sábado, dezembro 15, 2007

Nada mais que refletir

Drª, boa noite!

Aqui estou a cumprir o prometido.Nada há que resguardar, uma vez que lhe permiti ler os escritos. Se a pagina é minha,pessoal, receptáculo das minhas reflexões – caso as possamos chamar assim – e se, ainda assim, lhe franqueei o acesso a ela é porque lhe permiti, tacitamente, fazer perguntas as quais deveria , por honestidade, responder-lhe.

Pedi-lhe um tempo para concatenar as idéias, verdade seja dita, porque falar de mim ou de minha circunscrição emocional é algo extremamente difícil,ainda que seja pela falta de hábito.

Poderia lhe dizer que o Jerez (ou Fino) é um vinho seco, um clássico produto espanhol, com um toque salgado, excelente para se tomar como aperitivo ou na companhia de frutos do mar, referindo-se ao qual Willian Shakespeare disse: Se eu tivesse mil filhos, o primeiro princípio humano que lhes ensinaria seria fazê-los abjurar das bebidas insípidas e se dedicarem ao Jerez"( Henrique IV, parte 2) ou, ainda, poderia lhe dizer que Jerez é uma região da Espanha onde o solo é marcado pela forte presença do calcário, numa forma apenas encontrada ali: a albariza, um tipo de carbonato de cálcio com estrutura esponjosa e profunda. A importância do solo é tão grande que há todo um vocabulário para designar os diferentes formatos das pedras bem como suas diferentes composições, por exemplo as lentejuelas são pedras soltinhas e misturadas com barro ou pelirones que são pedregulhos maiores. A região compreende um triângulo formado por três cidades: Jerez de la Frontera, Puerto de Santamaría e Sanlúcar de Barrameda, no sul da Espanha. As três cidades são banhadas por ventos cheios de maresia, vindos do sul e do sudoeste, que temperam (quase literalmente) suas terras e levam umidade suficiente para manter suas uvas frescas nas noites do quente verão. Estas mesmas brisas serão responsáveis pela formação dos microorganismos que formam a "flor" encontrada na elaboração do Fino.

Não teria, de todo, me esquivado de responder, mas, certamente, estaria fazendo pouco dos seus neurônios que, quando assim desejam, são turbinadíssimos! (risos),afinal quem escreveria cartas a uma região do mediterrâneo, verdade?

Jerez é o nome que escolhi , por analogia de qualidade, para designar uma pessoa que conheço há muitos anos.Acredito chegue perto de 17 anos o tempo transcorrido desde que nos vimos pela primeira vez. Então eu era uma menina assustada, embora igualmente altiva – para usar uma expressão do próprio a meu respeito – no alto dos meus 27 anos. Jamais vou esquecer a primeira vez que o vi: usava um terno azul marinho e uma camisa tão alva que por alguns momentos feriu-me os olhos! Tão pouco esquecerei a sensação de pânico, o frio no estômago, sentida no momento em que primeiro lhe escutei a voz...Naquela época, doce inocência, acreditei que sentia medo, um estranho e inexplicável medo, daquele homem, daquela beleza rara para qual jamais tive coragem de levantar os olhos, sequer imaginar-me capaz de tocar-lhe um dia!

Na verdade o meu primeiro pensamento foi o de sair correndo em disparada rumo à porta para não mais voltar, mas havia sido recomendada para trabalhar com ele e igualmente recebera excelentes referências a seu , dele, respeito, pelo quê dominei meus instintos de fuga e fiquei.

Não saberia ao certo, teria que consultar minha CTPS e não creio que seja necessário, por quanto tempo trabalhei com ele, mas sei que só quando ele mudou de setor foi que igualmente me transferi, nesse caso por questões políticas internas da empresa. Eu era um bom cabo de guerra entre duas de suas asseclas, embora,tenha absoluta certeza, do seu desconhecimento sobre o fato.

Durante esse tempo em que trabalhamos juntos, vi e ouvi inúmeras mulheres babarem por ele, brigarem por ele, digladiarem-se por sua atenção, forjando todo tipo de situação para lhe arrebatar um olhar, mulheres de todas as idades e posições na empresa, mulheres de todos os estados civis.Eu era, então, apenas uma menina assustada no meio daquele vespeiro, mas ele foi mais meu amigo que qualquer outra pessoa quando precisei de um!

Não,certamente não falo de amigo que ouve suas confidências, mas de alguém pronto a lhe acolher como você é, a acreditar e aconselhar você com uma sensibilidade incomum, mesmo não sabendo exatamente qual é o problema pelo qual você está passando. Ainda tenho um folheto que ele me deu, à época, recomendando que entregasse os meus problemas nas mãos de Deus! A cena é tão nítida na minha memória que poderia ter acontecido ontem, ao por-do-sol!

