalhada como criança feliz a desembrulhar presentes adivinhando pelas ranhuras o que tem dentro do pacote.

Vem cá e me toma pela cintura – certamente não precisarás de mais que dois dedos tão pequenina sou diante da sua estatura – e me joga na garupa. Vamos correr um pouco sentindo o vento, olhando os ipês floridos, ouvindo as corujas piando em pleno dia...Vem, me leva neste sonho porque adoro sonhar tendo você como pano de fundo.

Vamos ser crianças novamente ? Ao menos por um pequeno espaço de tempo infinito onde ondas passam pela praia sem quebrar, desdobrando-se em lençóis sucessivos de prazeres pequeninos para que façamos com eles colares brilhantes de felicidades.

Não falei nada, fiquei ali parada como o primeiro homem a observar o raio,a chuva o nascimento de alguma criança. Meti algo no bolso de trás da calça, mecanicamente, nem sei exatamente o que era. Não dava para saber, não dava para saber nada a não ser você. Um abraço assim, sei lá – diria um adolescente – um beijo furtivo no pescoço que eu queria mesmo era lamber, mordiscar, beijar e beijar infinitamente e a moto fez a curva levando você que fiquei olhando sumir no horizonte enquanto sumia também todo o ar dos meus pulmões e a descarga de adrenalina faria meu coração pulsar forte até muito mais tarde.