domingo, agosto 13, 2006

A cidade e os ipês.

Parador, 5766

Querida Nur,

Parador parece uma noiva ataviada com todos os seus Ipês floridos... É impressionante pensar que isso significa, exatamente, que a seca chegou ao seu auge e que a chuva nem se sabe quando voltará a nos visitar, ou por outra, só virá quando esses milhares de pequenas flores fenecerem e ainda há muitas delas por nascer!

O Ipê é uma árvore espantosa. Penso que temos muito a aprender com ela pois é no auge da seca, exatamente quando toda outra vida vegetal se acaba, e até mesmo a grama fica marrom, que suas flores atingem o máximo de beleza e vigor. Parece dizer que não devemos acreditar na desolação da superfície, que, haja o que houver, sempre há lugar para a vida e para o encantamento.

A alameda dos beirais é um luxo só com suas ruas bordadas em amarelo, lilás e rosa. Os gramados, antes marrons pela seca, encontram-se um verdadeiro arco-íris de pequenas flores que se deslocaram dos galhos para substituir a forragem que morreu. Tudo cheira a vida e a beleza apesar desse céu de brigadeiro não ter a menor intenção de mandar uma só gota da miraculosa chuva.

Passeando pela alameda dos Ipês – chamo-a assim, agora – percebi que foi exatamente isso que aconteceu comigo: O comandante Jerrez teve um efeito Ipê em minha vida fazendo nascer flores e beleza onde antes havia devastação e dor. De cada uma de minha feridas vem florescendo um buquê e cada um parece ser mais bonito que o outro.

Eu estava tão morta quanto a natureza na época das secas. Tão distante da vida que até mesmo dos ciclos vitais me havia afastado e nem mesmo a lua, a grande e primordial mãe, eu observava... Murchando lentamente, minha casca ficava, pouco-a-pouco, impermeabilizada a toda e qualquer manifestação da vida pulsante...

Então Jerrez surgiu e modificou tudo isso. Voltei a sentir em mim a vida e a pulsar como a própria natureza. Agora abro o armário e, novamente, busco uma roupa como uma árvore escolhe uma flor; lanço mão de um perfume como se fosse um dia de sol ou uma noite de estrelas e os sonhos fluem, as palavras vicejam, as velas do barco da vida estão novamente enfurnadas e o mar do infinito pode ser singrado!

Sei que tudo isso seguirá exatamente o mesmo ciclo do Ipê: chegará a época da chuva e as flores não mais existirão; Jerrez seguirá seu caminho e eu o meu. Terá que ser assim, um dia, mas então não mais serei um galho nu clamando piedade aos céus, terei, ao menos, a lembrança das flores para honrar e me sentir viva.

Imagino que possa ter respondido a seus questionamentos, mas se algo resta de dúvidas, se em algum ponto não fui suficientemente clara, pergunte, sinta-se à vontade para esquadrinhar minha alma: as portas e janelas estão completamente abertas para você!

Beije os meninos por mim e fique com todo o amor dessa sua irmã

Sh

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