A vida seguiu seu curso, o tempo correu inexorável, e nos perdemos de vista, o que não significa que o tenha apagado da memória. É uma das poucas lembranças ternas que tenho deste período tão conturbado da minha vida! (como se em algum momento minha vida tivesse sido serena! risos...).

Há uns dois anos, eu era estagiária na Defensoria Pública da União, recebi de um colega comum um e-mail desses que enviam com todos os endereços em aberto. No corpo do e-mail o colega fazia menção ao fato desta pessoa, a quem chamei de Jerez, haver perdido uma filha recentemente. A notícia tocou-me profundamente pois me recordava perfeitamente do quanto era devotado aos filhos. Momento seguinte, mandei-lhe um e-mail cordial de carinhosa solidariedade.

Começamos a conversar, restaurando um diálogo gostoso mas bem despretensioso, ao menos de minha parte. Reativamos memórias antigas, trocamos fotos e, por incrível que pareça, ele mandou uma foto em muito similar a imagem que tenho indelével: terno escuro, camisa branca, um olhar maroto de quem sabe algo que os demais desconhecem...Sorri vendo diante de mim uma imagem tão familiar, tão preservada pelo tempo quanto pelas lembranças. Dias após ligou-me na Defensoria e nos falamos, assim como sem jeito – certamente, pensei – pelo longo tempo em que não nos víamos. Desta vez reconheci imediatamente o aperto no estômago, o tremor do corpo, o frio nas mãos: absolutamente não era medo!

Combinamos de ir almoçar e , acredite se quiser, tive o maior dos surtos de loirice que se pode imaginar uma pessoa ter.Minhas sinapses ficaram circulares, completamente, se é que consegui realizar alguma sinapse! Não sabia o que conversar, não sabia onde por as mãos, os olhos, o prato, enfim, não cabia em mim e nem ali: queria sair correndo, me esconder debaixo da primeira mesa, cama, cadeira...Sumir! Senti-me a mais idiota das pessoas, suando frio, abobalhada, com braços e pernas muito maiores que o normal.Fiasco total,ou como a drª gosta de chamar, um King Kong fenomenal.

Para minha surpresa, os e-mails,como eu esperava depois de tanto mico, não cessaram, ao contrário recebi vários elogios e galanteios que perduraram até o ultimo momento que nos vimos e que não faz lá todo esse tempo.

Foi um dos encontros mais maravilhosos e o maior de todos os presentes que os céus me deram. Uma verdadeira marquise onde pude me abrigar dos vendavais que assolaram meu território no ultimo ano! Sua força silenciosa e terna, seu carinho austero, seu sorriso suspenso e sempre enigmático cativaram-me ainda mais do que eu já era, mas também me deram força para seguir adiante, incentivo para tornar-me melhor como pessoa e como profissional.

Se me consideram encrenqueira e destemida, até mesmo ousada, JAMAIS tive coragem de levar-lhe a voz, de contradizer-lhe, recebendo com atenção,e, não poucas vezes, lágrimas contidas, as admoestações que me fez. Senti sempre em suas palavras o desejo sincero de extrair de mim o que poderia haver de melhor e a justa compreensão do momento.

Assim foi que tive a oportunidade, nunca imaginada, de apreciar esse finíssimo vinho espanhol, cujo buquê perfeito espalha-se por 1,84 ou 87 – não sei ao certo – da mais bela estrutura física que jamais contemplei. Um sorriso inenarrável, cabelos tão finos e macios quanto os de um bebê e uma voz tronante, soman-se a um toque tão leve que mais se parece a brisa do mar quando nos despenteia os cabelos...Não saberia dizer –lhe mais sobre quem seja Jerez a não ser que é o mesmo moço da motocicleta, aquele que me atropelou com sua beleza num final de tarde corriqueiro.

Antes que me pergunte qualquer outra coisa, digo-lhe que nas curvas da vida, cheguei atrasada uns quarenta anos, mais ou menos, razão pela qual tudo que me cabe é tão somente uma prova desse finíssimo vinho sem almejar possuir a garrafa ou mesmo a vinícola. Acredito, mesmo, que no presente momento nem mesmo a prova me será ainda franqueada...

Alonguei-me por demais Drª, desculpe-me. Isso não é uma resposta a uma pergunta, mas um verdadeiro artigo acadêmico, muito embora não tenha cumprido com as suas tão queridas regras ABNT...Não gosto das regras, ela me roubam tudo que mais gosto...

No aguardo de suas considerações, fraterno beijo

TH